Enquanto o grosso de jovens moçambicanos – dedicados à literatura e candidatos ao título de escritores – se queixam de determinada ostracização perante a indústria livreira nacional, o mesmo se pode dizer em relação à multifacetada artista Tela Chicane. Dedica-se à arte, a literatura em particular, há mais de dez anos. Nos seus rabiscos, vive atacando os homens, o que imediatamente lhe valeu um rótulo: “Tela Chicane, aquela que fala mal dos homens”.
Que transformações a admissão e, a consequente, permanência temporária em universidades se operam a produção de um manual sobre estilo e moda, bem como os modos de comportamento nas lides da moda que, imediatamente, foi distribuído pelas universidades envolvidas.
É poetisa, actriz de teatro e cinema, dançarina e produtora de eventos. No entanto, no campo da literatura, faz dos homens um alvo por abater. Sobretudo, os com comportamentos desviantes, o que se transparece no seguinte anseio: “Sou o que não queria/ Queria ser a tua casa/ para regressares a cada partida” (…) Mas, infelizmente sou o teu sapato/ o qual tu pisas, de dia, de noite, sem dó”.
Pior ainda, escreve Tela, “e quando te cansas de pisar, deixas/ por debaixo da cama sem sequer/ sacudir a poeira”. Como tal, Chicane – esta representação poética da mulher apaixonada – leva o seu posicionamento ao extremo e, desabafa: “Mas não vejo a hora/ de ser a atua gravata/ para te apertar o pescoço/ bem devagar/ mas bem devagar mesmo/ para que te lembres/ que eu sou mulher/ e não um objecto”.
Para os efeitos desta entrevista, a escritora da Tela Chicane despertara-nos atenção pela sua simplicidade semântica, ao mesmo tempo que reúne uma complexidade temática, que se revela pela aplicação mestra da metáfora para denunciar o despudor da fi gura masculina na sociedade. Sem se importar da contradição que comete, Tela acusa “Os animais racionais (no género masculino) e os irracionais/ só se diferem na sua constituição física/ e no habitat,/ pois em comportamento são todos iguais”.
Ainda na questão dos homens, clarifi ca que “uns são como gatos/ quietos, mansinhos e bonitos/ mas adoram comer no prato do outro; / E outros são como cães/ irriquietos e malandros/ mas também adoram comer no prato do outro”.
Ora, esta postura – atacar os homens sem dó nem piedade – faz desta escritora, em acelerado processo de poetização, uma deusa entre as mulheres e, curiosamente para os próprios machos a quem ataca. Afinal, em tudo isso, as mulheres permanecem as santas da história, como mais adiante justifica. “E as mulheres? No meio de tantos animais/ comportam-se como verdadeiras mães,/ esposas, damas da sociedade e/ excelentes domadoras de vários animais/ de qualquer espécie”. De qualquer modo, porque tudo o que se disse até aqui pode ser “paranoias” de uma mulher quando em determinado dia acorda inspirada e, escreve. Percebamos como tudo começou.
“Comecei a escrever, escrevendo sobre (todos) os assuntos. Todavia, no meu primeiro recital, apresentei um texto que agredia os homens e, curiosamente, em todas as pessoas, incluindo os homens senti uma reacção agradável. Mais importante ainda é que, foi uma reacção totalmente diferente quando comparada a dos demais artistas que passaram pelo mesmo palco. Então, entendi que aquela maneira – a de agredir os homens – podia ser a minha identidade artística e, provavelmente, por isso, acabei me apegando ao estilo”.
Atenção que @verdade, como já se disse, simplesmente se impressionou com esta frontalidade particular, mas na verdade, Tela Chinane escreve “acerca de todos os assuntos. Critico a sociedade, sempre que necessário, sem me perder da minha orientação sentimentalista, romântica e infantil. Mas porque depois da apresentação da obra em que denunciava o comportamento de desvio dos homens, as pessoas acabavam por me identificar como “Tela Chicane, aquela que fala mal do homens, optei em preservar este novo slogan”, realça.
Narcisista vs Masoquistas
Ao que nos parece, Tela Chicane “ataca” os homens por pura necessidade narcísica de fazer arte. Ora, pouco se percebe a afabilidade com tais agressões incisivas são recebidas pelo homens, numa pura manifestação masoquista. “As pessoas (sobretudo os mais próximos) chamavam-me atenção para suavizar, sob pena de ser conotada como frustrada ou, em como se estivesse a acometer a alguém directa ou indirectamente. Recusei-me a acatar as orientações, mas quando passei a não recitar tais obras – agressoras – as pessoas ficavam intrigadas e questionavam-me sobre o porquê de não “agredi-las”.
