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Tal pai tal filho

Tal pai tal filho

Liberia

Chuky Taylor era um adolescente normal dos subúrbios da Florida – até ao dia em que se reencontrou com o pai, um dos piores ditadores de África.

Chuk Taylor estava de pé, com uma arma na mão, na garagem de uma vivenda nos arredores da capital da Libéria. No exterior, gotas de chuva cravejavam a estrada de terra vermelha lamacenta que ligava a Monróvia. Ao lado de Chuky encontravase Benjamim Yeaten, conhecido pela alcunha “50” entre a legião constituída por mercenários e pelo antigo exército de crianças-soldados que ele e Chuky comandavam. Na frente dos dois homens, aterrorizado e a sangrar, estava um estudante universitário acusado de colaborar com o exército rebelde que vinha abrir caminho na direcção da capital.

Estava-se em Julho de 2002 e a guerra civil alastravase pela Libéria há 13 anos, transformando uma das mais antigas democracias de África numa paisagem macabra. Milícias drogados ocupavam postos de controlo decorados com intestinos humanos e cabeças decepadas. Milhares de crianças eram forçadas a combater. As mulheres eram violadas e transformadas em escravas sexuais. Os inimigos eram esventrados, cozinhados e devorados. No total, mais de 600 mil liberianos foram assassinados, violados, torturados ou mutilados ao longo do conflito.

 

 

Chuk encontrava-se entre os homens mais temidos deste reino de terror que domina o país. Com apenas 25 anos, criou e assumiu o comando da Unidade Antiterrorista (UAT), a força de segurança pessoal do Presidente, motivo de tanto orgulho que Chuk tatuou no braço o símbolo da unidade – uma cobra – capelo sibilante e um escorpião. Na capital, torna-se uma figura aterrorizadora que fazia dispersar multidões quando percorria as ruas a alta velocidade, ao volante do seu Jipe Land Cruiser com a matrícula Demon (demónio). Quando aparecia em público, estava quase sempre vestido com um camuflado, de pistola de 9 mm à cintura e com charuto na mão. O rosto – de olhos negros, faces redondas e barba bem aparada – era de imediato reconhecido pelos liberianos que tinham suportado a longa guerra civil, não só por causa do homem com quem ele tanto se assemelhava: o pai, Charles Taylor, Presidente da Libéria, que tinha deixado a região em chamas com quatro guerras devastadoras ao longo de duas décadas.

Como filho do presidente, Chuk encontrava-se entre os líderes mais poderosos do exército do pai – mas nessa altura estava bem longe de casa. Apenas 10 anos antes, Chuk era adolescente que vivia com a mãe e com o padastro numa casa modesta, situada numa zona pobre de Orlando, a pouca distância da Disney World, na Flórida. Adorava hip-hop e ficava no quarto horas sem fim a dançar rap, a fazer girar os discos, a preparar-se para o dia em que iria entrar num estúdio e tornar-se uma estrela. Tal como a maior parte dos adolescentes americanos, Chuk não sabia nada sobre África.

Agora, de pé, na vivenda dos arredores de Monróvia, Chuk apontava a arma ao indefeso estudante universitário que tinha na sua frente. Queria informações. Os adversários do pai estavam a aproximar-se da capital e na iminência de derrubar o governo. Onde estavam os rebeldes? Quem é que lhes estava a fornecer as armas? Não havia nada que impedisse Chuk de utilizar todos os métodos de que se lembrase para extrair informações a alguém. Afinal de contas, ele era um cidadão norteamericano e filho do Presidente do país. Era intocável. “Estava totalmente acima da lei, protegido pelo pai e pelos seus homens de confiança”, conta David Crane, o promotor público fundador do Tribunal Especial para a Serra Leoa.

 

 

Chuk estava a ameaçar o estudante com a arma. Depois, ele e Yeaten começaram a torturar o homem. De acordo com a acusação judicial de 17 páginas, fornecida pelo Procuradoria do Estado de Miami, Yeaten queimou o estudante com um ferro em brasa e depois lançou-lhe para cima água a escaldar. Chuk infligiu, repetidamente, choques eléctricos nos genitais da vítima. Foi o tipo de interrogatório que aqueles que lhe eram mais próximos estavam habituados a vê-lo pôr em prática. “Chuk Taylor executou muitas pessoas”, conta o brigadeirogeneral John Tarnue, que serviu na UAT sob comando de Chuk.

Actualmente, enquanto o pai enfrenta um julgamento por crimes de guerra no Tribunal de Haia, Chuk está preso em Miami. O seu julgamento – o do primeiro cidadão na História dos Estados Unidos a ser condenado por crimes de tortura cometidos no estrangeiro – começou a três semanas.

