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“O povo africano não foi feito para sofrer”

“O povo africano não foi feito para sofrer”

Os casos relacionados com os governantes africanos que, depois de alcançarem o poder, se esquecem de criar condições para o bem-estar do seu povo inspiraram o músico Carlitos Namakoto, ou simplesmente Namakoto como é tratado pela população de Nampula. O autor da música “Ohawa wa África” entende que os gestores dos sectores públicos ignoram as necessidades das comunidades e limitam-se a satisfazer os seus interesses pessoais, deixando o povo à sua própria sorte.

Namakoto afirmou que, quando os líderes políticos pretendem ascender ao poder, imploram o voto da população, porém, mais tarde, ela é desprezada e humilhada. Na sua música intitulada “Ohawa wa África”, o artista dá o exemplo de uma pessoa que promete ao seu amigo boleia na sua viatura para conhecer a cidade de Angoche, em Nampula. Volvidas algumas horas, o proprietário do veículo ignora a promessa, a necessidade do companheiro e decide viajar sem dar explicações. Neste contexto, o músico define a situação nos seguintes termos: “athu khanrera olossowelana”, que na língua local significa “há pessoas que gostam de humilhar as outras”.

O teor desta curta frase não difere do que acontece no nosso país e em África em geral, no que respeita ao comportamento dos líderes. Segundo Namakoto, esta é, diga-se de passagem, a característica comum dos dirigentes africanos. O artista diz ainda que, nos últimos tempos, dedica-se à criação de músicas que defendem o combate definitivo à pobreza, de modo a tirar a população do sofrimento em que vive há vários anos. E afirma que as acções em prol de um desenvolvimento do país e de África em geral deve ser a prioridade de todos. Namakoto conta que isso só será possível através de uma acção coordenada, envolvendo todas as forças vivas da sociedade.

“Ninguém pode enganar o outro. A planificação deve ser feita em conjunto, incluindo a sua implementação, facto que não se observa nos processos de governação devido à ignorância dos gestores públicos”, afirma, acrescentando que não se vislumbram sinais de desenvolvimento em África, pois as necessidades do povo são ignoradas e os cidadãos pacatos limitam-se a lamentar as condições de vida a que estão votadas. “Mas isso acontece por causa do nível de consciencialização sobre os direitos que a população tem como seres humanos e, ao mesmo tempo, contribuintes do Orçamento do Estado, através do imposto”, afirma.

A esperança é a última a morrer

Numa situação de desespero, a população não encontra alternativas para alterar o cenário, senão constatar que os dirigentes fazem e desfazem. Mas, o músico Namakoto defende que “a esperança é a última a morrer”, pois um dia Deus pode fazer valer a sua bondade e “libertar” aqueles que vivem na angústia e no sofrimento.

A título de exemplo, Carlitos Namakoto referiu-se à “independência do partido no poder” alcançada pelo povo de Nampula nas eleições autárquicas realizadas recentemente, em que a participação massiva dos jovens garantiu a vitória do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e do seu candidato, resultado que reflectiu a vontade dos eleitores expressa nas urnas.

Para Namakoto, o que aconteceu em Nampula devia ser exemplo para os dirigentes em relação à necessidade de respeitar os direitos do seu povo. Considera ainda que o povo não nasceu para sofrer e não pode continuar nessa condição. O desafio que, neste momento deve merecer prioridade, é o trabalho que garante a dignidade do ser humano, uma vez que as pessoas não devem permitir que alguns beneficiem de direitos resultantes do trabalho alheio.

Mesmo assim, o artista diz que as diferenças na estrutura social vão persistir. Tal situação deriva do facto de não haver uma distribuição equitativa dos recursos do país. Neste contexto, há quem trabalha arduamente para ganhar pouco e, diga-se de passagem, há pessoas que trabalham pouco tempo, porém, os seus rendimentos são elevados. E, no refrão da música, Namakoto questiona: “Será que o povo africano nasceu para sofrer ou trata-se de uma situação que nunca terá fim?”. E, mais adiante, conclui que tudo depende das políticas e vontade dos governantes.

Desenvolvimento sem efeitos na vida do povo

Sem querer ser pessimista, Namakoto afirma que o país e África no geral estão a registar um desenvolvimento assinalável. Entretanto, o crescimento da economia não tem efeitos na vida da população, sendo que há ainda grande número de famílias que continua a passar fome, sem habitação condigna, entre outras necessidades.

O músico salienta que, no caso de Moçambique e da província de Nampula em particular, a participação da população no processo de governação e gestão da coisa pública está muito aquém do desejado, facto que se deve à situação de falta de espaço para o efeito. O índice de analfabetismo é apontado pelo artista como principal entrave. Namakoto refere que os problemas de natureza diversa que são vividos pelo povo estão, em parte, relacionados com a má aplicação dos planos de actividade e o respectivo orçamento.

Uma referência em Nampula

Além de dançar e cantar, Namakoto diz-se apaixonado pela arte visual e pela escultura. Ele começou a envolver-se na música em 1987, altura em que integrou o grupo de dança do Museu Nacional de Etnologia de Nampula. Além de “Ohawa wa África”, Namakoto recorda-se de uma das suas composições que fez sucesso no passado, designadamente “Mwana Ammakhua”, que na língua local significa “O filho macua”.

O artista já passou por vários projectos, a maior parte deles ligada à arte. Em 1993, criou uma iniciativa de pesquisa cultural que, com o apoio financeiro dos governos dos Países Baixos e da Dinamarca, envolveu as províncias da região norte do país, nomeadamente Cabo delgado, Niassa e Nampula. O projecto permitiu a descoberta de novas modalidades de arte. Na altura em que a Casa Velha, com sede em Maputo, teve a iniciativa de instalar uma delegação em Nampula, Namakoto foi indicado para coordenar a instituição, a nível provincial, que, primeiramente, funcionou no Museu Nacional de Etnologia.

Através de fundos disponibilizados por parceiros nacionais e internacionais, a Casa Velha de Nampula iniciou um processo de capacitação destinada ao associativismo e à aprendizagem de técnicas artísticas. Trabalhou em 1997 no projecto da UNESCO, designado “Iniciativa Jovem” que tinha como objectivo apoiar os jovens daquela cidade com vista a prosseguirem os seus estudos.

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