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EDITORIAL: Tínhamos a obrigação

Os mais velhos dizem que vivemos a mesma vida desde há mais de 50 anos. Nada mudou na nossa natureza, enquanto povo, e na nossa organização económica. A forma como pensamos o papel e o funcionamento do Estado, como concebemos o trabalho, os deveres e as obrigações e como nos organizamos social e economicamente diz muito do que somos e explica, em grande medida, o momento que estamos a viver.

Temos vivido com os mesmos vícios, os mesmos gastos, as mesmas despesas e as mesmas vaidades. Queremos viver e ser um país rico, quando somos pobres e mal produzimos o que comemos. Uma sociedade fraca e que reclama só direitos e regalias, com uma economia débil e que não produz, algum dia tinha que rebentar.

Em 35 anos nunca tivemos um Estado forte, disciplinado e responsável. Em 35 anos nunca tivemos uma economia e uma organização social e política capaz e respeitada.

Se hoje abdicamos de carros de luxo para reivindicar austeridade é porque ontem gastamos sem limites e sem regras. Hoje já não temos lideranças políticas que sejam competentes e um exemplo de virtudes, nem um povo trabalhador que olhe mais para o colectivo do que para o individual.

O hedonismo é a nossa marca indelével. Mas isso é porque em 35 anos nunca tivemos uma cultura e uma mentalidade que pusesse em primeiro lugar o interesse nacional. Nunca tivemos estruturas sindicais que apelassem para os desígnios nacionais.

Como são possíveis, em plena crise e numa situação de prébancarrota, a ausência de uma rede de transportes públicos e a presença de hospitais completamente sujos, com a venda de empresas públicas negociadas na terra do colono sem consentimento da população?

A responsabilização dos gestores públicos e privados, por gestão ruinosa, é um convite ao roubo desenfreado. Vejam o escândalo do caso Manhendje e o que se está a passar com os funcionários da G4S.

Se somos assim, o resultado só podia ser este. Somos uma sociedade com uma carga de interesses corporativos que ultrapassa o razoável, impeditiva, por vezes, do desenvolvimento.

Estado pobre e sem alicerces, com uma sociedade civil colonizada, sócio-dependente, com líderes sem prestígio e sem qualidade só podia dar nisto. E, agora, começa a dança irresponsável de prender inocentes (leia-se agentes da G4S). Inocentes porque quem é submetido a privações daquele género (receber 33 meticais) é livre de se rebelar.

No entanto, mais uma vez, os interesses políticos e partidários a sobreporem-se ao interesse do cidadão comum. É o que dá quando quem nos libertou, apenas por isso, julga que lhe assiste o direito de brincar com a vida de 10 mil cidadãos e, por tabela, de privar mais de 29 mil crianças de pão e água para a boca.

Já libertaram o país do colono, mas agora é preciso libertá-lo da pobreza, mas parece que, para isso, os pais da independência conseguem estar de acordo, apesar de terem consciência do mal que fizeram depois de ‘75. Da Revolução Verde aos transportes, dos mega-projectos aos biocombustíveis, do ministro do interior ao SISE, do G4S ao conselho de ministros, ninguém escapa ao julgamento e a um veredicto de culpabilidade.

Os transportes públicos estão no caos, perderam qualidade, estão sem orientação e à deriva e a culpa é do preço do combustível. A polícia agride cidadãos indefesos e põe as leis e o código deontológico num picador de papel e ninguém se demite. Muito pelo contrário, as vítimas são detidas.

Os problemas físicos derivados da fome que a G4S semeou ao roubar ordenados de quem trabalhou de sol a sol são arrogantemente ignorados. A justiça é injusta, morosa e apenas respeitada pelos pobres. Já poucos acreditam na sua imparcialidade e isenção. A crise de confiança que existe entre nós e nas instituições é mais grave do que a falta de comida. Comida pede-se ao vizinho.

Foi isso que os funcionários da G4S fi zeram nos últimos três meses. Mas a confi ança ninguém empresta. Ou mudamos de comportamento ou morremos como país. Nem os 35 anos nos salvam. Aliás, depois desse tempo, temos a obrigação de sermos melhores do que já fomos.

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