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Terramoto… Tsunami… Choque

Terramoto... Tsunami... Choque

O Japão está sempre à espera de uma tragédia. Equilibrado sobre uma falha geológica que regista a mais intensa actividade vulcânica e a maior frequência de terramotos do planeta – o chamado Anel de Fogo do Pacífico –, o arquipélago há muito que se habituou a conviver com as intempéries. Além dos abalos sísmicos e das explosões, vive fustigado por tufões, furacões e tempestades. Nunca, porém, os japoneses haviam presenciado um desastre natural de tamanha intensidade como o da tarde de sexta-feira 11.

 

 

Às 14h46 (7h46 em Maputo), de um ponto a 32 quilómetros de profundidade no oceano Pacífico, e a 400 quilómetros de Tóquio, irrompeu um tremor de magnitude de 8,9 na escala Richter. Ao interromper o equilíbrio das águas, o deslocamento das placas tectónicas deu origem a ondas gigantes, de até 10 metros de altura e velocidade de 800 quilómetros por hora.

Numa das cenas mais impressionantes registadas pelas TV´s, um vagalhão colossal, enegrecido pelos destroços que já carregava, avançou sobre a cidade de Sendai, a mais próxima do epicentro do terramoto, arrastando o que estava à sua frente. Carros, casas, barcos e prédios desprenderam-se do solo em fracções de segundo para rodopiar no turbilhão das águas como se fossem de brinquedo. Foi o maior terramoto da história do Japão e o sétimo mais violento do mundo. A sua força foi tamanha que deslocou em 10 centímetros o eixo de rotação da Terra.

Até esta quarta-feira, o número de mortos chega a 4.340, de acordo com a rede japonesa de televisão NHK. Já o total de desaparecidos subiu para 9.083. Foi uma tragédia colossal, mas poderia ter sido muito pior. Qualquer outro país populoso que enfrentasse um desastre desta magnitude contaria os seus mortos em dezenas de milhares.

No entanto, o Japão tem um longo histórico de tragédias do género – o terramoto de Kanto, em 1923, deixou 143 000 mortos, e o de Kobe, em 1995, fez 5 500 vítimas – e, por isso, nunca economizou em tecnologias destinadas a minimizar a devastação e o sofrimento que elas podem causar. Hoje, em todas as regiões do arquipélago, há barreiras de concreto no mar que reduzem a velocidade das ondas, prédios que balançam para resistir a terramotos e um sistema de alarme que emite sinais sonoros, mensagens por rádio, TV, Internet e celular.

Graças a esse sistema, a população japonesa foi avisada sobre o terramoto de sexta-feira com um minuto de antecedência. É pouco, mas pode ser o suficiente para fazer a diferença entre a vida e a morte. Aliado à prevenção, o país tem um sistema de resgate que, na tragédia da semana passada, mobilizou instantaneamente mais de 10 000 soldados, 300 aviões e quarenta navios de guerra para o socorro das vítimas. Num dos mais notáveis exemplos da eficiência desse sistema, 200 crianças foram resgatadas de helicóptero de uma escola na cidade de Watari, no leste do país, apenas meia hora depois do terramoto principal.

O desastre no Japão foi 900 vezes mais intenso do que o que devastou o Haiti em Janeiro de 2010, mas o número de mortos foi incomparavelmente menor. No Haiti, morreram mais de 300 000 pessoas. A eficácia na prevenção e no resgate ajuda a explicar a menor letalidade, mas houve também razões naturais para isso.

O tremor no país da América Central teve o seu epicentro mais próximo da superfície e de uma grande cidade, enquanto o do Japão foi mais distante e profundo. O arquipélago preparava-se havia três décadas para o que os sismólogos previam que seria o maior terramoto da sua história.

O Grande Tremor irromperia na cidade de Tokai, na região de Shizuoka, e alcançaria até 8,4 pontos na escala de Richter. Na sexta-feira, ele chegou. Mas, contrariando as expectativas, não surgiu em terra firme, mas no fundo do mar. E revelou-se ainda mais furioso do que se esperava: alcançou 8,9 pontos na escala de Richter. Essa diferença de 0,5 ponto, pequena em valores absolutos, é gigantesca no que concerne aos seus efeitos.

