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SELO: A vala dos comuns – Por Justiça Ambiental

Diz quem sabe do assunto que a proximidade entre o espaço residencial e a área de produção agrícola é uma das principais características das comunidades rurais moçambicanas. Como tal, a deslocação compulsiva de agregados familiares afecta lógica e significativamente o seu espaço produtivo e consequentemente ameaça a sua segurança alimentar.

Há pouco mais de uma década os jazigos de carvão na Província de Tete, em Moçambique, tornaram-se alvo da cobiça de várias multinacionais do sector mineiro. Em troca de um alegado precioso contributo para o desenvolvimento do país, a exploração desses recursos foi-lhes entregue. Negligentemente, foi-lhes igualmente entregue o destino de inúmeras comunidades locais que – através da agricultura de subsistência, da pecuária, da olaria ou mesmo do garimpo informal, entre outros – viviam sobre esses jazigos há incontáveis gerações. A Justiça Ambiental (JA) viajou este mês até Tete para ver como estão alguns dos muitos reassentados da Província.

Com o apadrinhamento do governo moçambicano, em 2009 e 2010 cerca de 1500 famílias das comunidades que ocupavam as áreas hoje exploradas pelas mineradoras Vale e ICVL foram indecorosamente reassentadas em locais impróprios, onde a escassez de água, a pobreza do solo e/ou o isolamento do local por si só, colocaram a sua sobrevivência em risco de forma flagrante.

Apesar das inúmeras denúncias, dos protestos e manifestações e de toda a controvérsia que nos anos subsequentes envolveu os reassentamentos de Cateme, 25 de Setembro e Mwaladzi, em Agosto de 2013 a Jindal Steel e o governo de Moçambique fizeram o que muitos achavam impossível e “subiram a parada”. Na altura, inacreditavelmente, o então Presidente da República Armando Guebuza inaugurou pessoalmente mais uma mina gigante na Província: Chirodzi, uma mina de carvão a céu aberto em cuja área de concessão – à espera de ser reassentadas e sujeitas a condições extremamente insalubres – até hoje vivem centenas de pessoas.

Os que tiveram a “sorte” de ser reassentados, hoje, quase sete anos depois, continuam à espera que as promessas de trabalho e de melhores condições de vida feitas pelas mineradoras (e previstas por Lei) se materializem. A maioria reclama há anos que as suas zonas de origem reuniam muito melhores condições (nomeadamente aquelas oferecidas pela própria natureza, como por exemplo o acesso à água) do que as zonas onde foram colocados.

A verdade, é que mineradoras e governo são directamente responsáveis pelas condições deploráveis em que estas pessoas hoje sobrevivem e que tivemos a tristeza de testemunhar. Sem água suficiente para viverem condignamente; sem acesso a uma rede de transporte público minimamente funcional (e como tal privados de aceder a hospitais, tribunais, escolas e fontes de rendimento fora das áreas de reassentamento); servidos por postos de saúde construídos “para Inglês ver”, que nunca têm medicamentos e onde ninguém quer sequer trabalhar, quanto mais ser atendido; estas gentes estão condenadas ao esquecimento.

As entidades governamentais competentes, desavergonhadamente, não parecem estar interessadas em zelar pelo seu bem-estar. Hipotecado por força das circunstâncias, o futuro das várias crianças desses novos aldeamentos parece hoje muito menos promissor do que antes da chegada dos grandes empreendimentos. Pelo menos então o ar era mais puro, a comida suficiente e a água abundante.

Seguindo à risca o modus operandi da sua indústria, para limpar a sua imagem algumas mineradoras estabeleceram nos reassentamentos alguns projectos ditos “de geração de renda”. No entanto, estes padecem dos mesmos males que, à partida, minaram o sucesso dos reassentamentos: mais uma vez as comunidades não foram devidamente auscultadas e não houve transparência na selecção de beneficiários.

Aliás, vários relatos que nos foram feitos recentemente denunciam o facto de serem mormente os líderes comunitários os principais beneficiários destes projectos. Algumas denúncias indicam mesmo que pessoas estranhas às comunidades reassentadas estarão a tirar proveito destes programas.

Ilhados, apesar de estarem próximos de algumas das zonas “quentes” do actual conflito militar que aflige o país, estes Manyungués não parecem estar muito preocupados com a guerra. Pudera! Ao contrário dos corpos alegadamente encontrados há semanas na Gorongosa, estas gentes foram atiradas para a sua vala comum ainda vivas. E lá permanecem.

Por Justiça Ambiental

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