Dez anos após o seu nascimento, @ VERDADE acompanhou o dia-a-dia de José Omar e de Helena, o casal de gémeos siameses que nasceu ligado pelo bexiga e pela bacia e que o cirurgião especialista português, Gentil Martins, separou corria o ano de 1999. Actualmente, as crianças moram no bairro do Alto-Maé, em Maputo, e frequentam a terceira classe. De acordo com a mãe, os filhos precisam de ajuda. Mas, apesar dos problemas que enfrentam, ambos acreditam num futuro promissor: o rapaz sonha ser polícia e a rapariga deseja seguir medicina.
José e Helena nasceram em 1999 ligados pela bexiga e pela bacia. Em termos genéticos eram rapazes, partilhavam o mesmo sexo, e chamavam-se José e João. Depois da operação, um deles passou a ser rapariga e os pais deram-lhe o nome de Helena. O facto de terem vindo ao mundo nessa condição, fez com que o caso fosse seguido atentamente pela opinião pública na altura.
Os meios de comunicação social nacionais e estrangeiros deram grande destaque ao acontecimento. Passada a torrente informativa, hoje o caso encontra-se esquecido e os holofotes antigos há muito que estão fundidos. E o quotidiano dos gémeos é feito de inúmeras dificuldades. José e Helena foram submetidos a uma cirurgia que consistiu na divisão do aparelho urinário, facto que afectou os seus órgãos genitais e a sua forma de estar no dia-adia.
Actualmente, os gémeos enfrentam problemas sérios e o principal tem a ver com o facto de não terem o controlo da urina o que faz com que, mesmo aos 10 anos, sejam obrigados a usar fraldas e a mudá-las de hora a hora. A juntar a isto há os problemas causados pelo constante suprimento inadequado de vitaminas.
Os médicos recomendaram o consumo de alimentos não prejudiciais ao funcionamento normal da bexiga. Devido às constantes crises, Isabel, a mãe dos meninos, já se cansou de pedir ajuda. E começa a desfiar o rol das necessidades: “fraldas descartáveis e alimentos saudáveis e adequados à sua condição.” O feijão, muito utilizado na alimentação de pessoas de fracos recursos como é o caso dos progenitores, não deve ser consumido em excesso pelos gémeos. Os irmãos siameses habitam numa casa simples, típica de uma família humilde.
Partilham o mesmo quarto mas Dez anos após o seu nascimento, @ VERDADE acompanhou o dia-a-dia de José Omar e de Helena, o casal de gémeos siameses que nasceu ligado pelo bexiga e pela bacia e que o cirurgião especialista português, Gentil Martins, separou corria o ano de 1999. Actualmente, as crianças moram no bairro do Alto-Maé, em Maputo, e frequentam a terceira classe.
De acordo com a mãe, os filhos precisam de ajuda. Mas, apesar dos problemas que enfrentam, ambos acreditam num futuro promissor: o rapaz sonha ser polícia e a rapariga deseja seguir medicina. dormem em camas separadas, seguindo o aconselhou Gentil Martins. Essa medida foi tomada com o objectivo de se habituarem a uma nova forma de vida, visto que sempre estiveram ligados um ao outro. Ao todo, o agregado familiar é composto por seis elementos, entre pai, mãe e quatro irmãos. Uma antecedeu os gémeos, a outra é posterior.
A mãe trabalha no centro infantil Nyeleti. O pai é militar. A rotina é dividida entre a casa e a escola. Às seis horas já estão despertos para mais um dia de escola. Às 20 horas recolhem para o sono nocturno. Apesar das condições físicas frágeis são obrigados a cuidar de si. Acordam e fazem os diversos deveres de casa porque os pais vão trabalhar e a irmã mais velha estuda no período da manhã.
De acordo com Orlanda Albuquerque, a médica pediatra do Hospital Central de Maputo (HCM) que há muito os acompanha, prevêse que, após atingir a puberdade, Helena seja submetida a um tratamento hormonal com vista a adaptar-se à sua condição artificial. Para tal, estão a ser accionados uma série de mecanismos com vista à concretização do tratamento hormonal no próximo ano (2010), que irá decorrer numa viagem a Portugal para o efeito. Além disso, os dois têm efectuado exames urinários de dois em dois meses no HCM. Segundo a mãe, apesar de estar em Portugal, o Doutor Gentil Martins continua a dedicarlhes o acompanhamento clínico devido.
