Cansado da discriminação de que era alvo na sociedade – por ser ou não deficiente – um conjunto de jovens residentes nos bairros periféricos da cidade de Maputo criou o Stop a Discriminação de Ambos (SDA). O movimento realiza uma série de actividades artístico-culturais. No entanto, os seus objectivos trespassam o mero entretenimento. Os seus membros encontraram na organização uma ferramenta de intervenção social…
Ezequiel Manjate conhece muito a dor da discriminação. Por ter nascido deficiente físico, as pessoas não o encaram como uma pessoa comum. Mas ele é normal e (como todas as pessoas) apenas diferente.
A questão da discriminação – que gera resultados nefastos – não afecta somente os deficientes. As pessoas supostamente ‘perfeitas’, também são discriminadas por outras razões como, por exemplo, a cor da pele, a sua opção religiosa ou política, ou mesmo por terem qualquer outro tipo de doença. A discriminação é um problema social enfrentado por todos os homens. Mas há quem sofra mais por suas causas, sobretudo quando gera estigma.
Ezequiel é membro de uma organização cultural e humanista – a Associação Cultural Muodjo – e, certa vez, em conversa com Jerónimo Mário Mendonça, outro jovem não deficiente, constatou que a discriminação afectava a todos. Deficientes e não. “Compreendemos que não seria correcto que nós, as vítimas dessa prática, nos revoltássemos contra os nossos ofensores. Para nós seria muito melhor que tomássemos uma iniciativa que, de forma organizada, apelasse às pessoas para que não praticassem a discriminação”. Com base nessa compreensão, estes actores sociais criaram o movimento Stop a Discriminação de Ambos, a fim de agir contra a marginalização de homens pelos homens.
“Através do SDA realizamos actividades artístico-culturais como o recital de poesia, as encenações teatrais, as palestras e os concertos musicais a partir dos quais disseminamos contra o referido fenómeno social”, diz Ezequiel Manjate que explica que “não nos focalizamos na discriminação que recai sobre os deficientes, mas naquela que ocorre também entre todos os seres humanos por qualquer motivo – a cor da pele, a religião, a nacionalidade ou por serem vítimas de determinado tipo de doença”.
Por outro lado, “as nossas palestras têm como objectivo mostrar as boas maneiras de tratar as pessoas que tenham uma característica especial que as torna diferentes de nós. Como abordar, por exemplo, os pessoas com determinadas enfermidades?” Reconhecendo que há pessoas que são abandonadas pelos seus familiares pura e simplesmente porque são doentes, os mentores do SDA afirmam que a colectividade é composta por pessoas deficientes e não só. A maior parte dos membros vive nos bairros periféricos de Maputo.
Espaço Amigo de Todos
De acordo com Ezequiel Manjate, “estamos a pensar em criar o Espaço Amigo de Todos, onde as pessoas – sem nenhum tipo de discriminação – se irão juntar-se a nós para discutir os problemas associados à discriminação”. Por exemplo, “sentimos que para nos achegarmos aos meninos da rua, temos de nos tornar da rua, para nos entendermos com eles”. Nesse sentido, e como humanos, “queremos promover encontros para discutirmos os mecanismos para a criação de um futuro melhor. Entretanto, já há pessoas que nos consideram Os Apelantes, porque apelamos à paz”.
Entretanto, “apesar de não sermos a paz, queremos mantê-la para que o povo possa viver pacificamente. Notamos que a violência humana é agressiva de tal sorte que os homens vivem muito menos tempo do os outros animais”. A discriminação gera a violência que, por sua, vez azeda as relações entre as pessoas. Grosso modo, é por essas razões que o SDA – que comporta cidadãos moçambicanos, alemães e japoneses – está contra ela. “Não queremos que práticas imundas influenciem o nosso proceder no dia-a-dia”.
Felizmente, “há muitas pessoas que estão a aderir ao nosso projecto porque elas se sentem discriminadas nas suas casas pelos próprios familiares. Os deficientes são acusados de ser um estorvo no seio familiar – pessoas que não estão em condições de oferecer nada, mas estão constantemente preparados para receber”. “Pensamos que a realidade não é bem assim. Não queremos fazer o impossível, mas lutamos para torná-lo possível”.
O movimento SDA tem realizado oficinas de canto e dança com as crianças dos bairros, um espectáculo musical na Associação Cultural Muondjo, em Matendene, incluindo uma marcha pela paz. Nos mesmos estabelecimentos, esta colectividade leva a cabo programas contínuos de ensaios – que decorrem aos sábados e domingos – a fim de preparar as suas intervenções sociais.
A par do Espaço Amigo de Todos que se quer criar, o SDA diz que pretende incluir “a realização de actividades económicas como, por exemplo, a machamba que irão ocupar as pessoas que se empenham pelo advento da paz no país”.
De qualquer modo, porque isso também é essencial, “apelamos aos pais para que não condenem os seus filhos, aprisionando- os nas casas, por serem deficientes. Ninguém escolhe ser deficiente. Sentimos que nós, os seres humanos, somos transitórios nesta terra. Todos – ricos e pobres, carenciados e abastados – respiramos o mesmo ar”.
Apoiar os desfavorecidos
Na senda das suas actividades, está agendada para o Dia Internacional do Deficiente, 03 de Dezembro, um espectáculo a ter lugar na Associação Cultural Muodjo em Matendene.
Trata-se de um evento cujo acesso é gratuito em que “queremos que as pessoas, de forma voluntária, nos ofereçam produtos alimentares ou material escolar, em bom estado, para que os mesmos possam ser oferecidos aos netos e filhos dos idosos desfavorecidos. O gesto deve-se o facto de que, nas festas do fim do ano, há pessoas que não tem o mínimo para comer”. Para este grupo social, a situação agrava-se nos princípios do ano em que os preços do material escolar são muito altos.