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Escrutínio Escolar d´@Verdade: Minha Ximeliani

No jardim. Sentei-me na bancada. Curvei a coluna. Apoiei a cabeça com as mãos no queixo enquanto os cotovelos pousavam nos joelhos. Ganhei a forma de banana. – Será que vem? – perguntei-me. Consultei as horas. Duas passavam da combinada.

“Neste momento não é possível estabelecer a ligação que deseja. Por favor, ligue mais tarde”, disse, profissionalmente, uma funcionária da companhia de telefonia. A noite surpreendeu-me. Ximeliani não apereceu. O sol do meu íntimo apagava-se. O coração ardia. A alma chorava.

– Minha Ximeliani! – disse eu, incapaz de conter a emoção diante daquela que esperei horas a fio. Ximeliani aproximou-se e, sem verbo, desculpou-se pelo atraso. Tocou-me com os lábios leves, adornados de batom. Senti-me a flutuar como uma alga nas ondas. A nadar com destreza como um golfinho. A voar com ginga como uma águia. Uf! Depois do beijo senti-me regenerado.

– Vou conhecer a tua casa hoje – disse Ximeliani guiando-me com a mão até a saída do jardim. – Será este o dia dos sonhos? – perguntei-me em pensamentos se seria aquele o dia que me fora prometido pela esperança que tive. O dia em que Ximeliani apareceria como um presente divino. Como um estalo de rosas. Certamente que nesse dia me abriria as portas do seu corpo.

No chapa. Contei cuidadosamente os centavos enquanto Ximeliani vigiava, com olhar roubado, a carteira que vomitava as moedas. Talvez se desapontasse por não ver notas. Paguei ao cobrador. Descemos do chapa. Deixámo-nos engolir pelos caminhos arenosos do subúrbio. – Podemos entrar – disse eu quando curvámos a vedação espinhosa do quintal.

– É aqui? – perguntou Ximeliani com desdém, virando os lábios, o de cima para o lado direito e o debaixo para o esquerdo, quase deformando a boca. Parada, comigo, na entrada, deixou os olhos passiarem a vigiar o quintal. Fez o censo do património. Pobreza é o que viu. – Já conheço a tua casa. Passo a visitar-te – disse ela em jeito de suspiro.

– Não vais entrar? – perguntei.

– Não. Já devia estar em casa a esta hora. – Exibiu-me as costas. Desapareceu.

Dias. Semanas. Meses. Nada de visita da Ximeliani. Com a mente a fantasiar a sua presença, ouvia música. Parecia que Ximeliani é que interpretava o título “Penso em teu nome” da Bela Flor, aquela cantora moçambicana, macua, que esta geração desconhece por excesso de pandza e dzukuta entre outros estilos musicais ainda em improviso. Lia um livro. Mais fantasticamente ainda, a Ximeliani surgia. Dançava-me marrabenta nos parágrafos. Sorria em cada letra do livro “Balada de amor ao vento” da Paulina Chiziane.

Soube, anos depois, que Ximeliani era donzelinha do empresário português, Rodrigues de Sousa, que cá viera em busca de oportunidades de negócio. Mesmo assim, eu esperava pela Ximeliani com muita paciência. Aprendera com a vida que a paciência não decepcionava ninguém.

O tempo havia-me curado da paixão doentia pela Ximeliani quando uma mulher aparentemente velha, dirigindo a caminhada de um grupo de meninos mestiços me parou no meu caminho ao trabalho. – Bom dia – disse a mulher, reduzindo os passos até ganhar a pausa. Estudei-lhe a aparência até reconhecer a jovem Ximeliani naquele rosto de vovó.

– Ximeliani! – suspirei como naquele encontro no jardim.

– Sou eu – respondeu com um sorriso mecânico.

– E esses mulatinhos?

– São meus filhos. Aquele tuga lixou-me com isto tudo e foi para Lisboa. Não serás a minha salvação?

Em resposta, exibi-lhe as costas como ela fez um dia à entrada do meu quintal.

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