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Sem água (não) há vida…

Sem água (não) há vida...

Para uns, as obras do FIPAG (Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água) representam o fim das interrupções no abastecimento de água e das longas caminhadas. Do outro lado, estão os que vêem nestas obras uma coisa que beneficia poucos. Por isso, não têm motivos para celebrar. Até porque a água não tem sido tanta que chegue para melhorar o nível de vida dos cidadãos suburbanos.

Todas as manhãs, quando Anabela Macuvele sai de casa à procura de água, às 5 horas em ponto, caminha aproximadamente um quilómetro e meio até chegar ao furo mais próximo. Faz esse percurso também todos os finais de tarde, pelas 17h00.

Anabela, de 39 anos de idade, vive maritalmente, tem três filhos menores de idade, e reside no bairro de Laulane, arredores da cidade de Maputo, há mais de 10 anos. A falta de água potável é a grande preocupação desta dona de casa.

“Há anos que pedimos água nesta zona”, diz carregando quatro bidões de plástico vazios a caminho do único furo de água: “Tem sido uma vida de sofrimento, pois todos os dias temos de andar muito para comprar água”.

Na maior parte dos quarteirões do bairro, o acesso à água potável ainda é um problema sério, além do precário sistema de abastecimento. Não há registo de bons momentos e tão-pouco os moradores vislumbram uma solução para esta questão que afecta mais de cinco centenas de agregados familiares.

“Houve promessas de abastecimento de água em toda esta zona, mas até agora pouco ou quase nada foi feito. Apenas algumas pessoas com certo poder financeiro conseguem ter água canalizada nas suas casas”, afirma Augusto Buizi, morador do bairro há mais de 30 anos.

Enquanto nada é resolvido, as famílias, na sua maioria, têm de andar pelo menos um quilómetro para obter o “precioso líquido”. Todos os dias, pela manhã e final da tarde, crianças e adultos, empunhando recipientes, desdobram-se em busca de água. P

ara os moradores que têm a sorte de ter vizinhos que dispõem de água canalizada, o problema torna-se menor, apenas em certos casos, pois em algumas situações têm de contar com a sua boa-fé. “Temos de despender um metical por cada bidão de 20 litros, mas há pessoas que não aceitam e somos obrigados a andar muito para termos água”, afirma Anabela Macuvele.

Este não é apenas o dilema de Anabela. No bairro do Ferroviário das Mahotas, Maria Amélia Matavele, de 42 anos de idade, também vive a dor da falta de água potável para o consumo humano. Apesar de dispor de um poço no quintal da sua casa, tem de percorrer, pelo menos, meio quilómetro para obter água para beber e confeccionar alimentos.

“Esta água (do poço) só serve para lavar roupa, pratos e para o banho. Para beber e cozinhar, temos de ir buscar lá mais acima”, diz Maria Matavele. Neste bairro, a falta de água fez com que quase grande parte dos moradores abrisse poços nos seus próprios quintais.

Viúva há cinco anos e com quatro filhos por cuidar, Maria, à semelhança de outras donas de casa do bairro do Ferroviário das Mahotas, já manifestou o interesse de ter água canalizada. “Já reunimos com o secretário do bairro e com o chefe de quarteirão, mas só os que vivem próximo da estrada é que tiveram sorte. E nós aqui não sabemos quando chegará a nossa vez”, afirma.

Luís Cabral: décadas sem água

Os residentes do bairro Luís Cabral, em Maputo, também enfrentam muitas dificuldades para terem acesso à água potável. A zona conta com apenas dois fontenários que abastecem uma população dividida em seis quarteirões.

O número de pessoas que recorre às duas fontes para buscar água é muito elevado. Devido à situação, os moradores daquele bairro são obrigados a acordar muito cedo e em alguns casos a percorrerem longas distâncias para obterem o “precioso líquido”.

No bairro Luís Cabral, os fontenários são abertos ao público a partir das cinco horas da manhã. Mas, por causa das enchentes habitualmente verificadas, os residentes costumam acordar mais cedo para garantirem um lugar na fila.