Para a escriba, “a reacção não foi necessariamente porque o público não gostara da performance, mas esperava que – como sempre fazia – eu detonasse. Então, no meu caso, “atacar os homens” pode se equiparar à postura da nossa artista (malograda) Zaida Chongo. Caso ela subisse ao palco e descesse sem “txovar” – dançar à sua maneira exclusiva –, sinceramente falando, seria como se ela não tivesse feito o espectáculo, porque as pessoas identifi cavam-se com a sua maneira de ser e estar em palco”. De qualquer modo, foi neste prisma que, “acabei por adoptar um novo sistema que consistia em declamar um poema detonando e outro suave, sem, no entanto, sair do palco em paz para com os homens”.
Entre o ofício e o lazer
Tela Chicane não somente dedica-se à literatura por lazer, como também como ofício. “Sobretudo porque, não raras vezes, as pessoas contratam para apresentar obras sobre, por exemplo, o meio ambiente. Em determinado dia/local, por alguma razão, realizar-se-á um evento sobre o tema. Ora, quando consulto o meu repertório não encontro algo o assunto inspirou-me para que da minha imaginação surja um texto sobre o tópico. É por isso que, para mim, fazer literatura acaba sendo um trabalho e, não mera actividade criativa”.
Mas como se faz provoca uma inspiração? Como fazer a gestão deste confl ito da falta de inspiração, mas ter que produzir arte?, questionámos. “Nem sempre devemos escrever porque estamos inspirados. De vez em quando devemos trabalhar à luz da inteligência. Porque inspirado o artista deixa os seus pensamentos, a sua imaginação fluírem e, só depois é que se dá conta de que produziu um texto. Opostamente a isso, quando se pede que o artista provoque uma inspiração, o que para já é difícil, porquanto pressupõe a concatenação do que já sabe, com o que gostaria de escrever, certamente que se está diante de uma tarefa árdua. Mas, com alguma concentração e tempo tudo é possível”, diz.
Publicar os meus volumes
Tela Chicane pode não ter tempo, como diz, para organizar-se e publicar o seu livro, mas contém no seu ego um grande sonho: “publicar uma colecção de livros em volumes”.
“Daqui há alguns anos gostaria de poder apreciar para a colecção das minhas obras de literatura. Ou seja, uma série de obra organizados em formato de volumes. Na verdade, eu escrevo para que as pessoas saibam e que leiam as minhas obras. Se de alguns anos para cá tenho vindo a declamar, para o público, é porque apercebi-me que esta poderia ser uma da forma de divulgar a minha obra, tornando-a conhecida”.
Feito isto, não tardou muito para que Tela Chicane começasse a ter mais ambição. “Lancei-me para o Kutsemba Cartão, um projecto fi nanciado pela Cooperação Espanhola em Moçambique, do qual publiquei “O amor me trouxe dor”, que é a minha primeira obra”.
O livro foi produzido manualmente com o uso de papel comum e papelões para a capa. Acredita-se que foi um trabalho de fácil produção e publicação em relação aos outros. Por isso, consegui-se vender todos os exemplares, até porque o preço era acessível, como forma de incentivar à leitura. Aliás, “O amor me trouxe dor” suscita uma série de questões – quem viveu tal amor? Porque lhe magoara? Como resolver tal dilema? – mas acima de tudo, pelo facto de até à data da publicação, algumas pessoas, ao nível do bairros suburbanos de Maputo, já tinham acompanhado a história em mostra de teatro, a obra acabou tendo uma recepção favorável no público.
De qualquer modo, “o meu sonho é puder publicar um livro em condições normais, com capa com e editora ofi cial, que além de ser destinado às bibliotecas – para a leitura de pessoas interessadas – possa constar nas prateleiras das estante de uma sala de estar. Mas acima de tudo, que as pessoas possam comprar porque interessadas pelo tema”. O alvo é que os amantes da literatura e coleccionadores de livros “possam ter na sua colecção a obra de Tela Chicane. E atenção que não estou a falar somente de uma obra poética, mas também de livros de contos e crónicas porque também escreve sobre histórias de vidas, como foi o caso de “O amor me trouxe dor”.
Bafejada pela sorte Publicado
“O amor me trouxe dor”, o que aconteceu em 2010, a sorte começou a bafejar a Tela Chicane. A artista tem participado em muitos projectos artísticos, como gravação de obra de sétima arte, ao mesmo tempo que, dinamiza um grupo de teatro, outro de dança tradicional que se focaliza para as craiçnas, bem como na produção de eventos, de estátuas humanas para festas. É nesta miscelânea de actividades artísticas e culturais que se amortece – em grande parte – a sua corrida para a publicação do primeiro volume de uma colectâneas de livros ainda sem título.
