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Sem diálogo a guerra vai fazendo mais vítimas em Moçambique

Os moçambicanos, e não só, continuam a ser vítimas da guerra e da falta de diálogo entre o Governo da Frelimo e o partido Renamo, que dura desde Junho de 2013, e esta semana matou mais quatro cidadãos e deixou outros feridos.

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Os políticos na capital do país mantém-se de costas voltadas, as dezenas de rondas de diálogo político sem consenso acabaram com a irredutibilidade do Governo e a intransigência do maior partido da oposição no Parlamento. Agora as partes já nem sequer se encontram, usam os media para esgrimir justificações e argumentos que não convencem o povo, que continua maravilhoso a lutar todos os dias para comer condignamente, beber água potável, ter acesso a medicamentos, à educação…

Não há desculpa para a continuação dos confrontos armados que esta semana fizeram mais quatro vítimas mortais e dezenas de feridos. Este é o número que @Verdade conseguiu apurar, graças à colaboração inestimável de cidadãos que, arriscando a sua vida ou ganha-pão, reportam aquilo que as partes tentam esconder.

Os refugiados

Várias localidades, cujos nomes não eram conhecidos nem dos melhores estudantes de geografia, hoje estão na boca do povo: Magalhange, Nhampoca, Nhamacuenguere, Phembe, Fanha-Fanha, Jonasse. Do centro de Moçambique, a guerra que já registou confrontos no norte, na província de Nampula, alastrou-se para o sul da Pérola do Índico e há relatos, ainda não confirmados, de alguns focos na província de Maputo.

O Governo vai improvisando medidas de emergência – numa época de emergência por tradição das chuvas que já estão a fazer outras, ou serão as mesmas, vítimas – para os refugiados que escapam da guerra. No distrito de Homoíne parcelam-se terrenos com a mesma rapidez com que se vão criando centros de acolhimento para os “novos hóspedes”, que não sabem o que o futuro lhes reserva, mas que de uma coisa têm a certeza: “jamais voltaremos, por mais que digam que não há guerra”.

Mas a guerra existe e na terça-feira (13), doze homens fortemente armados, que tudo indica pertencerem ao partido de Afonso Dhlakama, atacaram o posto policial da localidade de Mavume, a cerca de 42 quilómetros do distrito de Funhalouro, de onde retiraram diversos pares de fardamento da Polícia da República de Moçambique e utensílios. Esta acção resultou na morte de um agente da Polícia de Protecção, de 22 anos de idade, recém-graduado da Escola de Formação Básica da Polícia, em Matalane, Maputo.

De seguida, assaltaram o posto de saúde local, onde se apoderaram de vários medicamentos e material cirúrgico. Acto contínuo, saquearam vários estabelecimentos comerciais, nos quais arrombaram portas e roubaram produtos alimentares, com destaque para óleo, arroz e açúcar.

Assim, Funhalouro tornou-se o segundo distrito da província de Inhambane onde a Renamo concentra os seus homens armados, depois de Homoíne.

Na véspera, cerca de uma centena de soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) foram enviadas a Phululo B, a 30 quilómetros de Mavume, uma região onde existiu, pelo menos, uma base da Renamo durante a guerra civil.

Residentes de Phululo referem que houve confrontos entre as duas partes, sendo que os da Renamo teriam abandonado o local deixando para trás alguns bens. Há indicações de que pelo menos sete militares das FADM ficaram feridos.

No distrito de Gorongosa, onde se vive a guerra todos os dias, o governo provincial institucionalizou um centro de acomodação para os mais de quatro milhares de cidadãos que fugiram das detenções, da violência arbitrária e das execuções sumárias protagonizadas tanto pelas forças do Governo assim como pelos guerrilheiros da Renamo.

O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) garantiu inicialmente bens alimentícios básicos –  arroz, farinha de milho, açúcar, óleo e feijão – para 15 dias, dos quais metade já decorreram. Se é difícil aos moçambicanos prever qual vai ser o desfecho da guerra estes refugiados sabem, certamente, que o seu futuro não vai ser risonho.

Moçambique dividido

Na busca do pão de todos os dias, ou de um futuro melhor, todos os dias milhares de moçambicanos, e estrangeiros, precisam de usar a única via que liga o norte ao centro e sul de Moçambique: a Estrada Nacional nº1. Na manhã desta terça-feira (14) um empresário, que prefere não ser identificado, chegou ao posto administrativo de Muxúnguè, vindo do norte a caminho da “terra da boa gente”. Porque uma ponte metálica estava intransitável, algures no troço de cerca de 100 quilómetros que tem de ser feito protegido pelas forças governamentais até ao rio Save, inúmeras viaturas e uma maior quantidade de pessoas aguardavam “luz verde” para seguirem viagem. A tarde chegou, a noite caiu e ninguém pôde viajar.

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O raiar de quarta-feira (15) trouxe a boa notícia: a via estava pronta para o trânsito. Juntou-se a coluna de viaturas, maior do que habitual, e estranhamente – o empresário é viajante frequente neste troço e conhece o modus operandi – três autocarros de transporte de passageiros estavam à cabeça da coluna. Cerca das 8 horas foi dado o sinal de partida e a viagem começou. Percorridos pouco mais de 18 quilómetros, algumas rajadas de tiros, vindas das matas que ladeiam a estrada, cortam a calma. Os autocarros param e os militares tomam posições de combate. Nas matas não se vê ninguém. A certeza que lá estão guerrilheiros, que só podem ser da Renamo, segundo nos dizem, é confirmada pelos tiros que não param durante pelo menos cinco minutos. Começam por ser tiros de metralhadoras. Após uma curta interrupção, o tiroteio recomeça e agora os soldados das FADM também disparam as suas armadas de grande porte. Ninguém abandona as viaturas, nem mesmo as dezenas de passageiros que estão nos autocarros onde alguns vidros já estão desfeitos.

