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Tchaka artista ofuscado pela mediocridade

Mestre Tchaka: “Os idosos são a minha fonte de inspiração”

Quando à música a que se dedica é juntada a um videoclipe – com a particularidade de os textos serem declamados em xi-changana, a sua língua vernácula –, encontra-se em Mestre Tchaka um artista invulgar. Porém, o seu talento é ofuscado pela mediocridade reinante no mundo das artes.

De nome verdadeiro António Joana Cuambe, Mestre Tchaka teve passagens (memoráveis) pelo Desporto. Depois de praticar futebol e taekwondo, foi descoberto pelo conceituado pugilista moçambicano, Paulo Jorge, que o conduziu para o boxe. Nesta modalidade, a sua carreira desportiva atingiu o píncaro do sucesso em 2006, altura em que representa o país nos II Jogos da SADC, realizados em Windhoek, capital da Namíbia.

Apesar da veia desportiva, ao que tudo indica, é na arte que Mestre Tchaka quer encontrar o “buraco para a sua agulha”. Como tal, apresenta-se-nos como “um jovem com uma paixão inédita pelas artes”.

O seu desempenho nas artes cénicas, bem como os seus textos recitados, chamaram a nossa atenção no Programa Noite de Poesia realizado pelo/no Instituto Cultural Moçambique Alemanha – ICMA, em Maputo, onde o encontrámos.

Até porque, não ocasião, Tchaka impressionou não somente a equipa do @Verdade, como também, o Professor Doutor Nataniel Ngomani, Director da Escola de Comunicação e Arte (ECA, da UEM), que afi rmou:

“Acho fenomenal e bastante apaixonante que este jovem (numa situação em que mais de 90 porcento de jovens moçambicanos são incapazes de falar as suas línguas vernáculas) se tenha colocado o desafi o de produzir dois textos – pelo menos os que o ouvi a declamar – perfeitamente bem colocados, sob o ponto de vista da morfologia, da sintaxe, da semântica, de modo que eu e o Professor Orlando ficámos a delirar literalmente ao ouvir e visualizar na sua poesia imagens e metáforas”.

Oriundo do Chamanculo, na periferia da cidade de Maputo, um bairro em que a fronteira entre o mundo crime e o sucesso no desporto e nas artes é muito ténue, Tchaka optou por abraçar o talento. Ou seja, optou pelo desporto, primeiro, e pela arte, depois. É por essa razão que, localmente, personalidades como Paulo Jorge e Arnaldo Honwana – no desporto e Aniceto Guibiça, na música, são algumas das minhas grandes referências”, conta.

E mais, Mestre Tchaka, este jovem de 20 e poucos anos, encontra na literatura o alfobre de inspiração na arte. É como conta: “Sempre gostei de ler, de aprender. Tanto é que das leituras que tenho feito ganho inspiração para exteriorizar as minhas ideias no papel. E explorar a minha voz pelo recital e pela música”.

Oriundo de uma família pobre, na sua relação desportiva (1997 – 2006) é no pugilismo que Tchaka revelou talento para “bater” nos outros. No entanto, porque pela necessidade de sobreviver conciliava a escola, o desporto com alguns biscates para sustentaras outras actividades. Como tal, não tardou muito até que “ficou claro que não me valia nada continuar no boxe quando passava fome”, conta realçando: “O pugilismo é uma modalidade que exige muito investimento em alimentação”. Por isso, “acabei por desistir do desporto”.

Um artista controverso

Tchaka praticou boxe em clubes como “Carlitos Box International” (ora extinto) no “Clube Desportivo de Matchedje” e na fase derradeira da carreira militou no Clube Desportivo de Ferroviário. No entanto, quando o questionamos sobre a literatura, encontrámos um artista controverso.

Lê muito, e sobretudo, obras de ficção científica e romance, mas escreve poesia. Outro aspecto peculiar é que apesar de apreciar os textos de Mia Couto e de Calane da Silva que escrevem em português, (Tchaka escreve em xi-changana e) o seu autor predilecto, no país, é Porco Manhiça – autor da obra Nghozine.

E conta os seus motivos: “O autor impressiona-me porque escreve em xi-changana; retrata, na sua obra, aspectos endógenos da nossa cultura e tradição”.

É que “sinto a necessidade de preservar a nossa tradição, as nossas origens, de maneira que não percamos a nossa identidade. Sou da opinião de que antes desenvolver a arte em línguas estrangeiras temos de fazê-lo, primeiro, nas línguas vernáculas moçambicanas”, justifica-se, acrescentando que outro aspecto é que “além da Bíblia sagrada, ainda são muito poucos os livros escritos em línguas locais moçambicanas”.

“Nyandhayeho”

Presentemente com um videoclipe – Thimaka ta Preço – clamando por divulgação nas estações televisivas, sem êxito, é com a música Nyandhayeyo (o mesmo que socorro) que Mestre Tchaka, ainda na adolescência, engrena na carreira artística, em 2004.

