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SELO: A minha liberdade foi invadida

Lembro-me daquela quarta-feira (20 de Dezembro de 2017) como se fosse hoje. Trabalhei a madrugada toda em casa, sentadinho, ouvindo músicas que me inspiram a presença de Deus e só recolhi-me a cama as 4H da manhã (21 de Dezembro de 2017) depois de ter finalizado a paginação de dois books (foto albúm). Acordei as 7H para iniciar a minha rotina de vida, fui ao estaleiro a mando da minha madrinha e depois entrei num chapa e já ia a gráfica para imprimir os books quando a minha amada companheira liga-me:

– Pai, esta cheio de policias aqui em casa. – Aterrorizada

– Policias! Querem o quê? – Questionei

– Dizem que encontraram uma peça de um carro roubado aqui no quintal.

– Ok, se encontraram tudo bem, deixa levarem e irem embora!

– Pai tens que vir porque eles estão a revistar a casa toda.

– Podem revistar, eu não vou deixar meus a fazeres por causa disso. Estou no chapa, é para fazer o quê assim?

Caiu a chamada. Não demorou logo de seguida o celular volta a tocar, era ela:

– Pai, tens que vir, estão a levar-me a esquadra. (chorando)

Rapidamente desci do chapa, corri para casa uma distância de mais ou menos 1Km e lá estavam os vizinhos todos curiosos a volta da minha casa e 3 carros um deles era um Toyota Conquest.

Entrei, e estavam os 9 agentes da PIC dentro do meu quarto a vasculhar tudo menos nada. Ao me verem chegar:

– O senhor é o dono da casa?

– Sim.

– Encontramos esta peça ali (apontando o cerco de espinhosa da minha casa). Onde esta o carro?

– Que carro?

– O carro que você roubou?

– Eu, roubar carro? Nunca roubei carro nem nada de ninguém!

– E estas 3 chaves de fenda, encontramos aqui no quarto. São de quem?

– As chaves são minhas.

– Então você sabe do carro (afirmou o chefe deles Sr. mondlane). Recolhe esse! Deixa de mexer o celular Senhor!

– Estou a ligar para o advogado.

– Advogado o quê, você pensa que estamos a brincar aqui? Desliga o celular e entra ai no carro!

Sem mais força nem para falar, entrei no Toyota Conquest. Pelo caminho, perguntava sobre a localizacão do carro e dizia taxativamente que eu sabia do assunto.

Na esquadra da Liberdade por volta das 9H

Chegado a esquadra apenas ordenaram a Oficial de permanência Emília que me recolhesse ao calabolço, e a mim que entregasse todo que eu trazia nos bolsos, tirasse o cinto e recolheram-me.

Soube depois da minha soltura que os agentes voltaram a minha casa revistaram a casa toda, desde a minha caixa de ferramentas, na cozinha, sala, levantaram o meu colchão, a minha base feita de pedaços de paletes, em fim, tudo sem deixar um canto da casa sem revistar. Deixaram a casa toda bagunçada, tendo a minha companheira arrumado tudo de volta. Voltaram a esquadra, tiraram-me da cela para a sala onde atendem problemas de violência doméstica e estavam lá:

1- Mondlane

2- Tivone

3- Um fortinho escuro

4- Um clarinho, baxinho, magro.

Questionou-me o Mondlane:

– Diz lá! – Dizer o quê?

– Onde esta o carro?

– Que carro?

– O Alion que você roubou.

– Eu não sei nada de carro nenhum. Nunca roubei carro. Não vendo carros e nunca pretendi fazê-lo.

– E esta peça que encontramos na tua casa?

– Os senhores e que dizem que encontraram na minha casa. Dentro da minha casa é que não estava.

– E estas chaves de fenda são de quem?

– São minhas.

– Você é electricista?

– Não.

– Então porque tem chaves de fenda?

