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Toma que te dou: – Senhor, já chegámos!

A cidade de Inhambane, onde eu moro, nunca vai fazer sentido sem o mar, sem a baía que eu venero de forma incessante. Eu também sou um peixe, não me canso de marejar o meu espírito jovem, cada vez mais predisposto a novas batalhas pela sensatez. Adoro o mar. E já percebi que sem este lençol esplendoroso que ora vaza ora enche, num ciclo de não acabar, a minha vida é esbatida.

É por isso que hoje, como tem acontecido sempre que me falta o oxigénio nos pulmões, estou embutido no bojo desta barcaça com motor fora de bordo levando mais de quarenta pessoas a bordo. Vou a Maxixe, não propriamente porque aquela cidade me fascina, mas porque quero vestir o meu corpo inteiro e a minha alma inteira e o meu espírito inteiro, com as águas do mar.

Estou satisfeito e feliz por fazer esta viagem sem agenda. Gosto de andar à toa, de me entregar ao sol e às brisas, e exulto por dentro quando me misturo com pessoas de várias matizes. Como agora nesta barcaça com motor fora de bordo.

Estou em silêncio, implorando aos meus espíritos para que ninguém se lembre de ligar para o meu celular. Quero ouvir esta gente a tagarelar. A festejar a vida através das conversas que convergem e desconvergem. Aplaudo a consonância entre o leve roncar do motor e as vozes que de vez em quando são destacadas por uma gargalhada desinteressada, que depois reboa para as imperceptíveis ondas que nos acompanham.

Não há bulício na barcaça. Aqueles que falam fazem-no com educação, respeitando os companheiros de percurso. Os outros, que como eu estão calados ou compenetrados nos seus pensamentos ou ouvindo com gozo as conversas alheias, como eu também, emprestam ao enredo uma imagem de paz. Há uma harmonia entre tudo aquilo que vejo e sinto.

A barcaça desliza tranquila, e não precisa de dar aquela volta enfadonha para contornar os bancos de areia em tempo de maré vaza, porque é maré cheia. Hoje, como no dia em que me sentava num dos bancos da marginal apanhando frio, também não há flamingos. É belo contemplar as duas cidades divididas e unidas ao mesmo tempo, pela baía que as engrandece, que as mistifica, que as idolatra, que as liberta.

Estou a sonhar no bojo de uma barcaça com motor fora de bordo, ouvindo conversas agradáveis e desinteressadas, cozinhadas e consumidas com o propósito único de queimar o tempo que vamos gastar na travessia.

De repente as águas agitam-se perto do transporte que nos leva. É um casal de golfinhos que nos acompanha. Voam como se tivessem asas e depois desaparecem para o fundo do mar onde vivem. É um espectáculo Divino. Forte e belo por demais que as pessoas ficaram repentinamente em silêncio para contemplar os mamíferos com barbatanas. Somos escoltados como pessoas importantes até a ponte-cais. E quando o arrais desligou o motor, continuei a olhar para o lugar de onde viemos na esperança de ver novamente os monstros mas… nada! Mantive-me sentado querendo que o sonho continuasse até que um dos marinheiros ciciou:

– Senhor, já chegámos!

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