Na progressão geométrica da escala de Richter, um terramoto que atinge 6 pontos equivale à explosão de 3,7 bombas atómicas como a que atingiu Hiroshima, a maior tragédia não natural que se abateu sobre o Japão. Mas a diferença de 0,5 ponto corresponde à energia liberada por nada menos do que 58 500 dessas bombas.

A cidade de Sendai, com 1 milhão de habitantes, por ser a mais próxima do epicentro do tremor, foi a mais devastada. Quando as ondas gigantes do tsunami começaram a refluir, devolveram às suas praias mais de 200 corpos. Dezenas de edifícios foram incendiados, a energia eléctrica foi cortada e o aeroporto ficou fechado depois de ter as pistas invadidas por carros arrastados pelas ondas.

A água carregou casas e carros para o mar e levou barcos e navios para a terra. Um navio que levava 100 pessoas foi tragado pelo tsunami e um comboio esteva desaparecido até a manhã de sábado.

Na mesma região, uma refinaria de petróleo e uma siderúrgica incendiaram-se. As chamas atingiram mais de 30 metros de altura. Um dique rompeu-se em Fukushima, destruindo 1 800 casas. Quatro usinas nucleares da região atingida pelo terramoto foram desligadas por precaução. Uma delas, a de Fukushima, teve problemas no sistema de resfriamento, o que levou o governo a retirar os moradores num raio de 10 quilómetros por causa do risco de acidente nuclear. O governo japonês luta até hoje para impedir a possibilidade de um derrame de material radioactivo.

Em Tóquio, a capital e a maior cidade do país, o terramoto fez tremer prédios, rachou ao meio uma rodovia e provocou catorze incêndios. A energia eléctrica foi desligada e os dois aeroportos fecharam. O metro e os comboios deixaram de circular e a população foi aconselhada a deslocar-se apenas a pé (antes que escurecesse, porém, todo o stock de bicicletas da capital havia sido vendido – muitos japoneses resolveram pedalar para evitar ter de dormir no trabalho ou na rua). Todo esse estrago, contudo, deixou apenas dois mortos: um homem de 67 anos, esmagado por uma parede, e uma idosa, atingida pelo tecto da própria casa.

Tóquio é uma cidade especialmente resistente a intempéries. A legislação antiterramotos proíbe, por exemplo, que os prédios estejam próximos demais, para evitar que um desabe e arraste o outro em efeito dominó.

Mesmo invadida por ondas de mais de 6 metros, a cidade não sofreu enchentes. Isso porque o seu subsolo conta com uma infra-estrutura que inclui cinco poços de 32 metros de diâmetro por 65 metros de profundidade interligados por 64 quilómetros de túneis. É um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas ou em caso de acidentes naturais.

Nas ruas, a notória impassibilidade dos japoneses diante de momentos difíceis chegou a espantar estrangeiros. “Não vi um japonês em pânico. Ninguém corria, não houve empurrões. Todos andavam calmamente”, afirmaram vários estrangeiros na cidade.

Não houve registo de tumultos, cenas de violência ou saques. Nos abrigos improvisados em ginásios desportivos e parques imperava a disciplina. Com o funcionamento precário da telefonia celular, os japoneses aguardaram pacientemente nas filas dos telefones públicos para dar notícias à família.

A luta para reconstruir as áreas atingidas pelo desastre natural vai dar ao Japão a oportunidade de testar uma teoria que há décadas divide os economistas: a de que os esforços de guerra com os gastos que eles exigem e os simultâneos alívios fiscais dados à produção são forças motrizes capazes de recuperar economias estagnadas.

A japonesa está estagnada há duas décadas. Este ano, ela estava a começar a dar sinais de vida. O primeiro impacto do desastre será negativo – diversos sectores directamente atingidos vão ficar paralisados. Mas depois os gastos com a recuperação da frota pesqueira da região de Sendai, das estradas, ferrovias e linhas de transmissão de electricidade podem produzir a fagulha que vai reacender o fogo da economia japonesa.

Em Tóquio, duas horas após o terramoto, o aeroporto principal estava reaberto. Parte dos comboios recomeçava a circular e os esforços de limpeza e reconstrução já tinham tido início. Uma grande tragédia abateu-se sobre o Japão. Mas não os apanhou desprevenidos. E esse é o maior alento que um país, diante de um desastre dessas proporções, pode oferecer à sua população.

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