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Uma vida guiada pelo instinto de sobrevivência

Uma vida guiada pelo instinto de sobrevivência

Para garantirem o sustento diário, dezenas de indivíduos que contraem deficiência visual optam por mendigar nas artérias de Nampula. Porém, há pessoas que se adaptam à nova realidade e continuam a exercer normalmente a sua actividade profissional, guiadas pelo instinto de sobrevivência. Afonso Lima, de 56 anos de idade, é exemplo disso. Com problemas visuais causados por um erro médico, presentemente, ele ganha a vida recorrendo à reparação de viaturas.

Natural de Alto-Molocué, na província da Zambézia, Afonso Lima aprendeu com o seu progenitor a reparar viaturas quando ainda era pequeno. Mas, em 2005, a sua vida mudou, após contrair a cegueira, devido a um erro médico. Segundo Lima, quando foi internado no Hospital Central de Nampula (HCN), padecia de dores fortes de cabeça e, depois do diagnóstico, chegou-se à conclusão de que devia ser submetido a uma cirurgia no olho.

Na altura a explicação clínica dada pelo médico referia que Lima tinha lesões no olho direito. Porém, o paciente não imaginava que sairia daquela unidade sanitária com problemas sérios de visão. Realizou-se a primeira cirurgia. Mais tarde, veio a descobrir- se que, na verdade, o órgão de visão com problemas era o do lado esquerdo.

Depois de a equipa médica ter dado conta do erro, não comunicou aos familiares e nem ao paciente, temendo a reacção negativa de ambos. Porém, decidiu-se que o cidadão devia ser submetido a mais uma operação, mas desta vez no local onde residia o problema. Entretanto, após a cirurgia, Lima ficou na expectativa de que sairia daquela unidade sanitária em boas condições de saúde.

“Tudo indica que eles não estudaram o meu caso”, diz Lima que se emociona todas as vezes que tem de contar como contraiu a cegueira. Devido às marcas deixadas pela situação, que podia ter sido evitada, hoje ele sente-se traumatizado, quando entra numa unidade sanitária, em caso de enfermidade, pois tem a impressão de que nunca mais sairá dali com vida.

Apesar da deficiência visual, não se deixou levar pela situação, pois a vontade de se ocupar e a necessidade de garantir o sustento da sua família eram grandes. Aos poucos, foi-se adaptando à sua nova vida. Lima passou a fazer pequenas reparações no seu tractor e em algumas viaturas avariadas. “É preciso trabalhar com o coração, pois esse órgão é o meu guia e, quando me aproximo de uma viatura avariada, concentro-me no ruído do motor e logo vem-me à mente a marca do carro. Deixo toda a informação necessária entrar no meu coração e concentro-me nessa avaria”, explicou.

Presentemente, Lima é um dos empreendedores, no tocante à reparação de automóveis, mais conhecidos e bem-sucedidos da circunscrição onde reside. É também um exemplo de persistência para os seus netos e para um pouco mais de 10 pessoas que ele emprega. Na sua oficina, denominada Lima & Filhos, recebe diariamente, em média, seis viaturas. Os veículos com problemas no motor ficam à responsabilidade de Lima, devido à experiência acumulada nessa matéria.

“Só peço ajuda para abrir o capô, o resto é comigo”, disse. Após perder a visão, Afonso Lima filiou-se à Associação dos Cegos e Amblíopes de Moçambique (ACAMO), onde luta para ver os direitos dos deficientes visuais respeitados. No passado dia 6 do mês em curso, ele tomou posse como delegado provincial da agremiação. “Vou continuar a lutar com vista a consciencializar as pessoas de que ser cego não significa ser inválido, mas sim, alguém que pode contribuir para o desenvolvimento do país”, afirmou.

“Os deficientes visuais devem apostar no auto-emprego”

Para Lima, o sucesso de um indivíduo depende da dedicação, independentemente das circunstâncias e da condição física e visual. No entanto, segundo o mecânico, os deficientes visuais não devem ficar à espera da ajuda de terceiros, pelo contrário, têm de demonstrar vontade de querer vencer os obstáculos da vida. “O deficiente visual não está impedido de ter o seu próprio negócio e ganhar dinheiro. Quem contraiu a cegueira pode fazer qualquer actividade remunerável e não só”, salientou.

De acordo com Lima, nas comunidades os cegos são encarados como pessoas anormais e incapazes de fazer algo útil para sobreviver, e de contribuírem para o desenvolvimento social e económico do país. Essa concepção é que faz com que a pessoa que sofre de problemas visuais se torne um indivíduo que passa o tempo inteiro de mãos estendidas, à espera de esmola.

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