Como forma de sobrevivência, José Mangue, de 40 anos de idade, ganha a vida desenvolvendo a arte da cerâmica há 15 anos. Por mês, em média, ele amealha pouco menos de um salário mínimo devido à inexistência de mercado para os seus produtos.
Na falta de um emprego, milhares de moçambicanos não se vergam perante as dificuldades da vida. Uns sem escolaridade e outros com um bocado de sorte encontram formas alternativas de ganhar o sustento diário para si e os seus dependentes. O auto-emprego tem sido a solução para alguns dessas famílias, regra geral, compostas por cinco pessoas.
José Humberto Mangue tem 40 anos de idade, 15 dos quais dedicados à escultura e à cerâmica. Graças a esta actividade artística garante o sustento diário da sua família. Ele, diga-se, vive maritalmente e da união resultaram quatro rebentos. Reside no município da Matola.
No mundo da escultura e da cerâmica, José Mangue é conhecido por Zezito. Mas a sua história nestas actividades começa quando decidiu seguir as pegadas do seu tio. Isso lá para as bandas do bairro Zona Verde onde tudo começou. Um belo dia, quando regressa à casa, no bairro de Infulene, depois de uma jornada de trabalho, conheceu Rui Xiconela, que viria a ser o seu melhor amigo.
“Com o meu falecido amigo Rui aprendi muita coisa na cerâmica e na escultura. No bairro éramos apenas nós os dois que desenvolvíamos esta actividade”, conta.
Por volta dos anos ‘97 e ‘99, Zezito apenas esculpia e talhava malas. Em 2000, decidiu ampliar o horizonte da sua actividade, passando a produzir obras de artesanato e cerâmica.
Presentemente, os seus trabalhos encontram- se expostos (à venda) em algumas galerias espalhadas pela cidade de Maputo e na feira 25 de Junho. Refira-se que comercializa apenas as obras aos sábados e, durante o resto dos dias, dedica-se à produção.
Ser refém da sombra
Sem uma oficina propriamente dita para desenvolver a sua actividade, Zezito socorre-se da sombra das árvores no seu quintal para trabalhar, de domingo a sexta-feira.
“Tenho de seguir a sombra, vou para onde ela vai. Nos dias de chuva, as coisas ficam um pouco mais complicadas e, para não parar com a minha produção, recorro à varanda”, diz.
Mangue produz objectos ou animais e retratos de seres humanos. Reproduz a realidade do quotidiano de um povo. Através do barro, este que é a principal matéria-prima para a produção das obras de cerâmica, expressa a sua criatividade retratando o que há de mais belo na sociedade.
Mas nem tudo é um mar de rosas, a começar pela própria profissão. Por falta de um espaço e instrumentos de trabalho, Zezito vê a sua actividade a definhar, pois a oficina da Cerâmica de Maputo ainda está em reabilitação, e ele e outros quatro colegas de profissão sentem-se privados de ganhar o pão de cada dia. No quintal de casa, improvisou um pequeno forno a lenha onde faz a chacotagem ou queima das obras.
Zezito Mangue atravessa uma série de dificuldades que vão desde a falta de oficina de cerâmica para desenvolver as suas actividades, passando pela aquisição de barro e o seu respectivo transporte, até a compra de lenha para a queima do barro no forno.
Falta de mercado
Há 15 anos a esculpir e fazendo obras de cerâmica, Zezito afirma que os produtos do seu trabalho não têm mercado em Moçambique. Por um lado, poucas são as empresas vocacionadas para o artesanato e, por outro, não há cultura por parte dos moçambicanos de aquisição desse tipo de obras.
“Infelizmente, as pessoas, muitos compatriotas nossos, não dão valor ao nosso trabalho e pensam que se trata de falta de tempo. Quando estipulamos um determinado preço, pedem descontos de forma exagerada, de tal maneira que nós, os vendedores, ficamos prejudicados”, lamenta.
Apesar da forma depreciativa como alguns moçambicanos olham para as obras de artesanato, José Mangue afirma que “dá para viver” da actividade, embora à rasca.
“Os turistas são os que mais nos encorajam. Por mais que eles não comprem as nossas obras, mostram reconhecimento e consideração pelo que fazemos”, congratula-se.
Obras que atravessam fronteiras
Zezito Mangue considera que o mercado local consome pouco ou quase nada das suas obras e, entretanto, entrar noutros mercados pode ser uma solução para os problemas que a actividade atravessa no país.
Há sensivelmente dois anos, ele mantém uma parceria com um galerista espanhola, que anualmente encomenda alguns trabalhos seus para posterior comercialização na Espanha. Além desse país europeu, as suas obras são vendidas na vizinha África do Sul.
Impor-se no mundo da escultura e cerâmica é o principal objectivo deste trabalhador por conta própria. E o seu principal foco é conquistar os países europeus.
Polícia camarária, o carrasco
A praça 25 de Junho, na baixa da cidade de Maputo, é onde, todos os sábados, Zezito vende as suas obras, expostas ao ar livre. Centenas de vendedores (artistas) acorrem àquele espaço para comercializarem aquilo que é o fruto das suas mãos.
Pela ocupação do espaço, a Polícia Municipal cobra por metro quadrado 10 meticais por dia. “Como eu ocupo três metros quadrados, tenho de pagar uma taxa diária de 30 meticais.
Apesar de ser um lugar sem as mínimas condições, o município só se limita a cobrar dinheiro e em algumas vezes os agentes ameaçam confiscar as nossas obras, alegadamente por ser um lugar impróprio para vender.
No entanto, não param de cobrar as taxas pela ocupação do espaço”, diz visivelmente agastado com o comportamento das autoridades.
O momento da queima é o mais temido pelos artistas
No processo de produção das obras de cerâmica, a fase mais difícil e a mais temida pelos ceramistas, segundo José Mangue, é a de chacotagem ou queima das obras.
“Os artistas têm de estar atentos à subida ou aumento da temperatura. Se, dentro do forno, for excedida a temperatura, a obra pode estragar- se e, não há nada pior do que perdê-la no fim do processo” conta para depois acrescentar que o controlo dos fornos a lenha revela-se mais complicado, pois a pessoa tem de fazer uma estimativa do tempo de duração.
“A diferença que existe entre tantos outros artistas ceramistas e eu é que sei usar o forno a lenha, consigo ver quantos graus de temperatura são necessários para uma obra ficar bem cozida no forno”, afirma.
A temperatura necessária para que uma obra de cerâmica composta de barro saia bem queimada é de pouco mais de 750 graus centígrados.
Se no processo de queima do barro não se obedecer à temperatura necessária, quer seja superior ou inferior à média, o objecto sairá com muitos defeitos e, sendo assim, já não pode ser comercializado.