Na altura, “participei no programa Hip Hop Time da Rádio Cidade. O tema era muito polémico porque a palavra significa socorro em português – o que para mim metaforizava o berro do povo moçambicano, contra a criminalidade e o custo de vida que se fazia sentir na época, mas que teima em prevalecer”.

Em parte, e de certa forma, “a música confortava o Governo. Por isso, passou recorrentes vezes na Rádio Cidade, de maneira que o apresentador do Hip Hop Time, Hélder Lionel, me convidou para gravar a música numa colectânea da PSI-Jeito”. Com 16 anos – na época – “não tinha muita visão na música razão pela qual não aproveitei a oportunidade”, lamenta.

Malditos “artecidas”

Ora, com um boom de artistas que surgem no dia-a-dia, o interlocutor afirma que a situação no mercado das artes está difícil. Muito em particular porque está infestado de artistas que, não tendo muita qualidade, servem-se do compadrio que têm para monopolizarem o espaço de antena. Outro aspecto que aponta é a ignorância que os apresentadores televisivos têm do seu papel de agentes culturais.

Tão-pouco “o objecto com o qual trabalham – a cultura”. Por isso, “sacrificam a arte por um suborno”. Porque a excepção confirma a regra, Tchaka afirma que o vídeo tem passado na Televisão de Moçambique no programa Cocktail Musical do Deny Ripanga, sendo que dos demais entertainers televisivos, até à publicação deste artigo, só recebeu um rotundo “não”.

De acordo com o nosso interlocutor, a tendência crescente para a promoção dos seus trabalhos musicais, deve-se a um cenário instalado – em regra – entre os nossos entertainers que devia ser excepção: “a corrupção”.

Nas suas palavras Tchaka conta: “A tendência para a divulgação do meu trabalho é de rejeição. Dizem que não paguei “caução”. Como tal, “esperam que eu lhes dê o vídeo com um valor para garantir a sua publicação. Mas eu não posso fazer isso, porque louvo o meu trabalho. Sei que ele tem qualidade. De maneira que não preciso de persuadir as pessoas com valores monetários que não possuo”.

Como consequência “não consigo viver da arte”. Pior ainda, “nos últimos anos tenho perdido forças para continuar a trabalhar. O que mais me preocupara é que a minha queda representa a queda de um artista moçambicano. E se isso acontecer, não sei qual será o futuro das nossas artes”, afirma.

Pela arte D´Alma

Além de fazer Teatro no Grupo de Teatro Nkulungwane no bairro de Maxaquene, Tchaka é militante da Arte D´Alma, um movimento cultural do ICMA, onde o conhecemos. É sobre este movimento que comenta: “sou um artista de referência, quase que obrigatória, porque sou o único que faz poesia em xi-changana e consigo comover o auditório. Até que Felling Capela – o represente do movimento – convidou-me a ingressar nas fileiras organização”.

A experiência é boa, diz, até porque foi no âmbito dos programas do ICMA que conheceu a Ella Raidel, uma moviemaker austríaca, que lhe propôs a gravação vídeo de recital de poesia.

Ora, “o trabalho com a Ella foi gratificante porque além da remuneração que tive, soube que muito recentemente, o nosso vídeo participou de concurso na Áustria e teve uma crítica favorável”. O que equivale a dizer que “o Mestre Tchaka pode não ser valorizado em Moçambique, mas internacionalmente tem uma outra dimensão”.

Antes, de terminar a conversa, António Joana (nado a 21 de Marco de 1987) associou o predicado “Tchaka” às intempéries por que tem passado para explicar:

“Tenho feito apologia para que nós os africanos não percamos as nossas raízes culturais, a identidade tradicional. Como tal, é em Tchaka que encontrei um forte nome para a minha identidade como artista. Afinal, depois de muitas batalhas no taekwondo, no boxe e no futebol ainda não caí. Isto faz com que o Mestre Tchaka seja um nome à minha medida”.

Declinou entre os novos talentos da literatura moçambicana, para se referir à Sangari Okapi do seguinte modo: “é minha referência, um artista que me conforta com a sua escrita. Incentiva- -me a trabalhar na/pela arte. Acredito que ele seja (para mim) um poço que da sua água eu tenha que beber”.

De qualquer modo, Tchaka não quis encerrar a conversa sem nos revelar o seu estado de espírito: “encontro- me num encruzilhado de questões sem respostas. Porque é que não se valoriza a aparição de novos talentos nas artes? Porque é que em Moçambique proliferam apresentadores de programas culturais que – não promovem a cultura – só se servem da mesma para retirar dividendos egoístas e de uma maneira ilícita? Eu estou quase saturado. E tenho uma lista de pessoas a quem eu chamo de artecidas, que são pessoas que não fazem nada pela arte. Só me falta uma oportunidade para divulgá-la na rádio ou na televisão”.

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