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A Ntyiso wa wansati: Sem prazo de validade

Ontem estavas na cozinha a seguir a mais um jantar tranquilo a tirar um café em chávena fria, quando percebi que íamos envelhecer juntos, perto um do outro, nunca na mesma cama e provavelmente não exactamente debaixo do mesmo tecto, mas como irmãos que, separados à nascença, se reencontram no auge da vida e nunca mais se separam.

Não sei como explicar o sentimento de familiaridade que sinto por ti, que me faz receber-te como um primo preferido e levar-te à casa dos meus pais aos almoços de domingo. Não sei, mas também não me interessa, porque o que quero é que assim seja para sempre. A amizade é isto; nunca precisa de explicações nem tem prazo de validade.

E o mais engraçado é que dificilmente conhecerei alguém tão diferente de mim; eu vivo de dia, tu vives de noite. Eu faço desporto e tu fumas e bebes. Eu leio jornais e livros e tu legendas dos filmes e livros de receitas. Eu gosto de andar a pé e tu de carro. Eu adoro chocolate e tu nem lhe tocas. Eu embirro com decorações barrocas e tu deliras. Tu vais para o Lux e eu vou para casa. Eu levanto-me às oito da manhã e tu acordas às sete da tarde.

Mas quando passeamos juntos pela cidade, quando vamos aos antiquários comprar candeeiros e entramos nas lojas de roupa, damos a impressão de ser um casal e eu acho que no fundo até somos, meio irmãos, meio amigos, que é como são todos aqueles que se amam sem a tirania do sexo, que é a fronteira do corpo e que muda a visão dos homens sobre o mundo.

Quando te conhecia de vista, parecias-me um bicho estranho. Eras extravagante e exótico, magro como um condenado, mas chique como um embaixador, por isso eu observava- te de longe e não sabia o que pensar. Talvez sejas o último dandy, talvez sejas o último chevalier servant, talvez sejas o último menino mimado da terra, aquele que em pequeno se passeava com matilhas de cães à trela, copiando uma pose de um tio qualquer, aquele que te parecia mais distinto.

Hoje és um homem feito, mas o olhar deve ser igual ao que tinhas com sete ou oito anos e brincavas aos índios com o teu irmão. Tu não cresceste assim tanto, o tempo apenas te amadureceu no que foi estritamente necessário e te ensinou que a partir de uma certa idade, as pessoas deixam de ter idade, passam a ter competências. E a tua é a de seres uma pessoa involuntariamente feliz, que se diverte com tudo porque não tem nada a perder e porque, no fundo, não quer mais do que viver feliz e fazer felizes aqueles que ama.

Tu não complicas, não empreendes, não te assustas, não te baralhas, não te esqueces e, quando te perdes, é de propósito. Imagino-te sempre como agora e tenho quase a certeza de que nunca envelhecerás, porque guardas o segredo da felicidade; viver um dia atrás do outro, sem pedir mais ao mundo do que paz, alegria e de preferência um bom champanhe.

Ajudas-me a conjugar o verbo aceitar, ensinas-me a praticar o verbo esperar e tens sempre paciência para mim. Levas-me a jantar fora quando estou triste e limpas-me as lágrimas quando imagino que o mundo vai acabar só porque não é tudo como quero quando quero.

E obrigas-me a ser feliz com o que tenho, em vez de viver com a cabeça sempre enfiada no futuro, porque és mais sábio do que eu e sabes muito bem que o futuro só existe na cabeça das pessoas complicadas, que gostam de tornar a sua própria existência difícil. Por isso, meu querido irmão emprestado, peço-te que nunca percas essa capacidade de me sacudir e de ma fazer rir, de me pôr a dançar e a dizer disparates, de despertar em mim uma miúda que nunca cresceu.

É que eu não tive tanta sorte como tu, obrigaram-me a crescer muito depressa e nunca aprendi a brincar. Mas contigo ainda vou a tempo, porque temos o tempo todo para dar um ao outro e é a isto que se chama amizade; nunca precisa de explicações nem tem prazo de validade.

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