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São Dâmaso e Ndlavela onde o terror predomina

São Dâmaso e Ndlavela onde o terror predomina

Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVIII, disse que “Lupus est homo homini non homo”, ou seja, “o homem é o lobo do homem”. Esta sentença encaixa-se perfeitamente, pela negativa, no dia-a-dia dos moradores dos bairros de São Dâmaso e Ndlavela, no município da Matola, onde, à noite, um grupo composto por 23 indivíduos desconhecidos, que se faz transportar num minibus de marca Toyota Hiace, assalta residências, viola sexualmente, tortura, entre outro tipo de atrocidades, por vezes, na presença de crianças.

Há mais de um mês, medo das noites, desconfiança relativamente a quaisquer movimentos ou ruído, insegurança, incerteza do amanhã e nervos à flor da pele é o ambiente vivido pelos moradores dos bairros São Dâmaso e Ndlavela.

Os homens que protagonizam desmandos, na sua maioria munidos de armas brancas, com as quais aterrorizam e agridem fisicamente as suas vítimas, apoderam-se de bens tais como dinheiro, electrodomésticos e jóias. Desde que essas acções animalescas e semelhantes às que são vistas em filmes de terror de Hollywood iniciaram, duas pessoas foram detidas em consequência de uma rusga populacional.

Por conseguinte, os residentes daqueles bairros, por acharem que o crime de que são vítimas é combatível, bastando para tal haver vontade por parte de quem tem a obrigação de impor a observância da Lei e Ordem, desacreditaram no trabalho da Polícia de Protecção e decidiram organizar-se e patrulhar, com meios próprios, as suas zonas com vista a colocar a mão nos malfeitores.

Entretanto, no bairro de Ndlavela, há mais de duas semanas que na busca nocturna da população pelos supostos responsáveis pela sua aflição têm resultado actos de “depredação”, pois o esquema montado para o patrulhamento só contribui para aumentar a insegurança no bairro. No São Dâmaso acontece algo diferente, mas a população suspeita que os supostos criminosos sejam pessoas da zona e haja conivência da corporação nos malefícios de que são vítimas.

Neste momento, o sossego dos bairros a que nos referimos está condicionado por homens supostamente desconhecidos, que, para além de se aproveitarem dos mais fracos, popularizam a ideia de que o trabalho da corporação é ineficiente para assegurar que se viva num clima de paz e tranquilidade. Segundo os residentes, desde que se lançou o grito de socorro, a Polícia só patrulhou o local uma única vez.

E na tentativa de evitar que mais compatriotas ou vizinhos sejam “engomados” tal como já aconteceu com algumas pessoas há dias no Ndlavela e São Dâmaso, nesta última parcela do município da Matola alguns residentes vigiam os seus quarteirões enquanto os outros permanecem acordados.

Nunca se sabe quem será a próxima vítima, sobretudo porque em algumas casas os assaltantes deixam bilhetes dando a indicação de que a qualquer momento podem voltar para causar danos.

No São Dâmaso quase que não se dorme

Na sexta-feira passada, 26 de Julho, o @Verdade juntou-se aos habitantes de São Dâmaso para perceber como é que os habitantes se organizavam para “policiar” um bairro como aquele. A nossa ida ao local exigia que na tarde do mesmo dia fôssemos ao encontro dos moradores para sermos reconhecidos a fim de não sermos confundidos com os supostos assaltantes, tal como nos aconteceu no Ndlavela.

O policiamento inicia à meia-noite, mas, por volta das 23h:00, altura em que chegámos à zona, concretamente na famosa rua um, encontrámos quatro agentes da Polícia de Protecção a patrulharem a entrada entre os bairros Patrice Lumumba e São Dâmaso. Uma hora depois, os polícias desapareceram e a insatisfação dos moradores agudizou-se, uma vez que eles acreditam que os meliantes actuam com frequência de madrugada. É nessa hora que a corporação devia intensificar o seu trabalho. Aliás, especula-se igualmente que alguns membros da corporação colaboram com os assaltantes.

Por volta das 23h:30, centenas de voluntários, sem distinção de sexo, concentram- se na rua sete munidos de apitos, paus, martelos e outros objectos contundentes e delineiam as estratégias da patrulha. Nessa reunião, criam-se grupos e são indicadas as respectivas áreas de actuação durante a madrugada.

Apesar de que o frio impera durante o amanhecer, a coesão dessas pessoas movidas pela necessidade de proteger ao máximo os seus parentes e domicílios contraria o argumento da Polícia, segundo o qual nas cidades de Maputo e Matola há mais roubos no período nocturno devido ao frio, pois os moradores tendem a dormir cedo e não se apercebem das incursões dos meliantes. Em São Dâmaso rondam- -se repetidamente as ruas consideradas principais focos de criminalidade. É difícil caminhar tantos metros sem encontrar um grupo de “vigias”.