“Somos obrigados a acordar às três horas da manhã para conseguirmos água o mais rápido possível”, diz Sónia Feliciano, moradora do bairro Luís Cabral há pouco mais de seis anos.

O problema da falta de água potável naquele bairro já tem “barbas brancas” e não se vislumbra uma solução. Para os moradores, viver no Luís Cabral nunca foi fácil e a situação tende a pior a cada novo dia. “Temos de atravessar a estrada para irmos buscar água nos bairros circunvizinhos”, afirma Sónia.

Alfiado Manhiça, chefe do quarteirão número 37 F, conta que o problema de falta de água no bairro é antigo e perdura há mais de 19 anos, período em que ele e a família começaram a residir na zona. A questão já é de conhecimento das autoridades locais, mas nada tem sido feito para melhorar a vida da população.

De acordo com Manhiça, a situação já esteve pior. Durante certo período, um dos fontanários localizava-se bastante longe dos moradores do bairro. Aliás, os residentes tinham de percorrer todos os dias uma longa distância para ter acesso à água.

Só em 2008 é que foi possível aproximar a fonte graças ao esforço desencadeado pela população que, com recurso a enxadas e outros meios, cavou valas para serem instalados condutas que trouxeram o fontenário para junto das pessoas.

Ainda assim, a vida não melhorou para os cidadãos. Para quem vive distante da fonte de água, a situação continua difícil. “Para conseguirmos água, percorremos longas distâncias, às vezes buscamos nas machambas, lá existem torneiras mas é longe”, diz Helena Gastão, residente do bairro há oito anos.

Apesar de disporem de dois fontenários, os moradores de Luís Cabral não estão satisfeitos, pois consideram que as fontes existentes não são suficientes, tudo porque não existe água canalizada no bairro.

E como um mal nunca vem só, no local também se verifica outra situação preocupante. Algumas mulheres atravessam a linha férrea com recipientes cheios de água na cabeça, colocando as suas vidas em risco, até porque a ferrovia que divide o bairro não possui passagem de nível, o que acaba por privar parte da população que reside do lado onde não é possível a passagem de viaturas.

“Nesta parte do bairro há sérios problemas para transportar qualquer coisa. Em casos de morte ou doença, as pessoas são carregadas em macas, pois nenhuma viatura entra nesta zona”, diz Abílio Domingos, um dos moradores do bairro.

A região do bairro isolada do transporte rodoviário é a mais habitada e existem muitas casas em obra. Além da falta de água, o transporte de material de construção é bastante difícil. Domingos conta que caso alguém solicite material de construção, este é carregado por carrinhas de mão, os vulgarmente chamados “tchovas”.

Segundo o chefe de quarteirão, a situação é do conhecimento da empresa Portos e Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM). Há cinco anos foi enviado um documento para que se construa uma passagem de nível no local. “Numa primeira fase, os CFM prometeram resolver o problema, mas até o momento ainda não há uma resposta satisfatória”, diz.

Outra questão, além da falta de água e passagem de nível, é a vala de drenagem. A mesma não sofre limpeza alguma há anos. Além do capim gigantesco nas margens, existem vários resíduos sólidos, entre garrafas de plástico vazias. Alguns residentes afirmaram que é habitual aparecerem cães e gatos mortos e já houve casos pessoas sem vida.

Para alguns moradores a situação é alarmante, pois estão expostos a doenças, uma vez que a vala de drenagem contribui para a proliferação de mosquitos e exala um mau cheiro quando a água suja seca.

Acesso à água em Moçambique

Em Moçambique, o acesso à água ainda é limitado. Grande parte das áreas periurbanas de Moçambique tem uma menor cobertura de abastecimento de água e menos acesso à água potável em relação a muitas zonas rurais. A cobertura urbana de acesso à água e saneamento em Moçambique é de 70 porcento e nas zonas rurais de 30 porcento.

