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“Se fosses lésbica, estarias do meu lado ou do lado da tua parceira?”

“Se fosses lésbica

Desta vez, o Grupo de Teatro Girassol desprendeu-se das regras de encenação. Recorrendo a um quarto, rico em “singularidades e lugares-comuns” introduziu, de forma subtil, o controverso tema da homossexualidade para debate na esfera pública.

Com um enredo equilibrado, aspectos cómicos no lugar certo e cenários simples – um quarto –, a peça chama- -se “O Quarto”. Na intriga, Sheila – que é casada com Fred – aproveita- se muito bem das leis que a protegem, enquanto mulher moçambicana.

Até porque “precisamos de ter uma visão dinâmica de nós mesmos. A vida é um movimento, uma mutação constante. Temos que mudar. Não podemos viver despedaçando-nos”.

Para a actriz, que se expressa numa peça em que a vida dos homens e mulheres se celebra das mais variadas formas, os casamentos e divórcios que se fazem, desfazem e refazem levianamente na sociedade, só têm uma explicação:

“Vocês, os homens, são diferentes. O vosso amor dura o tempo de uma tesão. Uma tesão de pavio curto. Logo, o que me queres dizer, Fred, é que a tua tesão terminou. E tens de ir à luta”.

E mais, “será possível que o teu amor se reduza a um festival de tesões?”, questiona a Fred – o marido que até então, não é diferente dos que muito rapidamente se cansam da novidade do casamento.

Ou seja, até este nível a discussão é igual a qualquer outra que se desencadeia entre cônjuges. Muito em particular quando se recorda que no mundo actual, globalizado, onde o domínio das tecnologias otorna cada vez mais globalizante, existe um instrumento, que apesar de ser “privado, individual e intransmissível”, quando toca na calada da noite alimenta animadas desconfianças entre casais.

A gravidez que atenua a crise

Apertado pelo sapato – como dizem os músicos – o melhor é trocar. Mas o excesso de zelo pela mulher não permitiu que Fred partisse para outra relação. Na verdade, o que é mais aborrecido para Sheila, esta mulher metida à moderna, é perceber que “tu nunca pensaste que eu existo independente de ti”.

Ao que tudo indica, fingir chega a ser melhor do que sustentar uma relação instável. Na catarse da relação – prestes a abortar-se – encontra-se uma gravidez que apesar de dividir os cônjuges sobre o sexo do primogénito, preenche de cor e vida a relação.

E como tal, Fred – o pai – defende que o recém-nascido, a quem encherá de roupinhas cor-de- -rosa, bonecos ruivos, amarelos e loiros será uma menina. Por isso, pensa em pintar o quarto de cor-de-rosa e verde. Pelo que aconselha ambos a pensarem na filha que viria e esquecerem as desavenças que norteavam a vida do casal.

Se o filho for gay?

Com estados como Portugal, França, Nova York – no mundo – a aprovar oficialmente o matrimónio gay, uma pergunta não menos fútil, (muito em particular quando tomarmos em consideração que não sendo uma ilha, Moçambique é um dos países mais avançados em termos de legislação): “como (é) será abordada a questão das `liberdades´ sexuais no país”?

A verdade é que enquanto o Poder Legislativo reflecte sobre a questão, alguns cidadãos já alertam a família – o núcleo da sociedade – para se familiarizar como a realidade. Afinal, em “O Quarto” esta questão, apesar de actual e sabiamente colocada, horrorizou quase todos os espectadores.

“Amor, tu já imaginaste, o meu filho nascer bem bonitinho como eu? Crescer forte, saudável e elegante, para depois se tornar um gay?” Ou melhor, “imagina que o teu filho fosse gay?”.

Igual a muitos pais – para os quais o homossexualismo ainda é um mito – antes de ouvir a opinião de quem quer que seja, a actriz encomenda uma resposta simples, clara e objectiva: “eu acho que me matava”. E justifica. “Isso é perverso. O homem não deve mudar as regras da natureza”.

Uma visão diferente

Não tardou muito para Fred que não encontra “mal nenhum” no gayismo explicar que “o homem está livre de tomar as suas convicções”. E a este nível o actor refere-se aos Homens, incluindo “vocês, as mulheres”. Para afrontar-lhes com a teimosa questão: “se fosses lésbica, Sheila, estarias do meu lado ou do lado da tua parceira?”

A verdade é que, ao que tudo indica, esta questão continua um verdadeiro tabu por desvendar. Basta recordar que a nossa sociedade “é muito complicada”. Como consequência, “o seu conjunto de restrições, códigos de conduta, valores morais (…) tornam as pessoas mais perversas”.

Na peça, a incompreensão ao gayismo, por parte da sociedade, é um problema que atormenta os homossexuais que – devido ao estigma e descriminação por que passam – preferem viver isolados da sociedade. “Meu Deus – o mundo deve ser quadrado – o que custa compreender o desejo de uma pessoa?”, desabafa Fred.

Parece-nos que, para um desejo grotesco, quanto ao ser homossexual, talvez a pergunta não esteja bem colocada. Não tenha pertinência de ser colocada. Porque, convenhamos, “isso é diabólico”. Muito em particular quando nos explicam que estão simplesmente a “fantasiar”.

A confissão

Grosso modo, em “O Quarto” cada situação cénica é um espaço de reflexão. Por exemplo, o pedido tardio do divórcio, porquanto Sheila – a sua mulher – se encontrava “gasta e grávida”, valeria a Fred explicar “quem seria tal mulher”. Se seria “mais bonita, mais formosa, mais elegante” ou porque “tem o melhor curandeiro”.

Debalde, a explicação para estas perguntas Fred não poderia dar. Afinal, pretendia trocar a esposa – com quem vivera por longos – por um homem.

“Não me condenes – como os outros o fazem – não sou o homem que te pareço. Eu gosto de homens. Eu e o Rafael, o teu padrinho, estamos juntos desde a infância. Casei-me contigo para evitar que as pessoas falassem”.

É desta forma que a Associação Cultural Girassol, que muito recentemente encerrou o VIII Festival de Inverno com a peça “A morte chama” promoveu um debate sobre o tema das liberdades sexuais no Centro Cultural Franco-Moçambicano.

“O Quarto” é um retrato da realidade vivida nas quatro paredes por um casal. Uma realidade pictórica mas ao mesmo tempo grotesca. Afinal, “se pudéssemos ver o que acontece em cada quarto, talvez não nos dirigíssemos a palavra na manhã seguinte”.

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