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“Sua Excelência é o verdadeiro ladrão” João Fornasini

“Sua Excelência é o verdadeiro ladrão” João Fornasini

Nas artes plásticas – e talvez noutras áreas cujos dons são potenciais – ele possui uma sensibilidade profética. Até quase gótica. É uma prova exacta de que a criatividade (artística) não tem nenhuma relação directa com o ensino secular – com o qual, muito cedo, se aborreceu. Tem uma opinião particular sobre a guerra no país, a não declarada: “Quem irá sofrer é a carne para o canhão, o povo”. No entanto, embora, sobre esse assunto bélico ou político, pense que se deve gerar arte, trava uma relação de amor e ódio com a ideia, afinal, “na arte deve-se encontrar a paz”. Com os seus argumentos, até certo ponto válidos, reprova a actuação de Armando Artur João, o ministro da Cultura, em relação às artes plásticas. Membro da histórica tribo Fornasini, a primeira de origem italiana em Moçambique, o seu nome é João. Fomos conhecê-lo…

@Verdade: Como é que a sua relação com a pintura começa?

João Fornasini: A minha inclinação em relação às artes começa, muito cedo, a revelar-se na escola, na altura em que frequentava as classes iniciais – terceira e quarta. Comecei por ser o melhor aluno, nas aulas de desenho. Na minha casa, eu tinha o hábito de organizar bem os meus cadernos a partir da capa até a contracapa. De todos os modos, não estudei muito. Fui expulso da escola três vezes por indisciplina. Em resultado disso, comecei a trabalhar muito cedo. Aos 15 anos, ingressei na escola de desenho dos Caminhos-de-Ferro de Moçambique a usar máquinas, porque o meu envolvimento com o desenho fez com que eu começasse a criar imagens de máquinas – motos e carros – que, na época, não existiam.

Começaram a aparecer muito mais tarde. Em 1987, já numa época em que a minha técnica de desenho estava amadurecida, criei modelos de carros que só agora é que estão a aparecer. Nessa época eu já fazia esses desenhos de forma muito séria usando a régua, o esquadro e o compasso. No entanto, já quando era a altura de estudar o Desenho de Máquinas, exigiram-me que tivesse feito o 11º ou o 12º ano de escolaridade. Mas, infelizmente, eu e a escola nunca nos entendemos.

Por isso, e porque tinha boas notas, fiz um teste de desenho de máquinas (com um tractor de marca Ferguson) a fim de entrar no Entreposto, onde – mesmo sem ter conhecimento muito específico sobre a referida área – fui admitido. Mais adiante dediquei-me ao desenho publicitário. Trabalhava no edifício onde, actualmente, funciona o Ministério dos Transportes e Comunicações. O meu professor de desenho, no curso nocturno, que era chefe da Direcção Nacional dos Transportes e Comunicações, é que me colocou no referido sector.

Aliás, essa instituição ficou conhecida assim até a queda do avião de Mbuzine que vitimou o Presidente Samora Machel. Nesse mesmo tempo, o actual Presidente de Moçambique, Armando Emílio Guebuza – o engenheiro Luís Maria Alcântara Santos havia sido o anterior dirigente do pelouro – passou a dirigir aquela instituição. Recordo-me de que, enquanto eu estava no Ministério dos Transportes e Comunicações, nas cerimónias do 1º de Maio, o Dia Internacional do Trabalhador, o nosso carro alegórico sempre se sagrava vencedor, entre mais de 100 empresas e instituições.

De todos os modos, houve uma fase em que me zanguei com o Ministério dos Transportes na medida em que – por falta de escolaridade, não obstante a qualidade do meu trabalho – não queria aumentar o meu ordenado. A partir daí, fiz uma birra e abandonei a instituição. Passei a trabalhar para a Orguil, Organizações Guimarães, uma empresa de comunicação ligada à área da publicidade que já não existe. Na altura situava-se perto da Associação dos Músicos Moçambicanos.

Nessa empresa, também aprendi muito. Além do mais, eu mantinha uma relação muito saudável com os seus proprietários até antes da data em que pedi o aumento de salário, uma situação que, pela mesma falta de habilitações literárias, fez com que me complicassem. Algum tempo depois, já passava um ano, retornei ao Ministério dos Transportes e Comunicações a fim de buscar a minha carta de despedimento e encontrei-me com Isaías de Abreu Muhate, na altura, o vice-ministro do pelouro. Ele disse-me que ninguém iria dar-me o documento porque, no seu entender, eu devia voltar ao Ministério.