Homens e mulheres perderam o medo das armas de fogo que alguns ladrões portam durante as suas irrupções malévolas e expõem-se ao perigo confiando apenas em paus, martelos e outros instrumentos. Segundo eles, desde que esse trabalho começou ainda não houve relatos de novos assaltos. De madrugada, qualquer pessoa não conhecida na zona é considerada de conduta duvidosa, por isso, é interpelada e revistada, incluindo os automobilistas.

Na rua sete, por exemplo, um condutor de uma carinha de caixa aberta foi inspeccionado e só seguiu viagem quando os homens do policiamento entenderam que não havia nenhuma anomalia. Minutos depois, outros indivíduos que regressavam do trabalho foram igualmente revistados. Assim têm sido os dias no bairro de São Dâmaso.

Na rua principal, que dá acesso ao bairro três carros suspeitos foram imobilizados e liberados quando se certificou de que não traziam nenhuns objectos estranhos. Às 02h:00 da madrugada, foi a vez do quarteirão 21. Houve idas e voltas em grande parte de becos maioritariamente sem iluminação pública que, por conseguinte, são também considerados focos de criminalidade.

No quarteirão 22, a rotina foi a mesma: circular de beco em beco munido de instrumentos contundentes em mão e pronto para agir em caso de uma eventual tentativa de assalto a alguma residência ou agressão de pessoas na via pública. Nessas caminhadas, as pessoas conversam sobre vários assuntos, porém, com as atenções nos movimentos e ruídos suspeitos, inclusive de viaturas. Aliás, outras duas viaturas foram interpeladas no quarteirão 22, mas nenhum malfeitor caiu nas mãos da população.

Às 03h:00, termina a ronda pelos diversos quarteirões do bairro de São Dâmaso. Contudo, a retirada dos grupos de patrulha dos seus locais de acção é paulatina, ou seja, sai-se um a um e as primeiras pessoas são aquelas que têm de acordar cedo para irem trabalhar. Enquanto isso, até às 03h:30 da madrugada os moradores mantêm-se acordados e prontos para tocar o apito ou gritar por socorro como forma de alertar os vizinhos sobre o perigo.

 

Dois suspeitos detidos

Segundo os próprios moradores, desde que o policiamento começou já foram detidos dois indivíduos indiciados de fazer parte do grupo que está a semear terror no bairro. Neste momento, estão a contas com a Polícia. Para além dessa prisão, a população que patrulha a zona abortou dois assaltos com recurso ao apito.

Polícia promete mas não cumpre

Há dias, o comandante provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM) visitou o bairro de São Dâmaso e prometeu reforçar o efectivo. Entretanto, os residentes notaram a presença de viaturas, de militares, da Polícia de Protecção e da Força de Intervenção Rápida (FIR) num único dia. Desde essa altura, nunca mais os agentes da Lei e Ordem foram vistos na zona. Revoltados, os habitantes decidiram vigiar o bairro por conta própria.

A madrugada é um perigo em Ndlavela

Neste bairro, centenas de indivíduos também têm-se reunido para patrulhar alguns quarteirões. Todavia, o que se supunha que fosse um trabalho de equipa e combate à criminalidade transformou-se numa bandalheira e num autêntico perigo para os próprios residentes. É que da forma como as rondas nocturnas estão organizadas, uma pessoa inocente e indefesa torna-se propensa a ser agredida ou mesmo morta por ser confundida com um malfeitor. Apurámos que há dias um casal foi gravemente ferido em consequência dessa “confusão”.

Na madrugada desta segunda-feira, 29 de Julho, o @Verdade esteve igualmente naquele bairro a fim de acompanhar as rondas efectuadas pelos moradores à noite. Constatámos que devido aos anteriores crimes associados à ineficácia da Polícia, alguns indivíduos da zona parecem não confiar em mais ninguém nem em nada, por isso, durante as patrulhas sitiam e amedrontam qualquer pessoa que encontrarem na via pública de madrugada.

Está instalado um clima idêntico aos cenários de “recolher obrigatório”, pois as mesmas pessoas responsáveis pelo policiamento afirmam que por essas alturas é proibido circular. No mesmo período, andar por alguns quarteirões do bairro de Ndlavela pode ser fatal, uma vez que os homens enveredam pela agressão caso não reconheçam o cidadão que interpelam.

Antes de chegarmos ao local (chamado círculo), onde supostamente são feitas as reuniões de distribuição de grupos de patrulha, em cada beco pelo qual passávamos encontrávamos indivíduos embriagados, munidos de paus, garrafas, ferros e outros objectos contundentes.

Apesar de que estávamos devidamente identificados, os supostos residentes interpelaram-nos com o objectivo de fazer justiça com as próprias mãos. Apurámos que tem sido assim desde que a patrulha nocturna iniciou. Por vezes, alguns moradores não dão tempo a ninguém para se explicar nem dizer de onde vem e para onde vai em caso de ser suspeito.

