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SELO: Empregadas domésticas e suas patroas – Por Júlio Khosa

Empregada doméstica, tia ou secretaria, seja qual for a denominação daquela pessoa que desempenha as funções domésticas, mas que não seja da família, e que as exerce para ganhar alguma coisa no fim de cada mês. Aquela que pela natureza do seu trabalho devia ser uma ajudante da dona de casa. Quem olha para ela como uma pessoa digna de todo o respeito? Quem a defende?

Todo o dia, ao levantar-me, preparo-me e corro para a paragem “Madeira”, no bairro Nkobe, onde em seguida apanho chapa até à estação ferroviária da Matola Gare, com a finalidade de tomar o comboio que parte para a cidade de Maputo todas as manhas. Este meio de transporte aparenta ser o mais viável devido à ausência de congestionamento no seu trilho.

Bem! O importante, aqui, não é a minha rotina diária, é o local onde se desenrolam as conversas que pretendo deixar ficar, das empregadas domésticas. Pude notar que a maior parte delas vive em bairros periféricos das duas maiores cidades do sul do país (Maputo e Matola).

Nas suas conversas, há um denominador comum, OS MAUS-TRATOS! Porém, nem todas são mal-tratadas, mas em termos percentuais, posso especular que mais de 90% são as que sofrem nas mãos das suas patroas.

Notei que as empregadas domésticas onde trabalham, na maioria dos casos, chegam a realizar qualquer tipo de actividade, pois não há nenhum documento escrito (contrato) que delimita o que é que elas devem fazer ou deixar de fazer. Por mais que a patroa não seja uma funcionária de uma empresa ou instituição pública, sendo aquela que permanece em casa, não sabe reservar algumas tarefas domésticas, como aquelas íntimas que lhe dizem respeito para exercer como esposa. Chega a deixar tudo para ser feito pela empregada, arrumar a cama, lavar a roupa íntima, limpar ou embelezar o quarto dela, engomar, etc, etc.

Elas, as empregadas domésticas, concluem que essas patroas preguiçosas são muito exigentes! Andam atrás delas para verificar os erros e depois proferir, como prémio, uma chuva de palavras ofensivas, de desprezo e são obrigadas a repetir a tarefa, com rigor, até que atinjam a perfeição. Comentam, algumas delas, ao longo da viagem no comboio, no chapa, no my lote ou no machimbombo, que são proibidas de se sentar perto das suas patroas. Caso isso aconteça, de imediato são questionadas se acabaram as tarefas! Mesmo que tenham concluído todos os afazeres, a patroa inventa sempre alguma coisa só para que estas senhoras não fiquem desocupadas.

Uma lembra-se de que ao chegar na casa da patroa a sua bolsa é vasculhada para saber o que traz para, a posterior, ao sair, certificar-se de que ela não terá levado alguma batata, cebola, tomate ou qualquer outra coisa sem permissão. E, ao arrumar a cama, exige-se que estique bem o lençol para que nenhuma ondulação se note. Pouco tempo depois, as crianças da patroa, depois das refeições, vão brincar nos seus quartos, onde desarrumam tudo e a culpa é atribuía à empregada, alegando-se que ela é que não tinha arrumado a cama das crianças.

Uma outra empregada lembra-se de que no dia que tinha de receber o salário somente tinha a hora de entrada e não tinha a hora de saída, pois a patroa afirmava que para receber tinha que trabalhar, e que o dinheiro não vinha do acaso! E qual dinheiro? No máximo 2.500 meticais. Um salário abaixo do salário mínimo moçambicano! Injustiça! Outras auferem 1.800 meticais ou 2.000 meticais, a trabalharem feitas escravas! Ela são empregadas domésticas e são tratadas como tal inclusive pelas crianças das suas patroas! “Ela é minha empregada”, assim o dizem os petizes.

Há quem já se deparou com uma situação em que as crianças da patroa lhe chamavam de tia e a mãe proibia que assim a tratasse, pois, ela não era sua irmã. Tinham que lhe chamar de empregada. Esse termo parece pejorativo, não é? Outros patrões, para evitar esse termo que parece desprezível, recorrem ao mais sofisticado, “minha secretária”!

Esse problema que não parece problema para quem o promove, fomenta a preguiça e o mimo nas crianças que futuramente passarão a repetir os mesmos males que não permitem boas relações entre diversas classes e extractos sociais. Um ditado refere que “o trabalho manual faz o homem”, isto é, é o trabalho que dignifica o homem. Que tipo de sociedade se pretende construir quando os pais ensinam aos filhos a não valorizarem a pessoa que assegura que toda a família viva asseada? Que tipo de educação os pais transmitem aos filhos quando incutem neles a preguiça, fazendo com que as meninas, por exemplo, saibam apenas pintar as unhas, pintar a boca de batom, esticar manipular os telemóveis e assistir a telenovelas?

Os relatos das empregadas domésticas são vários mas queria exortar a todos no sentido de se olhar para esta gente como humana e que é igual a nós. Proponho que as empregadas domésticas passem a exigir um contrato com a pessoa para a qual vai trabalhar para que se defina claramente quais devem ser as suas tarefas dentro de casa e a que devem iniciar e terminar. Nada de exploração.

Por Júlio Khosa

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