Passei a relacionar-me “um pouco mais com o pessoal ligado aos concursos internacionais de poesia. E, consequentemente, protelei o plano da publicação da minha obra para o próximo ano”, diz Tela que se refere ao Concurso Internacional de Literatura Nossid do qual, recentemente, teve uma menção.
A vocação da Tela para a literatura é algo umbilicalmente transmitido, pelo pai, Alexandre A. Chicane. Mas a escriba faz questão de recordar que “escrevo desde a infância. Mas só comecei a sistematizar os meus textos no ano 2000. No período anterior estava mais ocupada com a dança tradicional, mas quando parei de dançar descobri que podia escrever á sério. E, dois anos depois, comecei a publicar esta produção literária em programas de Rádio, Televisão, bem como em saraus culturais”.
Ainda que os seus textos – que reflectem sobre os temperamentos do amor, desamor, da traição, bem como de alguns comportamentos socais anómalos e desviantes – não tenham um público- alvo específico, “há um segmento social que têm-nos recebido melhor, as mulheres, o que é natural, sobretudo quando se recorda que é, em defesa delas, que se têm desdobram os seus discursos”.
Doente de/pela arte Como se pode perceber Tela Chicane é uma mulher das artes – é actriz de teatro e cinema, é dançarina, é escritora – como é possível conciliar múltiplas faces numa mesma pessoa? O segredo é um apenas vontade. Mas como melhor tem dito, para justifi car gula, “planta-se arte, rega-se com sonhos e colhe-se cultura”. Para mim, arte é um pouco de tudo. Tudo o que podemos fazer envolve alguma arte”.
“Estou extremante envolvida com a arte, de tal sorte que difi cilmente consigo deixar um dia passar sem que dela provasse. Então, eu vivo de arte e cultura! Quando era dançarina, me concentrava somente na dança. Era somente em relação à ela que tinha grandes ambições: queria ser a melhor bailarina; poder representar Moçambique nos certames internacionais de dança tradicional; E, consequentemente, quando – bruscamente – parei de dançar, quase que fi cava doente. Fiquei psicologicamente abalada”.
Em eterna descoberta
No entanto, depois de quase entrar em estado de coma com a interrupção da dança, Tela Chicane revela-nos que “a descoberta do dom da escrita foi como se de uma terapia se tratasse”. Mas mais adiante, “fui descobrindo que podia resgatar a dança de outra forma, ensinando àquela crianças que, ainda que tenham gosto por esta disciplina, não têm condições financeiras de se matricular numa escola de dança. Então, não podendo mais me apresentar em espectáculos passei a ensaia- -las na dança, mas também a fazer literatura”.
Alguns anos depois, “descobri que podia ser actriz e, como escrevo, rabisquei algumas peças de teatro. Criei a “Arte e Mais” que é um grupo de teatro que podia representar a história por mim escrita. Por essa via, entrei para o teatro, onde como actriz descobri imediatamente que podia transcender para o cinema.Quer dizer, eu só me descubro”.
No cinema, Tela conta já participou em um filme, “Alface e couve, a história de um puto batalhador”, sondo que presentemente participa em “Nas entrelinhas da vida” também da realização da realizadora moçambicana Natércia Chicane. E mais, “estou a descobrir-me em mais coisas. Penso que é esta disponibilidade e facilidade de me adequar em quaisquer situações me ajuda imenso. Por isso, caso surja mais alguma modalidade artística em que eu me possa descobrir partirei para lá”.
De acordo com Tela Chicane “trabalhar para Moçambique é sempre bom. Penso que o fi lme é, em grande medida, diferente dos já produzidos no país, na medida em que não se atêm a nenhum problema específi co da nossa sociedade. Mas a todos. Seus êxitos, fracassos. Ambição, moda, luxúria, quer dizer, a tudo o que já existe em Moçambique”.
Estátuas humanas, um projecto novo
Entretanto, enquanto algumas não mais colhem das novelas brasileiras do que mus exemplos que aperfeiçoam estratégias de crimes, de tráfi – co de drogas, marginalidade entre outros tópicos inviáveis também exibidos, Tela Chicane explorou de “Os Mutantes”, da Rede Record, inspiração para desenvolver uma iniciativa socialmente impactante. Trata-se de um projecto que passa pela criação de estátuas humanas, para festividades.
Não é para menos que a interlocutora afi rme que “vivo pensando como trazer algo novo, diferente para o “País da Marrabenta. Vi isso numa novela brasileira e gostei. No entanto, ainda não sabia como fazer. Certa vez, fui a África do Sul, em missão de serviço e, por lá conheci alguém que desenvolvia a mesma actividade”.
