Durante vários anos, António Joana Cuambe, jovem artista moçambicano multitalentoso (é escritor, declamador, cultor das línguas Bantu e cantor) identificou-se com o nome de um líder histórico africano: Tckaka Zulu. No entanto, ao compreender que a sua arte – pelo menos os poemas que declama nos eventos culturais da cidade de Maputo – possui uma mensagem forte, quase autoritária, focalizando-se na necessidade de transformar as precariedades em que os Homens vivem, o artista percebeu que a sua obra se impõe do modo semelhante ao do rei da selva: o leão. Por essa razão, o declamador concluiu que o seu nome artístico devia ser Tchaka Ngonyama Ya Xithokozelo. É assim que, em cada actuação, se identifica. No entanto, nessa narrativa, há muitos aspectos envolvidos.
Presentemente, o artista de 27 anos de idade afirma que é residente do bairro da Mafalala, o mesmo em que tiveram origem grandes personalidades da cultura moçambicana – Samora Machel, José Craveirinha, Eusébio da Silva, Noémia de Sousa, por exemplo. “Tenho muito orgulho de estar a viver num bairro histórico da dimensão da Mafalala e, ao mesmo tempo, ter uma ampla sensibilidade em relação às artes”. A declamar ou a escrever, Mestre Tchaka faz o seu discurso como um verdadeiro leão no meio da selva. Ele não teme o “inimigo”. Luta com garra e determinação.
É por isso que, como um verdadeiro rei, nos seus escritos, nos apresenta o grito de Homens que – apesar de estarem inconformados com a realidade em que vivem – não têm espaço para manifestar o seu desfavor. De todos os modos, suplicam pela paz e pela harmonia social. Tchaka trava uma relação de aflição em relação ao seu sector de actividade – as artes. Diz que o mesmo está infestado de muita hipocrisia que o angustia. De todos os modos, e por porque onde há desvantagens também se produz a vantagem, o artista capitaliza esta realidade para dela sulcar alguma inspiração de que se fazem as suas obras.
É neste contexto de exclusão dos artistas que – pela primeira vez se querem revelar ao mundo – Tchaka expressa a sua insatisfação: “Há muito tráfico de influências”, diz explicando que os artistas são mais valorizados em função da amizade que têm com este ou aquele fulano, e não pela qualidade da sua produção. Ou seja, no campo do apoio à produção artística, por exemplo, os patrocinadores das actividades culturais nunca se aproximam para avaliar a qualidade dos trabalhos que se geram a fim de que os apoiem – ou não – em virtude do seu mérito ou demérito. Pura e simplesmente, “os empresários presumem que nós não temos nada por lhes oferecer e, não raras vezes, se não apoiam as mesmas pessoas, ignoram-nos”.
Atento e receoso em relação aos problemas que afligem o sector das letras em Moçambique, Tchaka afirma que muitos dos seus colegas acabaram por abandonar a arte por causa da rejeição de que foram vítimas e que é gerada por quem tem o direito de os apoiar. O que muito incomoda Mestre Tchaka – e os demais artistas da sua estirpe – é o suposto nepotismo que existe no sector das artes.
Um artista nato
Treinado pela sociedade que o viu nascer e crescer, António Cuambe acredita que o facto de ter nascido numa comunidade cheia de intelectuais, pessoas cujo génio e trabalho glorificaram o nome de Moçambique, além-fronteiras, enche-o de muita força e determinação com vista a trilhar o caminho por si escolhido – o das artes.
Sobre o seu envolvimento com a literatura, é preciso ter em conta que “a minha paixão pelo mundo das letras emerge quando percebi que no meu ego se manifestava uma grande vontade de reagir em relação aos vários temas sociais. Compreendi que era urgente realizar uma reacção, em forma de arte, que tenha por objectivo promover uma intervenção social com impacto na realidade que se deve transformar”.