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Um quarto de hora depois, tudo terminou. Os militares contam os feridos, há três entre as suas fileiras. O drama é maior entre os civis em que um foi baleado mortalmente e seis estão feridos, um dos quais é do sexo feminino e outro não é moçambicano.

As vítimas civis são transportadas para o Hospital de Muxúnguè onde receberam os primeiros socorros, porém cinco estão em estado mais grave e acabaram por ser encaminhados para o Hospital Central da Beira. Dois dos feridos não resistem e chegam à maior unidade hospitalar do centro de Moçambique já sem vida.

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Outros dois feridos são artistas da bola, brilharam no Ferroviário de Quelimane e foram contratados pelo representante da província de Gaza na prova maior do futebol moçambicano. Viajavam para se juntar aos “guerreiros” de Chibuto quando a guerra atravessou o seu caminho. Um dos jogadores foi atingido na perna e até ao fecho não foi possível apurar a gravidade dos ferimentos. Talvez nem sequer venha a estrear-se no “Moçambola”.

Delegado político da Renamo raptado e assassinado

Entretanto o delegado político distrital da Renamo em Nhamatada, Albano Chimue Massora, foi raptado por indivíduos desconhecidos na sua residência, na madrugada da quinta-feira (09) e o seu corpo foi encontrado sem vida, na noite desde sábado (11), no posto administrativo de Metuchira.

Sem fornecer detalhes sobre o caso, Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, confirmou ao @Verdade, na manhã deste domingo (12), a morte de Albano Massora e afirmou que o cadáver foi encontrado na mesma zona onde foi executado o major Oliveira Magazinhica, em Agosto de 2013, depois de ter sido torturado e mantido em cativeiro durante três dias.

Relativamente ao caso recente, apurámos que um grupo de indivíduos dirigiu-se à casa de Albano Massora, fez-se passar por indivíduos doentes que precisavam de ajuda urgente, tendo, no momento, sequestrado o ex-guerrilheiro da Renano, que, além de ser técnico de medicina geral reformado, é docente do Instituto de Ciências de Saúde de Nhamatanda.

Apelos à paz ignorados

As forças governamentais, os guerrilheiros da Renamo, o Governo da Frelimo e os políticos do maior partido da oposição não parecem ouvir os apelos ao término da guerra que vêm de todos os sectores da sociedade moçambicanos e agora estendem-se até a comunicada internacional, outrora doadores e hoje, cada vez, mais parceiros de negócios.

O Governo Japonês, cujo Primeiro-Ministro realizou uma viagem inédita a Moçambique, procurando garantir negócios futuros, afirmou que a segurança “é um elemento importante” para que as actividades económicas, incluindo os investimentos japoneses, decorram com normalidade.

“O Japão deseja que, através do diálogo entre as duas partes, a confrontação seja resolvida pacificamente e não afecte as actividades das empresas japonesas e a segurança dos japoneses”.

A representante da União Europeia apela ao fim imediato dos confrontos armados entre os homens armados da Renamo e as forças governamentais e diz que ambas as partes devem estabelecer, sem demora, um processo de diálogo político genuíno e construtivo como forma de manter a paz.

A União Europeia, que parece ignorar as fraudes e todos os problemas de que enfermam os pleitos eleitorais em Moçambique – cuja solução é considerada um imperativo pelo o partido de Afonso Dhlakama – , afirmou que “as lições extraídas de eleições anteriores devem contribuir para a consolidação da democracia, conduzindo-nos ao desenvolvimento sustentável e à criação de um país pacífico, próspero, seguro e estável para todos os seus cidadãos”.

Já os Estados Unidos da América, que se auguram polícias do mundo e não poucas vezes se envolvem em conflitos militares com outras nações, consideram que o impasse que se verifica nas negociações entre o Governo e a Renamo requer uma solução pacífica e afirma que a violência jamais resolverá as diferenças políticas.

Esta semana, o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, por sinal signatário do Acordo Geral de Paz, quebrou o seu silêncio e manifestou a sua preocupação em relação ao actual estado que o país enfrenta e considera que para que o mesmo seja ultrapassado é necessário que o Chefe do Estado, Armando Guebuza, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, dialoguem, e que não o façam através de delegações.

“Se (o diálogo) fosse ao mais alto nível, não se teria chegado a este nível. Teríamos resolvido o problema. Mas ainda restam dúvidas sobre o que realmente o líder da Renamo pretende. É necessário que haja uma pessoa capaz de tomar decisões pertinentes”, afirma Chissano.

Por outro lado, o antigo estadista é de opinião de que o líder da Renamo tem de se sentir confortável e seguro para dialogar com Armando Guebuza, o que não é possível agora uma vez que diversas unidades das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e da Força de Intervenção Rápida têm sido movimentadas para a região centro do país.

“Todos nós precisamos da paz e que ninguém aceite ser arrastado para a guerra, seja por quem for. Esperamos que um dia a razão prevaleça e que o diálogo aconteça, pois não queremos que ninguém perca, todos devem ganhar. Por isso, acho que devíamos acarinhar o senhor Dhlakama, para que aceite vir ao diálogo”, sentenciou Joaquim Chissano.

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