O começo de tudo
Esta história começou nos princípios de 1999, no distrito de Cuamba, província do Niassa, quando o casal José Omar e Isabel Muatine viu nascerem dois gémeos ligados pela bexiga e pela bacia. A luta pela sobrevivência começou imediatamente aí. Era necessário separá-los, mas o Hospital Rural de Cuamba não tinha as mínimas condições para efectuar essa separação, por isso dali foram transladados para Nampula. Na capital do norte, o problema de falta de condições manteve-se o que fez com que fossem transferidos para Maputo.
Já na capital do país, contaram com o apoio incondicional da pediatra Orlanda Albuquerque que, sensibilizada com as condições financeiras precárias da família e com a complexidade do assunto encetou diligências, nomeadamente apelando ao auxílio externo. Envidados os esforços, e depois das recusas da França e da Inglaterra, António Gentil Martins, cirurgião e pediatra português, motivado pela sua vasta experiência em operações do género, mostrou-se imediatamente disponível para colaborar.
A operação em Portugal
Para Portugal os gémeos partiram acompanhados pela mãe. Uma vez lá os médicos começaram por analisar como poderiam separá-los. Num relato intitulado “Os estudos de Gentil Martins”, disponível na internet, lê-se: “A intervenção cirúrgica dos gémeos moçambicanos prolongou- se por catorze horas e meia, segundo o chefe da equipa de 12 cirurgiões responsáveis por este êxito, tudo decorreu dentro do previsto, até o tempo que a separação dos bebés demorou.”
Embora esta complicada cirurgia tenha corrido bem, Gentil Martins chamou a atenção para a importância dos primeiros oito dias, período em que poderiam surgir algumas complicações, nomeadamente infecções e/ou pontos rebentados. O médico revelou que a parte mais complicada do processo de separação dos dois gémeos siameses ligados pela zona abdominal e pélvica verificou- se ao nível da divisão do aparelho urinário. “A intervenção cirúrgica começou às 9 horas do dia 22 de Novembro. Helena, foi a primeira a deixar a sala de operações, às 22h e 30 minutos. Uma hora mais cedo que o irmão, José.”, pode ler-se no relatório médico.
A mãe Isabel, apesar de todo o sofrimento e ansiedade, recorda esses tempos de Lisboa com alguma nostalgia. “Tínhamos muito boas condições de vida e uma assistência muito melhor do que aqui. Eu vivia numa pensão com tudo pago, enquanto os meus filhos repousavam nas camas do hospital D. Estefânia sob bons cuidados médicos” lembrou.
O regresso a Moçambique
Dois anos depois, em 2001, os gémeos regressaram a Moçambique. De acordo com a família, a sua estadia em Maputo seria suportada pelo Estado, através do Ministério da Mulher e Acção Social. No início tudo correu bem. Mas, à medida que os dias corriam, as coisas foram mudando. Aos poucos, o Instituto Nacional de Acção Social (INAS), entidade subordinada ao Ministério da Mulher e responsável pela família, deixou de prestar a ajuda que antes concedia.
Hoje, contam com o apoio do Ministério da Defesa Nacional, instituição para qual o pai trabalha. A ajuda desta entidade consiste no pagamento da renda da casa, da água e da luz. Mas a família receia que o apoio possa terminar a qualquer momento. Segundo fontes do Instituto Nacional de Acção Social, o apoio terminou porque tinha que terminar. Nestes casos, o órgão faz um acompanhamento só até uma determinada altura, excepto se os beneficiários forem fisicamente inválidos ou doentes mentais, situação que não lhes permite auto-sustentaremse. “O caso dos gémeos foi diferente porque os pais gozam de boa saúde e são providos de condições e força para trabalhar. Além disso, o pai trabalha e tem o apoio da sua instituição em algumas despesas familiares”, informou a fonte.
Isabel também trabalha no centro infantil Nyeleti, um lugar que lhe foi proporcionado pelo INAS com vista a reforçar o apoio e garantir uma vida normal aos petizes. Assim ambos trabalham e, segundo os nossos interlocutores, não há motivos para queixas.