@Verdade: Quando é que ocorre a sua primeira mostra individual?

João Fornasini: A minha primeira exposição individual foi realizada em 1985, um ano antes da morte de Samora Machel. Sou da mesma época que o nosso actor cómico, Mário Mabjaia. Quando exibi as minhas obras, na Associação Cultural Casa Velha, ele estava a estrear a sua peça teatral intitulada Quem Me Dera Ser Onda. A partir daí, nunca mais parei de me dedicar às artes.

@Verdade: Como é que se explica esta sua sensibilidade artística, até certo ponto profética, no que se refere à criação de viaturas que, nessa altura, não existiam?

João Fornasini: Sempre fui fascinado pelas tecnologias e pela modernidade – carros e motos – porque na minha infância, estamos a falar do tempo colonial, tinha muitos brinquedos comprados aqui, sobretudo na Casa Vilaça. Recordo-me de que, uma vez, eu e o meu irmão mais velho, Carlos Fornasini, levámos porrada do meu pai, porque ele havia cortado o cabo da vassoura para fazer um avião de guerra. O incrível é que, ainda que não entendêssemos nada de matemática, de cálculos e de aerodinâmica, fazíamos trabalhos (ou brinquedos) fora do comum. Eu penso que isso só pode ser um dom.

@Verdade: Qual é que era o contexto sociopolítico do país, na altura em que inicia a sua relação com as artes, e como é que a sociedade olhava para este sector de criação?

João Fornasini: Começo a envolver-me com as artes no tempo do Presidente Samora Machel. Nessa altura a nossa sociedade era muito unida. Mais séria. Não havia tanta malandragem como acontece actualmente. E já existiam os artistas mais velhos como, por exemplo, Malangatana e Naguib. Tudo era mais fácil porque a sociedade era mais regrada em todos os aspectos. Agora tudo tornou-se muito difícil. Quem é que compra as obras de arte em Moçambique? São os estrangeiros. Nos dias que correm, é difícil encontrar um moçambicano a comprar obras de arte. E não é por falta de dinheiro. Há moçambicanos com muito dinheiro e com muitas casas, mas nem por isso compram a arte.

@Verdade: Como é que se “diluiu” esta sensibilidade social em relação à necessidade de se consumir os produtos artísticos?

João Fornasini: O moçambicano tornou-se consumista: “se o vizinho tem, eu também tenho”. Por exemplo, se você é pai é normal que o seu filho lhe diga que o fulano tem sapatilhas novas, eu também quero. Penso que é por aí que temos de começar a limar os gostos dos nossos filhos para que quando forem crescidos possam ter consciência daquilo que realmente necessitam. Porque hoje é assim: Tu tens um carro? Eu também tenho. E a arte onde é que fica?

Porque é que não se diz: eu tenho um quadro novo do artista X? Porque não se gera um debate sobre o acesso às obras de arte? Isto já não existe. Mas em relação às sapatilhas – todos nós queremos ter, porque isso tem a ver com a necessidade do exibicionismo. Por causa do exibicionismo, também cresce em Maputo uma tendência de pessoas que possuem carros muito bonitos e de alto custo que não combinam com as casas onde vivem. Quando se está dentro da viatura, todas as pessoas nos vêem. Mas já dentro da nossa casa, só somos vistos por quem está naquele espaço restrito.

@Verdade: Terá sido nessa época que se definiu o seu conceito de arte?

João Fornasini: A arte serve para que eu possa mostrar a minha forma de pensar. Se for a ver os meus temas, perceberá que há uma preocupação em criticar a relação entre os seres humanos e o planeta. O Homem é o animal mais hipócrita que existe. Por isso, é comum que ele diga: “vamos combater a droga”, no entanto, o estupefaciente não pára de passar pelo nosso aeroporto. Se tu fores à Zona Militar, a chamada Colômbia, irás consumir tudo o que quiseres – cocaína, heroína e craque, por exemplo.

A droga está espalhada por toda a nossa cidade. Das drogas de consumo legal, a nossa juventude não somente se degrada ingerindo bebidas alcoólicas como a Tentação, o “Duplo Punch”, o “Boss” como também com todas as demais narcóticas ilícitas, incluindo, agora – como se não fosse suficiente – a guerra. Por isso, eu falo sobre a hipocrisia da humanidade, em (quase) todos os campos. A gente diz que os ladrões de marfim foram presos ou assassinados, mas quem compra o marfim? O que é que acontece com essas pessoas? Na China continuam as matanças de tubarões – pura e simplesmente – para se servir as suas barbatanas nos restaurantes de luxo.

