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Tabu impõe barreiras mas não triunfa

O coreógrafo moçambicano, Macário Tomé, começou a bailar nos anos em que, na cidade de Maputo, reinava o tabu de que a dança era tarefa exclusiva de mulheres. O preconceito podia ter mutilado uma carreira brilhante – o que não aconteceu. Em Fevereiro, o artista criou o Ele-Ela, uma coreografia sobre as identidades sexuais. Em Agosto, a obra, que já tem novos aportes, será reposta, desta vez – espera-se – para colocar em causa o “status quo” de alguns moçambicanos.

Os saudosistas dos anos 1980/90 dizem que, nessa altura, se vivia uma época de grande dinâmica de produção, exposição e consumo de obras e manifestações culturais no país. Quando Macário Tomé, de 32 anos de idade, tinha oito ou nove, entre 1988 e 1989, realizou-se na cidade de Maputo um festival cultural na zona militar do Bairro Sommerschield, onde vivia, com a participação de grupos de dança Nyau e Mapiko.

“Quando vi alguns artistas mascarados, a dançar, fiquei assustado, no entanto, gostava de vê-los. Dois anos depois, por intermédio de um vizinho que me incentivou a criar um grupo musical, tive a oportunidade de passar pelo programa Pirlim Pim Pim – de Didinho Caetano – na Televisão Experimental, actual Televisão de Moçambique”, recorda-se.

Na infância, o bailarino também foi escuteiro, mas, no bailado, a sua carreira teve início em 1996, quando participa numa formação de bailado tradicional sob orientação da UNESCO. Depois, entre 1999 e 2003, Macário fez outra formação na dança contemporânea e balé.

É a par disso que que se esboça este comentário: “O início da minha carreira foi muito difícil porque, apesar de que na altura já tinha uma formação profissional, vivemos numa sociedade em que há muitas barreiras – contra as quais somos obrigados a lutar – para o desenvolvimento artístico. De qualquer modo, acredito que quem corre com prazer e gosto não se cansa”.

Além do mais, “a dança sempre me proporcionou bem-estar. Por isso, assumindo que, continuamente, teremos dificuldades, percebo que nunca abandonarei o baile. Em cada ano que passa criam-se projectos novos e aparecem desafios que devem ser superados”.

Superar barreiras

Em resultado das percepções preconceituosas que existem, a decisão de seguir uma carreira artística é algo sério no país. Macário teve a feliz sorte de não ter sido questionado no seio familiar.

“Os meus pais sempre me deixaram fazer o que eu pensava que fosse melhor para mim. Isso foi bom. Afinal, ainda que não percebessem o que eu fazia, apoiavam-me. Hoje, felizmente, já percebem muito bem o percurso que realizei e continuam a estimular-me”. Se é que se pode falar sobre dificuldades em torno das actividades artístico-culturais – naqueles anos de 1980/90 –, na dança, o que elas significavam?

Macário Tomé, o autor da coreografia “Porque me abandonas”, a segunda classificada no concurso “Pós-amatodos” promovido pelo Governo norte-americano, recorda-se de que “naqueles anos, havia em Moçambique um tabu segundo o qual quem dançava era mulher. Isso constituiu uma dificuldade enorme em que as pessoas tinham de enfrentar a sociedade e dizerem que eram bailarinos, correndo o risco de passarem por uma série de conotações pejorativas”.

No entanto, “como além de dança eu praticava várias modalidades desportivas, fazia um casamento entre o baile, o karaté, o basquetebol e o andebol, de tal modo que as pessoas não tinham como afirmar que eu era um maricas. Penso que o apoio dos meus familiares, que nunca faltou, foi fundamental”.

Carreira a solo

Muitos anos depois de ter trabalhado em projectos de colaboração e formação nas áreas de coreografia, interpretação e produção coreográfica, Macário Tomé decide seguir uma carreira a solo.

“Percebi que havia necessidade de aprender novas técnicas de dança, por isso, comecei a participar em ‘workshops’ que aconteciam no país até que, em 2001, me integrei no ‘Projecto Alma Txina’ que era um laboratório protagonizado por artistas moçambicanos em torno de danças tradicionais e outras”.

Macário Tomé narra que, na iniciativa em alusão, participaram cerca de 300 alunos de que se apuraram 15 com base nos quais se criaram coreografias em forma de solos, duetos e trios. O ponto mais alto da iniciativa foi a realização de uma digressão pela Europa.

Terminada a iniciativa, houve necessidade de se dar um encaminhamento contínuo aos 15 profissionais recém-formados. Assim, a CulturArte criou uma formação internacional, em módulos, que durou dois anos, para ministrar matérias de natureza técnica, coreográfica e performativa.

Memórias do Zoo

De uma ou de outra forma, ao longo do seu percurso, Macário conservou na sua mente retratos de um passado inolvidável. “Quando entrei no grupo da UNESCO – ensaiávamos na Escola Secundária Josina Machel – realizámos o primeiro ‘show’ no Teatro Avenida, mas, no mesmo ano, apresentámos uma coreografia perante Graça Machel e Brazão Mazula que eram membros do UNESCO. A experiência é inesquecível”.

Por exemplo, o Jardim Zoológico – um dos espaços em que o artista fez as primeiras apresentações, ainda na infância – tem um lugar especial na sua memória. Trata-se da satisfação e da alegria de estar a apresentar ou a ver outros artistas a fazer arte.

Por exemplo, “quando eu vejo concertos fico feliz com a actuação dos meus confrades, da mesma forma que quando actuo tenho a satisfação de apresentar algo que – por ter sido investigado, pensado, coreografado e tendo levado tempo para chegar à maturidade – deve ser valorizado”.

Consolidar o movimento

Em Maputo, projectos que fortificam o movimento da dança contemporânea como, por exemplo, a bienal da Plataforma Internacional de Dança Contemporânea – Kinani, a Semana da Dança, o Laboratório da Dança, entre outras iniciativas pontuais, criam uma grande dinâmica no sector. Seriam estas condições suficientes para se afirmar que tal movimentação está consolidada?

O comentário de Macário, que lamenta o facto de haver situações que desagradando certos colegas fazem-nos optar por outras carreiras profissionais, abandonando a dança, é afirmativo. “Já temos, na cidade de Maputo, um movimento consolidado de dança contemporânea”.

Por exemplo, neste momento há moçambicanos que estão no estrangeiro a fazer digressões e a trabalhar com grandes companhias do mundo. “O Panaibra Canda está a fazer uma digressão que começou em Janeiro e que provavelmente só termina em 2014. Isso significa que há uma consolidação da dança contemporânea moçambicana no mundo”.

Além do mais, existe o movimento de dança contemporânea Arte na Rua – de que Macário é membro – que promove a criação de um novo público, realizando pesquisas em espaços abertos, em que os artistas se encontram, aportam novas ideias, desenvolvendo-as perante as pessoas que não têm acesso aos teatros para ver obras de arte. Então, é isso o que estimula todos nós, os artistas de companhias diferentes, que conseguimos estar juntos no mesmo espaço sem conflitos”.

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