De acordo com o relatório Inquérito de Indicadores Múltiplos (MICS 2008), o dado urbano é amplamente baseado apenas no centro da cidade, enquanto grande parte das chamadas áreas periurbanas tem menor cobertura do que muitas zonas rurais. Vários relatórios também confirmaram essa situação. Em algumas áreas periurbanas as estimativas de cobertura de abastecimento de água são tão baixas que não chegam a atingir 10 porcento. As pessoas mais pobres são as mais afectadas, devido aos baixos níveis de serviço, apesar de pagarem os preços mais elevados pelo acesso à água. A maioria das autoridades urbanas em países em desenvolvimento, incluindo Moçambique, ainda não encontrou uma solução sustentável para responder aos desafios de água e saneamento nas zonas periurbanas.

Os responsáveis pelas políticas públicas não podem expandir os esgotos para as áreas mais pobres, uma vez que não conseguem tratar os volumosos dejectos já colectados. Há crescentes evidências de que a infra-estrutura de água também será significativamente afectada pelas alterações climáticas, nomeadamente através do impacto das cheias, secas e outros eventos meteorológicos extremos. Espera-se que haja melhorias nos recursos hídricos, tanto em quantidade como em qualidade. As instalações de águas pluviais e residuais terão de estar preparadas para enfrentar um maior risco de danos causados por tempestades, inundações e secas.

Prevendo-se que a população urbana de Moçambique tenha crescido cerca de 40 porcento em 2010 para mais de 65 por cento em 2050, isso significa um enorme desafio para o país e os seus parceiros de desenvolvimento de modo a garantir o acesso sustentável à água e saneamento visando o desenvolvimento e bem-estar da sua população. O acesso à água é vital para o desenvolvimento sustentável das cidades e os seus habitantes. Enquanto as cidades crescem e as suas populações aumentam, a escassez de água está a tornar-se um constrangimento maior ao desenvolvimento urbano.

A instalação de novas fontes de água é deveras cara e a falta de um sistema de abastecimento acessível à população, em combinação com o desperdício descontrolado, resulta em meios cada vez mais poluídos, degradação ambiental e propagação de doenças.

Abastecimento de água potável

Em Moçambique, o abastecimento de água potável para consumo humano é considerado um dos principais problemas para a sobrevivência e melhoria da qualidade de vida das populações. A cidade de Maputo tem cerca de 1.800 mil de habitantes e estima-se que 45 porcento destes beneficia do fornecimento de água potável. E a outra parte da população depende de fontes de água subterrânea, os chamados Pequenos Sistemas. Porém, casos há em que as pessoas obtêm água de vendedores privados ou de simples furos.

A Água de Moçambique (AdM) possui, neste momento, cerca de 77 mil consumidores, entre domésticos e industriais. Segundo o Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), em Maputo existem cerca de 97,704 ligações domiciliares e 311 fontanários, que são abastecidos a partir dos centros distribuidores de Matola, Machava, Chamanculo e Maxaquene, através de uma rede de condutas de cerca de 900 km. Além do sistema principal, existem pequenos subsistemas que são abastecidos a partir de furos, nomeadamente o da Ka Tembe, que é constituído por um reservatório elevado e sete furos que abastecem cerca da 345 ligações.

Em Dezembro do ano passado, o FIPAG inaugurou seis novos Pequenos Sistemas de Abastecimento de Água nos bairros de Zimpeto, Magoanine B e Albasine, os quais são alimentados por furos com capacidades que variam entre 13 e 31 m³/hora e abastecem cerca de 30 mil pessoas através de ligações domiciliárias e fontanários, num investimento orçado em aproximadamente 37 milhões de meticais. A construção destes pequenos sistemas enquadra-se nas acções previstas ao abrigo da implementação do projecto de Reabilitação, Reforço e Expansão do Sistema de Abastecimento de Água ao Distrito de Boane e aos Municípios de Maputo e da Matola.

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