O que é que acontece com os proprietários dessas empresas? No entanto, quando o pobre abate um tubarão – não para comprar um carro novo ou construir uma casa com piscina – a fim de sustentar a sua família, sempre experimenta a situação do velho ditado: a corda sempre arrebenta pelo lado mais fraco. O mundo é assim – porco e injusto porque quem faz a lei é quem pratica os piores crimes.

@Verdade: Considero-o um artista crítico que explora todos os campos passíveis de se transmitir a mensagem. Sente algum feedback desse trabalho?

João Fornasini: Não sou dos artistas que vende muito, não obstante concordar com o facto de que os meus quadros não falam de coisas muito bonitas. O que se comercializa mais em Maputo são quadros bonitos, aqueles que ficam bem numa sala, ou simplesmente a arte decorativa. Agora, existe um tipo de arte em que o quadro, quando apreciado, gera uma grande discussão na sociedade. Mas isso é para as sociedades preparadas para o efeito. Ou seja, voltámos àquela situação inicial: nós, em Moçambique, trocámos uma casa, por um carro incrível ou por um telemóvel “nice”. Uma “pita” bonita. Tudo é feito para o inglês ver.

@Verdade: E como é que nós saímos deste imbróglio?

João Fornasini: Para já saímos a perder. Penso que o trabalho deve começar desde quando as pessoas são pequenas, actuando- se na escolinha e em casa a fim de se garantir a boa educação. As crianças devem ser dirigidas para uma sociedade mais real e menos hipócrita.

@Verdade: Que trabalhos tem desenvolvido, presentemente, no Veleiro Arts?

João Fornasini: Uma vez que não vendo muito o que pinto – dou aulas de pintura. Neste momento tenho poucos alunos. Um, de nome Miguel, com o qual tenho aprendido muito, tem apenas seis anos. Penso que ensinar a pintura a uma criança é uma experiência ímpar porque os miúdos são objectivos. Eles não dão muitas voltas.

Vão direito ao ponto. Também dou aulas a um moço de 21anos que, estando a concluir o seu curso de Sociologia, já sabe o que quer na vida. No entanto, pela sua idade, está naquela fase de se vestir bem e ter um boa “pita”. De todos os modos, pelo seu comportamento, é bastante adulto porque paga as propinas do seu curso de pintura com o subsídio mensal que os pais lhe dão. Portanto, não é um jovem qualquer – ele investe na sua formação.

Por isso, penso que se ensinarmos aos mais novos aquilo que é bom para si e para os outros estaremos a trilhar um bom caminho. Já tive no Núcleo de Arte, mas eles ficavam assustados por causa do ambiente local – os copos de álcool e o fumo de tabaco. Por isso, aquela instituição decidiu que a escola passasse a funcionar aqui.

Arte e o consumo de drogas

@Verdade: Como é que, nos primeiros anos, os seus pais geriram o seu envolvimento com a pintura?

João Fornasini: Não houve nenhum problema, além do facto de que – por causa do cheiro da tinta – o meu pai orientou-me a pintar num espaço alternativo. Ele não queria saber nada daquela tinta em casa. Não me lembro de ter havido alguma complicação – talvez um cheirinho de “passa” a mais. Porque há vezes em que as artes se relacionam um pouco com a suruma, o que não significa que somos artistas por causa disso.

Eu acho que, no caso das artes, o efeito da cannabis é bom porque deixa o artista mais concentrado. Uma coisa é alguém fumar a “passa” para trabalhar – já no norte de Moçambique, os camponeses fumavam para ir à machamba. Sem falar de fumar para ir à luta armada. Portanto, é importante não confundir as pessoas que fumam com os bandidos. Não é a droga que faz o ladrão. A droga concentra melhor as pessoas para aquilo que elas pretendem fazer. Há pessoas que a utilizam para se estimular quando tocam a viola, pintam um quadro, ou mesmo quando querem roubar.

@Verdade: Falando sobre as drogas, no Uruguai, o país que aprovou uma lei que legitima o seu consumo, instalou-se um debate sobre o assunto que se pode(rá) repercutir noutros países. Que percepção há sobre o tema no país?

João Fornasini: É complicado porque, como eu disse, uma coisa é ter-se alguém que fuma para atingir um determinado objectivo: no caso do artista, a sua meta é pintar concentradamente. Por exemplo, sou capaz de fumar cannabis para pintar, e estar uma maior bagunça no local onde me encontro, e eu não perceber aquela desorganização como tal. Ou seja, chega um ponto em que a bagunça não me incomoda.