– Porque na minha casa quem muda o bocal sou eu, quem muda o interruptor sou eu, quem troca as fichas sou eu. Eu sou uma pessoa organizada. Tenho serrote, martelo, enxada, catana e outras ferramentas em casa.

– Este esta bem instruído.

– Disse o Mondlane

– Mas o carro esteve na tua casa da 1H as 2H! – Disse o Tivone.

– O senhor é que diz que o carro esteve na minha casa. Eu garanto que dentro da minha casa não estava porque a essa hora eu estava acordado a trabalhar e não ouvi nenhum movimento.

– Você faz o quê?

– Sou desenhador gráfico.

O agente fortinho escuro aproximou-se de mim em tom ameaçador e levantando a mão a altura da minha cara e disse:

– Você não brinca aqui, isto é uma instituição sabe?

– Sei sim e respeito, por isso estou a dizer a verdade para vos ajudar. Eu já disse que não sei de nada. Levo uma vida simples e sou feliz assim como estou. Recolheram-me de novo ao calabouço.

Santo Deus!

O tempo foi passando, conversando e aconselhando os outros 5 prisioneiros que ali estavam.

Dois deles havia roubado celular de uma vizinha para poderem vender e consumir drogas. Estes foram soltos depois dos familiares terem pago 5.000Mt por cada um.

Outros dois roubaram um espelho lateral do carro de uma vizinha e decidiram devolver só que esta levou-lhes a esquadra para castiga-los um pouco e depois retirou a queixa só que saíram depois dos familiares terem pago 2.500Mt por cada um.

O outro estava envolvido num caso de agressão a um indivíduo que inválido a sua residência, este saiu duas semanas após a sua apreensão.

No dia em que fui preso, foi recuperada uma viatura Toyota IST Branca que foi roubada junto com o Toyota Alion pelo qual estava a ser acusado. O estranho é que não entrou ninguém preso que tenha sido encontrado com a tal viatura. O dia se foi, tentando superar as más condições de higiene dentro da cela dormindo no chão, suportando os mosquitos, fazendo necessidades menores dentro de garrafas de água ou refrigerante.

No dia seguinte, 21 de Dezembro de 2017

Nada de banho, lavar os dentes, fazer necessidades maiores. Estavam todos preocupados com os preparativos da festa que havia no expresso.

Apareceu um jovem advogado para acompanhar o meu caso, falei com ele contando tudo, este depois de conversar comigo foi informado que eu já tinha antecedentes de roubo de carro por isso o meu caso era complicado.

Quando nas primeiras horas da tarde chegaram os agentes da PIC com uma viatura Toyota Alion e dois indivíduos acusados de terem roubado o carro. Estes levaram porrada com a palma de uma catana até que um deles coxeava e durante a noite quase que não dormiu de tanta dor que sentia.

Em conversa com os novos hospedes eles contaram o seguinte:

P1 – Falamos com alguém ontem que precisávamos de comprar um carro. Hoje ligou a dizer que já tinha o carro, fomos a T3 vimos esse carro que esta ai fora Tayota Alion, aquele senhor falou de 160.000Mt, vimos que estava barato decidimos comprar. Entrei no carro para experimentar e fomos até bairro do Jardim em casa do meu primo que era para guardar lá o carro e só imos buscar depois de concluir o pagamento porque só íamos pagar uma parcela e a outra íamos pagar na segunda ou terça-feira. Chegamos no jardim pagamos 95.000Mt o senhor de cabelos brancos que nos vendeu o carro foi embora e ficamos a espera do meu primo para abrir a garagem. Ficamos uns 10 minutos a espera, de repente aparecerem os agente com armas nas mão e levaram-nos para aqui. Estamos a dizer que podemos mostrar quem nos vendeu porque ainda não pagamos todo dinheiro e eles não querem saber, insistem e dizer que somos ladrões de carros.

