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SELO: O conflito Governo-Renamo resulta da informalização da política – Por Coutinho Fernando

O conflito não emerge por acaso, mas sim, resulta de inúmeras informalidades implantadas no processo de governação e negociação entre as elites políticas nacionais que mesmo tendo jurado respeitar e fazer respeitar a Lei-mãe (Constituição) acabam passando por cima dela porque nada mais importa do que usar mecanismos informais para delinear estratégias que assegurem a satisfação das necessidades e vontades de cada um (Governo-Renamo) e não da colectividade. Transformam, desta maneira, a arena política num autêntico campo de disputa pelos recursos de que o país dispõe mesmo sabendo que os nossos recursos nunca foram nossos e sim de quem injecta dinheiro para sua exploração.

Mas o que seria informalização da política? Um processo de governação caracterizado pela prevalência do clientelismo, que pressupõe a relação entre “patrões-clientes”, visando fins lucrativos para manter o domínio na arena política (Chabal e Daloz, 1999).

Este fenómeno desponta em Moçambique desde que verificou-se o boom dos recursos naturais que veio agudizar o discurso de exclusão entre o partido no poder (Frelimo) e a considerada maior força da oposição moçambicana (Renamo) que se auto-intitulam legítimos detentores de direitos reivindicativos sobre os recursos administrado pelo Governo do dia.

No entanto, está disputa resulta da corrida desenfreada pelos recursos, onde cada um quer obter ganhos dos investimentos alocados no petróleo, gás, carvão, pedras preciosas e entre outros que viraram maldição para o país porque transformou o território moçambicano num campo de batalha, o sector agrícola num campo improdutivo com reflexo no incremento de preços e importações de produtos de primeira necessidade, num campo de luta pelo poder recorrendo a meios informais e desrespeitando o princípio da hierarquia das leis e mandando passear a Constituição.

Se recuarmos a história encontramos essa informalidade quando verificava-se uma contradição entre o plasmado na lei e aquilo que era feito pelo governo-partido, onde o árbitro também era concorrente e resultado disto o clientelismo agudizou-se na administração pública, as instituições frelimizadas com a criação de círculos nas sedes dos bairros, administrações distrititais, provinciais e ministérios que demonstrava o apoderamento completo do direito do uso legítimo da força para salvaguardar seus interesses em detrimento da colectividade gerando assim a insatisfação popular com uma ideologia contrária ao da Frelimo.

Com a independência essa informalização foi se consolidando porque as normas foram criadas para que acobertem o informalismo e clientelismo exacerbado na função pública, que outrora transformara-se em Administração “Frelimiana”, uma vez que o uso da força serviu para criar barreiras legais aos oposicionistas e desta forma impedir que tenha acesso ao campo político, definir as directrizes da governação com base na vontade dos dois actores (Governo-Renamo) e criando uma plataforma deliberativa paralela ao parlamento.

Refiro-me as negociações para a paz no pós-guerra e pós-independência que têm como palco o Centro de Conferências Joaquim Chissano, onde serve como um segundo parlamento onde tem poder de criar leis, criminalizar o Estado , através do uso da informalidade para fazer da governação instrumento de chancelamento de vontades partidárias e não no garante do bem-estar, discussão de assuntos relevantes para o Governo-Renamo e ignorando as reais necessidades do país, tais como a insustentabilidade da dívida, inexistência de políticas de criação de infra-estruturas que facilitem o escoamento do pouco que se produz internamente, a culpabilização dos contraentes da dívida oculta, adopção de medidas que possam reduzir a inflação, a reorganização da desorganização governamental, a eliminação da incapacidade de gestão de conflitos e problemas inerentes ao processo de governação e a eliminação da partidocracia a favor da plena democracia, a intervenção mais audaciosa do Banco de Moçambique para reverter a deficiente saúde económica de que o país se encontra, entre outras adversidades que tende a transformar a arena política num campo bipolarizado e bipartidário.

O que está acontecer no campo político moçambicano é que já é difícil efectivamente perceber se trata-se de uma esfera cívica (pública) e ou pessoal, tendendo mais para o segundo elemento facilitando assim a atribuição de cargos governativos aos clientes do clientelismo (Frelimo), além de acordos sustentados pelo profissionalismo e competência característico do Estado moderno. Estamos numa função pública(partidária) anormal, disfuncional, caracterizado pela ineficiência governamental e administrativa, desregramento económico, político, social e cultural, resultante da informalidade política extrema.

Aliás, os detentores do poder usam a função pública como instrumento de acumulação de capital para seu próprio benefício e além da personalização do campo político, incluindo o recrudescimento de disputas políticas personalizadas e localizadas em dois polos partidários (Governo-Renamo). Este elemento contribui para que se repercuta a reprodução de lideranças patrimornialistas, incompetentes, desonestos, ocorrência de eleições geradoras de conflitos e surgimento de elites dirigentes ilegítimas que ainda mostram-se incapazes de resolver os problemas dos moçambicanos.

Ao contrário do que acontece um pouco pelo continente negro, onde os jovens são usados como moedas de mobilização da oposição para romper o regime vigente, em Moçambique esta faixa etária serve de cobaia do partido no poder (Frelimo), que são usados nos pleitos eleitorais para perpetrar ilícitos e fraudes, desde o processo de inscrição de eleitores, duplicação de eleitores, enchimento de urnas, manipulação do processo de contagem e divulgação de resultados. Esta situação toda ocorre porque estamos no Estado informalizado, onde a lei é uma letra morta, onde a juventude não crítica, onde o povo têm medo do governo mas devia ser o governo a ter medo do povo, porque o poder num jogo democrático reside no povo.

Estamos num país onde a juventude esta conformada com a ineficiência governamental e administrativa, com a disfuncionalidade da máquina judicial, legislativa e executiva, da inexistência de pensamento liberal, pluralista e democrática, da aceitação passiva da violação sistemática dos direitos humanos, da ausência da boa governação e da falta de vontade do ajustamento estrutural do jogo político e da actividade administrativa e governamental.

Contudo, o que torna Moçambique ainda vivo são os impostos que mantém a respiração da função pública, com enfoque para o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), sendo a maior percentagem na região austral (17% contra os 14% da média regional), devido ao fortalecimento do espírito capitalista, do aprofundamento da informalidade política-institucional, da preservação do patrimonialismo e seu enraizamento na consciência dos funcionários públicos, entre outros síndromes de que o país padece.

Por outro lado, o conflito tem um rosto de erros históricos, de contas mal resolvidas entre a Renamo-Governo, da ausência da consciência de causa nacional, de inexistência de um projecto de sociedade, por parte de quem governa e de quem faz oposição, da falta de cultura de paz e de tolerância política, da falta de redistribuição ou plataforma de redistribuição de poder político entre os demais actores e resultado disto é o conflito que prevalece como uma forma de reclamar alguma hegemonia na arena política, de usufruir o poder a todo custo e a criminalização das regras do jogo democrático, por parte da Renamo que se considera vítima do sistema frelimista.

A reclamação até pode ser legítima, mas o problema reside no uso da exclusão como bandeira e em contrapartida excluir o povo do seu projecto de governação e cometendo o mesmo erro da Frelimo. “ Lutamos por isso, merecemos governar, trouxemos a democracia, ganhamos seis províncias e temos de montar nossa máquina administrativa e governamental”, estes discursos são característicos de quem tem sede de poder e que olha na via violenta como única via para conquista-lo, porque o partido no poder tudo faz para manipular os processos eleitorais e desta forma agudizar as mazelas da Renamo.

Por Coutinho Fernando

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