É como se eu estivesse apenas com o quadro. Agora, penso, legalizar o consumo da droga em Moçambique é um tema muito difícil, sobretudo porque, actualmente, a nossa juventude está numa fase de desacreditar as orientações dos mais velhos. Hoje em dia, é normal um miúdo de 11 anos pedir-te “lume” para consumir tabaco. E se tu não deres ele é capaz de te agredir. A legalização do consumo da droga torna-se mais complicada no nosso país, porque isso tem a ver com o exercício da liberdade. E nós estamos num lugar onde o respeito está num estado duvidoso.

@Verdade: E como é que se interpreta a situação dos consumidores de drogas que têm a finalidade de se estimular para gerar obras louváveis, muito em particular?

João Fornasini: Olha, toda a gente sabe que no Núcleo de Arte consome-se suruma. Aliás, nem é preciso entrar naquela instituição, basta alguém passar nas imediações que sente o (seu) cheiro. Mas será que é só naquele lugar onde há mais bandidos? A resposta é não. O Núcleo de Arte é um local onde nunca se matou ninguém. Nunca se assaltou ninguém. Nunca se espancou ninguém. As pessoas entram, apreciam as obras de arte e compram. Portanto, não está correcto dizer que as pessoas que fumam a maconha são más. Penso que é mais bandido o senhor que se veste de fato e gravata – do que o vulgo fumador da “passa”, o chamado freak. O verdadeiro malfeitor, em qualquer sociedade, anda trajado de fato e conduz carros de alta cilindrada. Ou seja, aquele que é considerado Sua Excelência é o verdadeiro ladrão. O malandro que comete crimes de colarinho branco.

A arte, a política e a guerra

@Verdade: Há uma situação que não se pode ignorar – o país está em guerra não declarada. E, de certa forma, essa realidade irá influenciar o nosso modo de fazer arte.

João Fornasini: Eu acho que na situação actual do país haverá artistas que irão começar a pintar política. Aliás, em certa ocasião, Naguib, um artista mais velho, afirmou que está desiludido com a arte que se faz no Núcleo de Arte porque, nela, não encontra nenhuma intervenção política. Quem entra naquele local, a fim de encontrar uma arte interventiva, decepciona-se porque o grande interesse é fazer quadros para vender ao estrangeiro.

Criam-se obras que ilustram uma situação normal do dia-a-dia. Parece que o país está em paz. Naguib não concordou muito com isso. Também acho que a arte deve ser interventiva. Só que nem toda a gente gosta de comprar a violência. É complicado. Quando chego a casa, depois de um dia de trabalho intenso e de um trânsito terrível – como acontece em Maputo – quero relaxar e, ao olhar para as paredes, encontrar a paz, a fim de esquecer a situação que se vive no país. Ou seja, a guerra acontece lá fora. Por isso, na minha casa eu quero que haja paz.

@Verdade: Como tem sido a experiência de produzir obras de arte para expor?

João Fornasini: A gente sonda o que se vende mais. Agora é preciso que se tenha algum cuidado com aqueles que copiam as obras dos artistas que vendem mais. De todos os modos, eu tenho um tema só – a relação entre o Homem e o planeta terra. Penso que, de uma forma geral, o pessoal do Veleiro de Arts trabalha nesse sentido.

Nós não pintamos muito os aspectos que têm a ver com a política. Mas tenho a impressão de que há uma grande nova geração de artistas – João Paulo Bias, Djive e Gonçalo Mabunda, por exemplo – que começará a gerar arte sobre temas políticos. Agora, a nossa preocupação tem a ver com a questão “quem irá comprar?” Se eu pintar um quadro semelhante ao que aconteceu com Picasso que, em Guernica, identifica o massacre, quem irá comprá-la?

@Verdade: Em Setembro de 2013, tivemos a experiência de Vasco Manhiça, um pintor talentoso, que, se supõe, por causa da contundência dos seus temas, acabou por não ter os patrocínios devidos para realizar a sua mostra como havia planeado…

João Fornasini: Pois é verdade. Sabes que, em relação às artes plásticas, a actuação do Ministério da Cultura tem cotação zero? Inaugurámos a nova casa do Núcleo de Arte reabilitado e o ministro da Cultura, Armando Artur, não obstante o facto de que o seu pelouro fica a duas ruas da nossa instituição, não esteve presente.

