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Trabalhadores em agonia

Alguns trabalhadores da União Geral de Cooperativas (UGC), afectos aos sectores de segurança, de abate de aves e processamento de rações, passaram o as festas em plena agonia. Os salários não são pagos há três meses. A entidade empregadora justifica o atraso alegando “falta de rentabilidade financeira”…

No quarteirão 4, no Bairro Patrice Lumumba, são quatro horas quando Luís Tamele, de 52 anos de idade, chefe de um agregado familiar de nove pessoas, sai de casa incerto do que o dia lhe reserva. Àquela hora o bairro é apenas seu, não há lugar para hesitações. Vai à UGC. Dois dias depois regressa.

É o seu emprego que lhe devia garantir um rendimento mensal mínimo. Algo que deixou de acontecer faz três meses. Tamele é rebento de uma época em que a cabeça dos jovens era inundada pelo sonho de rumar às minas da África do Sul, todavia, as boas notas na escola ditaram outra sorte. Ele e mais cinco colegas foram “recrutados” para trabalharem na então designada Avícola Estatal.

@Verdade conversou com Tamele um dia depois do Natal. A ideia, no momento, passava por compreender como o cidadão de poucas posses passou a data. A resposta foi desconcertante: “Passei o Natal a proteger galinhas que eu o os meus dependentes não podemos comer”. Luís é actualmente responsável pela segurança dos aviários da UGC e trabalha na instituição há 32 anos. A vida, diz, nem sempre foi um mar de rosas, mas dava para garantir as despesas básicas. A situação mudou nos últimos anos quando os salários começaram a ser pagos com atraso.

Com o olhar fixo nas galinhas que deve proteger dos amigos do alheio, Tamele diz que continua a trabalhar em vão: “não sei como irei viver daqui em diante, falta- -me quase tudo”. Engana-se, porém, quem pense que o caso de Tamele é único. São, na verdade, 57 trabalhadores com salários em atraso. No dia 10 de Janeiro, do ano em curso, @ Verdade ouviu alguns trabalhadores da UGC e ficou a saber que os mesmos continuam sem vencimentos. Ou seja, estão por pagar os salários de Outubro, Novembro e Dezembro.

Desvio dos valores do INSS

No leque dos problemas que apoquentam os trabalhadores, é preciso acrescentar o desvio dos valores que tinham de ter como destino o INSS. Os funcionários advertem que os montantes são descontados religiosamente. Porém, “não são canalizados ao sector de direito”. A título de exemplo, apontam o facto de os reformados continuarem a ser pagos pela empresa. “O valor que eles descontavam para o serviço de segurança social onde é que vai parar?”, perguntam.

O que torna, informam, a situação bem mais grave é o facto de o valor descontado ser pago quando a UGC julga pertinente. Ou seja, os trabalhadores são obrigados a depender do estado de espírito dos responsáveis da empresa. Eleutério Macamo, há 21 anos na empresa, conta o seu drama: “A minha vida parou. Acumulei dívidas para pagar água e luz. Não tenho como comprar material para os meus filhos. Não sei como vou viver daqui para a frente se o salário não sair”. O grau de desespero de Macamo é tal que não se coibiu de pedir dinheiro ao @Verdade para custear as despesas com o transporte público.

A versão da direcção

@Verdade contactou o director executivo da UGC, Fernandes Domingos, que reconheceu que “há atraso no pagamento de salários”. Entretanto, explicou que a UGC possui várias empresas autónomas, sendo que na empresa mãe não há problema de salários, “com excepçãodo sector do processamento das rações e do matadouro, nos quais não há rentabilidade financeira”.

“Temos vários sectores ou empresas que não têm problemas de salários, não se pode generalizar. Nas escolas técnica, e secundária, na rádio comunitária e na fábrica de processamento de caju não ocorrem problemas de atrasos salariais,” disse.

Quanto à alegada falta de canalização dos valores descontados aos trabalhadores aos cofres do INSS, Domingos reconheceu haver lacunas. Neste momento, o valor da reforma de alguns trabalhadores é pago pela UGC, que recorre aos seus próprios fundos para o efeito. Contudo, os mesmos têm-se revelado muitas vezes exíguos para satisfazer os interesses dos reformados.

Como forma de reverter a situação, o director executivo assegura que a UGC está em negociações com a INSS para que seja “transferida” tal responsabilidade. “Chegámos à conclusão de que não é viável para nós pagarmos reformas dos trabalhadores, por isso, estamos a encaminhar tudo que tal seja da responsabilidade do INSS. Assumimos que há meses em que não conseguimos pagar os subsídios,” referiu.

Futuro sombrio

@Verdade falou com o responsável do sector de abate das aves, vulgo matadouro, Domingos Ernesto, que reconheceu o atraso no pagamento de honorários, mas justificou-se dizendo que tal situação se deve ao facto de os pequenos avicultores que recorrem ao serviço do matadouro não significarem um volume de negócios capaz de dar resposta às despesas com o pessoal. Efectivamente, a empresa pensa poder resolver a situação até Abril de acordo com a explicação de Ernesto. Um dos exemplos, no seu entender, do esforço da empresa para saldar a dívida com os trabalhadores, é o pagamento do salário de Setembro na primeira semana de Janeiro.

Trabalhadores confirmam pagamento de Janeiro

Justino Cebola, há 8 anos na empresa, na qualidade de segurança do matadouro, também está numa situação delicada, apesar de reconhecer que em Janeiro foi-lhe pago um dos meses em atraso. No entanto, não se deixa vislumbrar porque é mais o que ficou por pagar: “deram apenas o salário de Setembro e os três que faltam? Eu fiz um empréstimo num banco de microfinanças e com esta situação vou perder os meus bens que custaram muito a adquirir”. O que deixa indignado Cebola não é necessariamente o atraso no pagamento do salário, mas a falta de diálogo.

Reunião sem consenso

Os funcionários recusaram-se a trabalhar na quadra festiva. O responsável da empresa afirma que tal situação implicou um prejuízo de 70 mil meticais apenas num aviário. Trata-se de cerca de 8.000 frangos que deviam ser abatidos naquele período. “Tivemos que pagar o transporte e abate dos frangos num outro matadouro. Ou seja, foram 3.5000 frangos que tivemos de levar para o abate num outro local”, disse.

“Curiosamente, a empresa fala de prejuízos numa área que assegura ser pouco rentável”, afirma Nhabanga que justifica o facto de não ter colocado os pés no seu posto de trabalho, durante a quadra festiva, afirmando que falou mais forte a necessidade de garantir a sua sobrevivência e a dos seus dependentes.

“Já estava há dois meses sem ver o fruto do meu suor recompensado e precisava de uns trocados para enganar a fome. Preferi fazer alguns biscates e respondi ao chamado de pequenos avicultores que me solicitaram para ajudar a abater algumas aves. Graças ao parco dinheiro que recebi nesses biscates, consegui minimizar o impacto da fome.”

Ainda assim, Nhabanga diz que o pesadelo continua porque já não sabe onde arranjar dinheiro para sustentar a casa e matricular os seus filhos na escola.” É uma autêntica tragédia, o que estou a passar,” finalizou. No sector do abate de aves encontram-se 57 trabalhadores em agonia. Não há salários e o futuro parece incerto.

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