Curiosa como também ousada, “aproximei-me da pessoa e colhi a experiência que consiste na selecção exacta das tintas que devem ser dermatologicamente testadas para não criar irritações cutâneas. Recomendações sobre o tempo que se podia ficar com tinta na pele. E assim foi! Todo o dinheiro que recebera do trabalho foi investido para esse novo projecto. Actualmente, a iniciativa é um sucesso de maneira que temos tido eventos regularmente”.
Mas em que consiste o projecto das estátuas humanas?, questionámos à Tela que nos responde que “normalmente, utilizámos as estátuas humanas para, de uma maneira diferente, abrilhantar as festas. Ou seja, como um atractivo de eventos. Penso que em Moçambique sou a única que dinamiza a iniciativa. Se existir mais alguém, a desenvolver a mesma iniciativa, ainda não conheço”.
À luz da iniciativa, muito recentemente, “trabalhamos numa exposição de cerâmica e alumínio, em que instalamos algumas estátuas humanas pintadas de tinta de barro, às quais nenhum convidado descobriu que se tratava de um ser humano. Pareciam-lhe puros objectos de adorno, como um vazo, uma tela. Esse pormenor é que faz a diferença”.
As estátuas estão treinadas para ficarem estáticas. No entanto, quando a pessoa estiver em demasiada dúvida elas movem-se, com um pequeno gesto, piscar de olho, um sorriso, provando- lhe que, de facto, são seres humanos.
Melhorar a sociedade
Fazendo jus à celebração dos 124 anos da cidade de Maputo – que este ano se assinalam – questionámos à Tela sobre como Maputo apresenta-se- -lhe como cidade, mas também como sociedade.
Para si, Maputo melhorou bastantes, sobretudo em aspectos estruturais. Apesar de haver tantos outros por aprimorar. Não obstante, na componente social, “há muito por se aproveitar, sobretudo porque existem muitas pessoas com vontade de trabalhar, de fazer algo pelo país que podiam ser capitalizadas. Sucede porém é que se aproveita sempre as mesmas pessoas, em detrimento dos novos talentos que aparecer e se afirmar”.
Quisemos estabelecer esta compreensão com a sua obra. Pergunta se ela seria, assim por dizer, uma denúncia a tais problemas sociais, ou em certa medida haveria alguma sugestão para a sua resolução. A verdade é que a interlocutora assume que não seria necessariamente assim, denúncia, “mas uma mescla de poemas e de crónicas ou contos em que a história se aproxima mais ao romance, ao passo que a poesia conterá alguma crítica à sociedade em geral, mas particularmente destinada aos homens, sem descurar alguns textos para a criançada”.
Não encontro título para a obra
“Dizem que todo o artista tem algum defeito grave, o meu é esse – procurar tema para as minhas obras”, afirma Tela que não sabe como intitular a sua obra que, se tudo correr a conforme previsto, será publicado em 2012.
Aliás, o marasmo em encontrar o tema para os seus textos não é um problema menor. Recordo- -me que quando escreveu e encenou “O amor me trouxe dor”, só depois de na véspera da apresentação surgiu o título sob a sugestão do grupo. “A gravata”, outro texto que é um simples ataque aos homens sê-lo-ia assim, igualmente sob sugestão do público para quem declamara pela primeira vez há quase dez anos.
Coisas de mulher
Melhores colecções: Não tenho problemas, mas sofro de irritação de vista. Então, em certo final do ano – devido às mudanças de temperatura – brotou-me nos uma enorme camada de sujidade. Fui ao médico, que me aconselho a usar óculos de sol. Virou vício, sempre que vou a Shopping para comprar qualquer artigo volto com óculos.
Gestos, valores e oferendas: Considerando que nem todas as pessoas têm um forte poder aquisitivo de capitais, sempre que alguém me oferece algo, valorizo muito o gesto. Nele há muito mais valores envolvidos, “a avaliação sobre se eu podia gostar ou não do presente; a preocupação em e o tempo gasto para adquiri-lo; essa motivação de querer oferecer – tudo isso é muito mais importante”, diz dando a impressão de que as oferendas de que mais aprecia são flores.
Ritual para o reencontro egocêntrico. Digamos para me reencontrar ou reencontrar a minha paz interior ficou defronte do mar. É um ritual que infelizmente não consigo fazê-lo com frequência, mas sempre que posso saio muito cedo para a Baía de Maputo, converso comigo mesma. Não é algo não comum, mas me agrada.
Situações aborrecedoras: Detesto uma longa espera, como também detesto pessoas ingratas, mal-agradecidas. Não exijo que me “muito agradecido!”, mas que demonstrem a gratidão por acções. A ingratidão é algo que me atinge na espinha dorsal.