Na escola
José Omar e Helena frequentam a mesma turma da terceira classe na escola primária do Alto-Maé. Na sala sentam-se um atrás do outro. Pelas palavras da professora Francisca Boca, os seus pupilos não têm problemas com os colegas, excepto em pequenas brigas quando estes zombam deles por causa das fraldas. A professora só lamenta os constantes atrasos dos irmãos. “Não se justifica uma vez que vivem a menos de 100 metros da escola.”
O aproveitamento pedagógico é regular mas o empenho é fraco. “Muitas vezes não fazem o trabalho de casa (TPC). Na sala de aulas não são participativos. O rapaz, principalmente, é calmo demais. Já a irmã é mais extrovertida. Quando os colegas se riem deles quem reage é ela, enquanto o rapaz simplesmente assiste a isso”, revela a professora. A mãe também confirma essa impressão. “José é calmo e de poucas palavras. Para ele basta-lhe um sim ou um não para responder a qualquer solicitação que lhe for feita.
Helena é extrovertida, dá-se bem com todos e tem sempre tempo para esbanjar simpatias pelas pessoas em seu redor.” Orlanda Albuquerque considera este comportamento normal. “Desde criança Helena foi sempre assim, mais extrovertida e viva em relação ao José. Portanto, isso não tem a ver com a operação a que foram submetidos. E acrescenta: “Esta forma de estar é natural e está ligada à personalidade dos dois.
Aliás, muitos gémeos são assim: há sempre um mais esperto do que o outro. Em termos de saúde mental, os meninos estão óptimos, são crianças normais como as outras, felizmente a operação não afectou o seu sistema nervoso.” Nos dias em que estivemos com os irmãos siameses percebemos a esperança e a confiança com que olham para o futuro. Há neles, um amor-próprio e uma vontade de viver que os faz acreditar num amanhã promissor, como se quisessem transmitir a ideia de que, nascer siameses foi obra do destino, ao passo que singrar na vida, depende exclusivamente de si.
Por isso, movidos por essa percepção, quisemos saber um pouco mais sobre os seus sonhos. José respondeu: “Quero ser polícia para prender os ladrões.” Helena quer ser médica para salvar vidas. Oxalá Deus os oiça.
Curiosidades sobre gémeos siameses
Origem da palavra O termo “siameses” surgiu como referência aos irmãos Eng e Chang Bunker, nascidos no Sião (actual Tailândia), em 1811, colados pelo ombro. Os gémeos foram atracção dos circos da época e fizeram muitos espectáculos por todo o mundo. Radicaram-se nos Estados Unidos, onde casaram com duas irmãs e viveram 63 anos. Eng teve 12 filhos e Chang 10.
Termo científico – Gémeos xifópagos, popularmente conhecidos como siameses, são as pessoas que nascem coligadas uma a outra por alguma parte do corpo. A ligação mais comum é pelo abdómen. Em alguns casos, a ligação dificulta a gestação e a sobrevivência dos bebés, mesmo quando a gravidez é completada.
Causas Existem dois tipos de gestação gemelar (nome que a Medicina usa para a gravidez de gémeos). A mais comum surge da fertilização independente de dois óvulos diferentes. Nesse caso, é impossível os bebés nascerem unidos. A malformação é característica dos gémeos siameses. Isto só acontece quando um único óvulo é duplamente fecundado. Em geral, ao cabo de uma semana, o embrião separa-se em dois. Caso essa divisão demore mais de 12 dias, as células acabarão por formar partes do corpo ou órgãos em comum.
Probabilidades O nascimento de siameses é um fenómeno raro. Ocorre uma vez a cada 200 mil gestações. Sobrevivência As possibilidades de sobrevivência são poucas. Apenas 18% dos gémeos siameses chegam à fase adulta. Cerca de 50% nascem mortos e 35% sobrevivem apenas um dia. Quando a coligação ocorre em partes vitais (como pulmão, coração ou cérebro) um dos gémeos tem de ser sacrificado. É possível tentar a separação por meio de cirurgia. Em 60% dos casos as crianças não resistem à cirurgia de separação, dependendo muito das áreas coligadas.