Num outro momento, quando chegámos ao Posto Policial de Ndlavela (ainda no círculo) vimos, de longe, enquanto confabulávamos com a corporação, alguns automobilistas a circularem intranquilamente e sem a incerteza de chegarem aos seus destinos. É que, ao invés de abrandarem a marcha na altura em que eram instados para o efeito, os condutores preferiam acelerar, pois temiam ser agredidos ou verem os seus carros vandalizados.

Por volta das 02h:00 da madrugada tentámos sair do “círculo” para um lugar provavelmente seguro. Contudo, essa intenção expunha-nos ao risco de sermos agredidos e perder o material de trabalho por causa das complicações que se intensificaram: o grupo de patrulha insistia na ideia de que éramos bandidos, por isso, não devíamos ir a lugar nenhum.

A Polícia daquele posto deu-nos uma “guia de marcha” que supostamente nos dava livre-trânsito com vista a participarmos na rusga nocturna com os residentes mas fomos barrados. O que podia ser uma viagem de trabalho tornou-se um “inferno” devido à dificuldade de nos “livrarmos” dos homens.

De repente, apareceu uma viatura da Polícia de Protecção que nos resgatou e escoltou o nosso Txopela até Zona Verde. Finalmente era a nossa salvação, porém, o fracasso de uma reportagem nos moldes em que havíamos “desenhado”.

Corporação sem meios para refrear a desordem

A Polícia disse-nos que está preocupada com a actuação dos moradores do bairro de Ndlavela, principalmente dos jovens, uma vez que já fizeram vítimas: espancaram, de forma macabra, duas pessoas, das quais um agente do Posto Policial de Ndlavela e um cidadão inocente que tentava defender-se dos delinquentes.

Este último foi ferido a catana na cabeça e, à semelhança do agente da PRM, encontram-se internados e sob cuidados intensivos no Hospital Central de Maputo (HCM). A corporação está ainda preocupada com a tendência de vandalismo que a patrulha dos moradores do bairro de Ndlavela está a tomar desde que começou, porque, para além de garantir a segurança e a livre circulação pessoas e bens, está a causar dor em algumas famílias e instabilidade no seio dos outros habitantes.

“Estamos cansados desses homens (referiam-se aos assaltantes de residências) que humilham as nossas famílias. Queremos fazer justiça com as nossas próprias mãos porque a Polícia nada faz para evitar que a onda de criminalidade aumente a cada dia que passa”, desabafaram as “patrulhas”.

Segundo os agentes da Polícia de Protecção que estavam de serviço na noite desta segunda-feira, o número reduzido de efectivos no Posto Policial de Ndlavela é que impede o refreamento das acções dos que vigiam a zona a que nos referimos. Acredita-se que haja indivíduos que possam fazer parte da rede de assaltantes que os próprios habitantes procuram.

A corporação, para além de criticar o trabalho feito naquele bairro por causa da falta de organização, diz que os indivíduos escolhidos para as rusgas estão a actuar de forma desnorteada que pode piorar a insegurança dos citadinos. Aliás, a título de exemplo, quando chega a madrugada quase que ninguém se movimenta de um lugar para o outro naquele bairro.

As barracas e outras actividades informais cumprem com rigor o horário de encerramento que outrora ia para além das 21h:00. Caso o grupo continue a agir de forma arruaceira e a protagonizar desmandos, as rondas serão interditadas, de acordo com a Polícia, que defende que patrulhamento não significa impedir a circulação de pessoas e bens na via pública.

Terror também em Nampula

A onda de criminalidade é igualmente uma realidade na cidade de Nampula. Pelo menos em Mukurua, uma zona do bairro de Napipine, a população queixa-se de assaltos protagonizados por indivíduos de má-fé. Por isso, criou-se um grupo constituído por jovens que, de há tempos para cá, tem assegurado a tranquilidade através de patrulhas. A partir das 20h:00 entra em vigor um recolher obrigatório, excepto para trabalhadores e estudantes nocturnos. Todavia, estes devem apresentar os seus “horários” aos homens da vigilância sob pena de serem confundidos com os malfeitores.

Enquanto isso, os bairros Mutotope, Muatala e Mutawanha são apontados como as zonas da urbe onde o crime, sobretudo à noite, é frequente, embora a PRM “sonegue” os dados estatísticos dando conta de que há um abrandamento de casos. Miguel Bartolomeu, chefe do Departamento de Relações Públicas no Comando Provincial da PRM em Nampula, considera que um dos grandes problemas com que a corporação se debate é a ausência da cultura de denúncia por parte de populares sobre a existência de quadrilhas nos seus bairros com vista a serem desmanteladas.

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