Mais um dia se foi, e eu sem poder falar com a minha família, preocupado com o cliente que encomendou o book e já tinha pago, meus telemóveis desligados, imaginava apenas o que o cliente estava a pensar de mim (um aldrabão – penso), como esta a minha esposa sozinha em casa, insegura e triste com toda esta situação. Foi difícil mas mais uma night se foi.

No último dia, 22 de Dezembro de 2017

Mesma situação sem banho, sem lavar os dentes e sem fazer necessidades maiores. Chegaram os homens da PIC, tiraram o comprador do carro, puseram-lhe sentado a beira do portão da cela e mandaram ligar para a família e/ou amigos a exigirem 200.000Mt para a soltura dos dois e sem esquecer de enviar 500Mt de crédito para compensar o que estava a gastar. O comprador do carro desesperado fez várias chamadas para conseguir o valor, inclusive algumas vezes ele pedia emprestado prometendo que a sua saída haveria de pagar.

Nós outros, dentro da cela só abanávamos a cabeça a lamentar.

Eu estava a morrer de raiva porque não me soltavam e nem me diziam nada a respeito do assunto, final estavam a cobrar 50.000Mt para a minha soltura!

Meus irmãos coitados endividaram-se e só conseguiram 15.000Mt, babaram os homens até que só me soltaram as 21H.

– Não é para você desaparecer, falamos com chefe para ti deixar ir passar o natal com tua família porque estamos a ver a tua esposa e teus irmãos como gostam de ti. Na terça-feira é para voltar aqui. Tuas coisas vão ficar aqui para você voltar.

Terça-feira fui entregaram-me o celular e documentos mandaram-me voltar na quarta-feira foi quando entregaram-me as minhas ferramentas, cinto, cópia de recibo do estaleiro, rolo de fita isoladora, um cabo de alimentação de PC. Faltando a devolução de um flash de 8 Gb e um valor monetário de 1.926,50Mt que estavam na posse do agente Mondlane este que transferiu via M-Pesa para mim e só no dia 28 de Dezembro 2017 é que me devolveu o flash que nele continha o trabalho que havia feito naquela madrugada anterior a minha prisão.

Consequências

Para além do tempo perdido sem culpa alguma que fiquei encarcerado correndo o risco de contrair doenças pelo mau estado de higiene do local e a falta de condições para a minha higiene pessoal é de se destacar a má-fama que ganhei na zona em que vivo, hoje basta apenas procurar saber em casa de um moço que esteve envolvido no roubo de um carro que facilmente localiza-se a minha casa.

– Sou visto como “LADRÃO DE CARROS”.

– As crianças da zona disseram a minha filha de 3 anos (no dia da minha prisão estavam todas as crianças de férias em casa de uma prima minha) que teu pai foi preso.

– O cliente que já havia pago o trabalho perdeu a confiança em mim, mas tive que imprimir mesmo sem recurso financeiro e fazer a entrega dos álbuns.

– Fiz uma divida de 5.000Mt na gráfica onde imprimo apenas para não ficar mal com o cliente.

– De lá para cá não sou visto com bons olhos pelos crentes irmãos da igreja que eu frequento e estou a estagiar como pastor por ser estudante do Seminário. Isto tudo sem poder definir o meu sentimento em ralação aos órgãos da lei e ordem bem como da justiça do meu país pela qual não sei se confio ou se algum dia voltarei a sentir-me seguro depois de tudo que aconteceu e vivi na pele o sabor da injustiça.

Eu me pergunto:

– Logo eu que muitas vezes chamei atenção as pessoas distraídas nas ruas quando percebia que elas corriam perigo, que procurei proteger a quem eu sentia que podia cuidar, eu que um dia quando adolescente sonhei ser policia!

Será que se o meu filho quiser ser policia eu vou apoia-lo! Será?

Qual é o orgulho que eu tenho do país que me viu nascer, país que um dia eu pensei ser o melhor do mundo e ouvi dizer pela boca de estrangeiros que Moçambique é Maningue Nice!

Divulgado anonimamente, a pedido do autor

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