A mãe de Chuk, Bernice Emmanuel, conheceu Charles Taylor em meados dos anos 70, no bairro de Dorchester, em Boston. Bernice apaixonou- se pelo jovem atraente, oriundo de uma família da elite liberiana.

Bernice e Charles acabaram por ir viver juntos. Pouco depois, nascia o primeiro filho, Michael, que morreu com apenas 7 meses, e uma filha, Zoe. A 12 de Fevereiro de 1977, Bernice deu à luz Chuk. Deram-lhe o nome de Charles McArthur Emmanuel. Os dois nunca casaram, mas viveram “juntos durante oito anos”, conta Bernice.

Fora de casa, Taylor levava uma paralela, divertindose e discutindo com outros activistas liberianos que viviam na Costa Leste. Em 1980, regressou à Libéria no preciso momento em que tinha tido lugar um golpe de Estado.

Bernice, então casou-se com outro homem, Roy Belfast, mudando-se com a família para uma casa na esquina de uma rua de Orlando. Chuk dormia num pequeno quarto, onde mal cabiam a cama e uma cómoda, mas onde conseguiu arranjar espaço para um gira-discos, um misturador e dois enormes altifalantes.

Na véspera do Natal de 1989, Charles Taylor ressurgia como líder revolucionário autoproclamado, invadindo a Libéria com um pequeno bando de guerrilheiros.

Meses depois, Taylor começou a telefonar com regularidade, acabando por convidar a família a ir ter com ele. Em Junho de 1990, Chuk viajou para Libéria, onde, quase uma década mais tarde, ele, a mãe e a irmã se reconciliaram com o pai.

A família chegou a Gbarga, uma pequena cidade do Interior da Libéria. No início, o jovem de Orlando teve dificuldade em compreender que aquele impressionante senhor da guerra africano fosse seu pai. Taylor vivia rodeado de soldados da sua Frente Patriótica Nacional da Libéria (FPNL), a maioria dos quais entravam em combate numa espécie de paródia burlesca macabra, frequentemente travestidos com cabeleiras e roupa de mulher e usando amuletos que, acreditavam, os tornavam imunes às balas.

Depois do reencontro com o pai, na Libéria, Chuk regressou a casa alterado. Estava agressivo, começou a beber, a fumar haxixe e a andar armado.

Lynn Henderson, a namorada dos tempos do liceu, recorda-se dele como tendo um “olhar maléfico” e “assustador”, mesmo quando ainda era adolescente.

Com 16 anos, a 25 de Fevereiro de 1994, Chuk foi acusado de quatro crimes, arriscando uma pena de três anos de cadeia. A mãe telefonou a Taylor e disse-lhe: “Fiquei com ele até aos 17 anos, agora é a tua vez.”

Quando chegou à Libéria, a guerra civil tinha-se diluído numa meia dúzia de facções étnicas em conflito, das quais a NPFL de Taylor continuava a ser a mais poderosa.

Com 23 anos, Chuk montou um centro de treinos para a UAT em Gbatala, uma pequena cidade que ficava a várias horas de Monróvia, conhecida por Base – um dos lugares mais temidos da Libéria. Depois envolveu-se no tráfico de pedras preciosas e de armas e, em 2000, o seu nome é encontrado em documentos na posse de um famoso traficante de armas.

Nas ruas de Monróvia, todos os liberianos ainda recordam o famoso episódio em que Chuk assassinou o próprio motorista, um homem chamado Isaac Gono, porque este tinha batido num cão e amolgado o seu BMW.

Taylor pode ter tolerado, e até mesmo encorajado, alguns abusos cometidos por Chuk contra civis indefesos e contra os seus inimigos, mas não concebia o assassinato gratuito de um oficial da UAT. Pouco depois da morte de Gono, Taylor demitiu-o do cargo de comandante.

No verão de 2003, a Libéria viu-se mergulhada numa batalha feroz que ficou conhecida, localmente, por Terceira Guerra Mundial. Os combates foram violentos, mesmo para os padrões liberianos, e, no dia 18 de Julho de 2003, Chuk fugiu do país. Um mês depois, o pai demitiu-se e exilou-se em Calabar, na Nigéria.

Em Março de 2006, quando as autoridades nigerianas prenderam Taylor para o extraditarem para Haia, Chuk embarcou num avião com destino a Miami. À chegada, agentes dos serviços de imigração entraram a bordo e detiveram-no. O governo norte-americano não autoriza que lhe seja feita uma entevista cara a cara.

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