Além do mais, “foi nessa tentativa de querer falar em nome dos oprimidos que comecei a envolver-me com o Rap que é uma ferramenta essencial para a dissolução de problemas na sociedade”. Alguns anos depois – entre 2002 e 2003 – Mestre Tchaka, sem abandonar o canto, o Rap, mas associando-o à nova forma de arte que descobria, começou a escrever com algum rigor nas (suas) línguas vernáculas e, ao mesmo tempo, a procurar materializar o seu objectivo: “Informar e ajudar o povo a ultrapassar as dificuldades com que se debate”.
Não obstante o facto de ser um artista em revelação, Mestre Tchaka expressa um grande orgulho da relação que trava com a arte – muito em particular quando considera que possui uma quantidade de admiradores que aumenta todos os dias – mas, acima de tudo, pelo facto de, no conjunto dos seus confrades, sobretudo aqueles com quem começou a jornada, se posicionar como um sobrevivente. Afinal, a maior parte dos seus amigos não suportou as adversidades que se enfrentam nas artes e desistiu.
“Eu faço parte do grupo de jovens que, durante o ano 2000, tentou entrar no mundo das letras e não foi bem-sucedido. No entanto, contrariamente a muitos deles, graças à minha teimosia, muita persistência e coragem de enfrentar a vida – como fazem os animais bravios – derrubando os obstáculos que se impunham, acabei por impor-me como artista. No entanto, para sublimar e valorizar a oratura, os nossos contos de tradição oral, acabei por me adoptar o nome artístico de Mestre Tchaka Ngonyama Ya Xithokozelo”, narra visivelmente orgulhoso.
O nome
Entretanto, mais do que um simples pseudónimo, de acordo com o artista, Mestre Tchaka Ngonyama Ya Xithokozelo revela e traduz o temor que se deve ter em relação a uma espécie de um rei que se sublima a dizer contos tradicionais. Trata-se do rei dos contos. Portanto, este nome resulta desta convicção de que o que o artista faz é algo peculiar a ele: “Por isso sou o leão da poesia”.
Além de apreciador, Tchaka é também um conservador das línguas nacionais – as quais explora para fazer a sua literatura. O Copi, o Ronga e o Xichangana são alguns exemplos dos idiomas do sul de Moçambique que o declamador utiliza. Mestre Tchaka possui uma grande familiaridade com as línguas do sul de Moçambique – facto que não somente enche de orgulho os seus próximos como também os seus fãs.
A língua, na sua percepção, é um dos principais elementos que o tornam diferente dos demais artistas. Nesse sentido, a sua aposta é aprender o maior número possível de idiomas moçambicanos e empregá-los na sua produção artística. E não lhe faltam argumentos: “Sinto que as pessoas se ‘esquivam’ dos idiomas nacionais”. Em contra-senso, “eu orgulho-me de usufruir das línguas Bantu na minha poesia”.
Projectos
Em relação ao campo dos projectos artísticos, Mestre Tchaka considera que sonha com a possibilidade de aprender a comunicar-se noutros idiomas bantus, a fim de utilizá-los na geração da sua literatura. No entanto, e mais importante, os outros planos (aqueles cuja materialização tem impacto efectivo na vida dos seus admiradores, pelo menos, sob o ponto de vista de consumo) como, por exemplo, a publicação de um livro ou a gravação de um trabalho discográfico, continuam reféns da boa vontade dos empresários e financiadores das actividades culturais.
“Ainda tenho muito que aprender. Enquanto isso, creio que só com um trabalho sério e com uma qualidade acentuada é que o empresariado pode sentir-se pressionado a apoiar a minha obra”. De uma ou de outra forma, presentemente, Mestre Tchakah encontra-se a preparar o seu primeiro livro que – espera-se – será acompanhado de um trabalho discográfico de recital de poesia.
As referidas obras, disco e livro, em que se utiliza a língua Xichangana, com tradução em português, será intitulada “Mabolela Ya Nkhantxu”, o que nas palavras do artista significa o fim da sua história de luta pela preservação e promoção das línguas nacionais, bem como do seu activismo como criador. Além de conter um conjunto de obras inéditas do autor, o livro de contos também irá revelar – em jeito de narrativa – as adversidades enfrentadas pelo artista ao longo do seu percurso.