Por outro lado, quando foi a vez do assassinato bárbaro do nosso colega, Alexandria Ferreira, mais uma vez, o ministro não esteve connosco. Mandou alguém para o representar. No entanto, quando foi a vez da festa de aniversário do artista plástico Noel Langa, que não vive a duas ruas de onde o dirigente trabalha, Armando Artur João deslocou-se até à sua casa. Logo, a partir daqui, percebe-se a importância que o senhor ministro dá a cada situação.

@Verdade: Nos últimos anos, os artistas moçambicanos, no seu todo, têm estado a desenvolver obras com uma forte preocupação de fazer uma intervenção social em várias perspectivas. No entanto, percebe-se que o feedback não tem sido proporcional. Partilha deste pensamento?

João Fornasini: Concordo porque o nosso país não quer saber do artista para, absolutamente, nada. O criador vive à margem da sociedade, se bem que este problema não ocorre somente em Moçambique. Muitas vezes, quando o artista intervém, age de uma forma muito violenta, o que gera respostas más da parte de quem é criticado.

É por isso que, muitas vezes, nós acabamos por gerar obras, pura e simplesmente, para vender. A guerra é uma situação muito triste, porque – como lhe falei, o Homem é muito hipócrita – Moçambique tem todas as condições para ser um país lindo para todos nós, e para quem nos vem visitar. Mas desde que se descobriu o petróleo e o gás, sem contar com as pedras preciosas, entrámos nesta situação.

Existem os que querem todos os recursos só para eles e, outros ainda que, apesar de não serem os melhores, também têm a mesma ambição e entram neste conflito. E quem paga as consequências desta guerra? Não são os filhinhos dos governantes. Não são os empresários de sucesso. Quem paga é a carne para o canhão – o povo. Os mesmos que – como bois e cabritos – andam de meios de transporte de caixa aberta, porque são eles que vão defender a pátria. Então, já imaginaste se um artista pintar política em Moçambique? Percebes o que ele vai criar? A pior situação é que, no lugar de vender as suas obras, ele vai preso.

@Verdade: Terá esta realidade alguma relação com a qualidade da nossa educação?

João Fornasini: Sem dúvidas. A nossa qualidade de educação é muito fraca. Há muitos engenheiros que compram os diplomas, mas também há muitos médicos que é melhor não fazerem operação nenhuma. Moçambique terá de dar uma volta muito grande porque a nossa situação é precária.

Por exemplo, “moçambicanizar” a língua é um direito nosso, pois no nosso país fala-se português de Moçambique – em que se empregam palavras como “desconseguir”, “maningue”, “nice” e outras tantas. Agora, abrasileirar? Onde é que fica Moçambique? Há muitas igrejas, por aí, que quando fazem a pregação falam o português brasileiro – mas o que é isso?

Contrariamente ao brasileiro e ao “mangolé”, nós estamos a perder a nossa verdadeira identidade. Por exemplo, o Xigubo é uma dança guerreira que se praticava há muitos anos, antes de Vasco da Gama chegar a Moçambique. No entanto, infelizmente, tenho visto nalguns canais televisivos uma exibição em que há uma fusão de Xigubo com o Balé clássico – o que é isso?

O Balé é uma dança mais “soft”, mais suave e muito sensível, enquanto o Xigubo é um bailado para os homens de guerra. Uma dança que fala sobre a porrada em que os homens exibem a sua pujança e a capacidade de agredir os outros. Por isso, estes bailados não se devem misturar. É por isso que, como as vezes se vê naqueles concursos de descoberta de talentos da STv, só falta aqueles bailarinos de Xigubo usarem os sapatinhos de Balé clássico. Cantar bem não é imitar Michael Jackson. Mas é seres tu, a entoar o que te vem da alma.

Onde é que está a continuidade da música ligeira moçambicana, como os Ghorwane, Alambique – uma banda de que eu gosto muito – e Alexandre Langa? Para mim, a única banda que continua a cantar Moçambique é Kakana. Ela faz-me lembrar o tempo de Samora Machel. Stewart Sukuma é uma pessoa que trabalha muito. O resto só faz música que se vende.

Há um e outro que continuam a fazer trabalhos com algum valor. Por exemplo, Lizha James está preocupada em modernizar a sua música, para acompanhar os tempos actuais. A composição de Zico é um pouco ordinária, mas ela revela a realidade das pessoas. É verdade o que ele canta. As pessoa pensam assim. A princípio, eu não gostava dele. Achava-o porco que só fala disto naquilo e daquilo nisto – mas as pessoas são assim.

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