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Samora Machel : Um Sósia 20 anos depois

É militante do Partido Frelimo, desde a sua juventude. Nos tempos em que pertencia à OJM, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o primeiro Presidente de Moçambique Independente e tornou-se seu admirador. Foi no ano de 1977.

O nosso personagem tinha então 18 anos e Samora Machel, na plenitude da sua pujança de líder da revolução, já caminhava para os 44 anos de vida. Tudo aconteceu em Inharrime. O Presidente passou perto do Ângelo, pegou-lhe no ombro com vigor, gesto que o marcou para toda a vida.

Posteriormente veio para Maputo e passou a marcar presença em todos os seus comícios. Era o princípio de uma atracção que o encorajou a imitar-lhe os gestos e as reacções, trazendo-as agora “ao vivo” para educação e distracção de um Povo que tanta admiração ainda hoje conserva pelo seu líder perecido em Mbuzini. Falta de livros “obrigou” a imitação Vivia em Inharrime, onde estudou até à 4.º classe, em 1974. Veio a Independência e a revolução.

Era um apaixonado pela leitura, mas não tinha o que ler. A opção? – Para além de ouvir rádio e acompanhar com fervor as directivas dadas pelo Presidente de então, eu gostava de ler o jornal. Lia os discursos em voz alta e, mais do que isso, servia-me deles como matéria de estudo. Fazia tudo em privado, mas com muita paixão. Interiorizava o que ele dizia. Mais tarde, quando vim para Maputo trabalhar como motorista na Geologia e Minas, fazia as imitações para os colegas.

O Presidente Samora já havia falecido e eu trazia a sua imagem para o ambiente do meu serviço, onde pertenço à célula da Frelimo. Primeira actuação em público Daí às aparições públicas, terá sido um passo. Quando actuou pela primeira vez? – Os meus colegas incentivavam- me a fazer uma actuação pública. Eu não tinha coragem. Até que, num Conselho Coordenador do Ministério de Geologia e Minas em que eu estava como elemento de apoio, não havia nada preparado para a abertura. Foi então que o actual Vice-Ministro da Mulher e acção Social, João Cândido, na altura a trabalhar connosco me incentivou, dizendo: “apresenta aquela tua peça, para espevitar isto e nos tirar a vergonha”.

Ganhei coragem procurei um fardamento. O Ministro era John Katchamila. Conhecia-me mas quando actuei, já não sabia quem eu era. Foi um sucesso. Até falei para a população da área. No começo do CC, a peça provocou emoção e foi muito comentada. Ficaram admirados e perguntaram-me se tinha algum parentesco com o falecido Presidente. Ficou claro que não, até porque sou da Província de Inhambane e ele de Gaza. Depois comecei a aparecer em pequenos eventos do meu Partido, em casamentos e graduações.

Fui à Televisão algumas vezes, falar da minha arte. Apareço quando me convidam e tenho disponibilidade. Quando viajo em serviço, levo o meu material. O Norte do País, onde Samora fez vibrar multidões, já o conhece? – Fui a alguns locais históricos onde esteve o Presidente. Em Mueda, num 3 de Fevereiro, em Nangade, Matundo e Manica. Uma ocasião, o PCA da EDM convidou-me para os Jogos Escolares, em Inhambane e apoiou-me em meios para uma actuação. Costuma a ser remunerado? – Gostaria, pois é uma arte, mas compreendo que há dificuldades. Apoios? Fardamento e um par de sapatos Ângelo tem que se apresentar em público fardado à Marechal, com rigor.

Como consegue a roupa e o fardamento que têm que ser de 1.ª linha? – O Ministério da Defesa deu-me apoio na afectação dos “guarda-costas” e o Ministério do Interior forneceu-me a farda pingos de chuva. Os galões foram adaptados. Tive apoio de algumas figuras quanto às botas, que custaram 750 mil meticais. Não tinha dinheiro. Há coisas em falta, como sejam o relógio e as fardas de gala para mim.

Samora nos corações até nas zonas da oposição

Actuou em zonas dominadas pela oposição e mesmo aí, a resposta foi de grande entusiasmo… – É verdade! Samora Machel está mesmo no coração do Povo. Repare que actuei em zonas dominadas pela Renamo e o povo vibrou. Havia receios, em Nova Mambone, mas o sucesso foi total. Tenho uma linha de actuação e vou desenvolvendo à medida que sinto o calor e as reacções positivas das pessoas. Há casos em que me querem tocar, para saber se sou mesmo uma pessoa ou uma reaparição.

Discursos: não preparo, improviso! O brilho nos olhos, que reflectiam a esperança que sempre esteve presente nas aparições do saudoso Presidente da República, são fielmente interpretados pelo nosso personagem. Chega a ser contagiante e até arrepiante. Os discursos são adequados ao acontecimento em questão, com uma vivacidade enorme. Tudo fruto de ensaios exaustivos? – Não. Apenas os passos, o posicionamento, os gestos, a mímica. Vejo na TV, em cassetes e assimilo.

A partir daí, ganho inspiração. Quanto aos conteúdos, tudo vai surgindo à medida que vou falando e vendo as reacções. Faço pausas utilizando o termo “correcto” que ele usava. Basta-me ter o guião da cerimónia em questão, para me inspirar quanto as “orientações” a transmitir.

Família Machel encoraja-me. Chissano até se levantou!

Que reacção tem tido a família directa do malogrado? Concretamente a mamã Graça e os filhos? – A mamã Graça encorajou-me a levar o carisma e as mensagens às pessoas. Fui a Chilembene visitar a casa e participei numa cerimónia com a família. Todos me acarinharam. Só evito actuar para o Presidente Mandela, pois não acho ético.

Quanto aos Presidentes Guebuza e Chissano? – O Presidente Guebuza, numa cerimónia de lançamento do programa do Meio-Ambiente, entusiasmou-se. Quanto ao Presidente Chissano, no seu tempo de liderança, até se levantou para me cumprimentar como se eu fosse seu superior hierárquico, de facto. Os militares, como forma normal de cumprimentar, fazem-me a continência.

Não tenho razões de queixa, até porque, antes de actuar aviso e articulo com os elementos da segurança, para não haverem equívocos. Em respeito à admiração que nutrem por Samora, respeitam-me e muitos saúdam-me. A minha conduta é não contrariar a ordem pública. Claro que há quem não esteja seguro e pense que a minha actuação poderá estragar o programa. Mas são poucos casos.

Génio sem maquilhagem

Só os meios áudio-visuais podem transmitir com fidelidade o trabalho que Ângelo Ernesto executa, em homenagem a Samora Machel. Nos poucos minutos da sua actuação, vivem-se momentos de espanto, curiosidade e boa disposição. A mímica facial é perfeita, os gestos estudados, voz com sotaque “machangana”, físico esbelto e, aparentemente, ginasticado como do antigo presidente.

Neste último aspecto e apesar de saber que o Samora não dispensava a ginástica, o nosso personagem refere que a sua “ginástica” é diária, ao volante do autocarro que transporta dos trabalhadores da Geologia, muitas vezes para fora de Maputo. Os conteúdos dos seus “discursos”, de improviso, são em regra enquadrados e de cariz mobilizador. Secundados com vivas e entremeados por nostálgicos “não é verdade?”. Emociona a cópia da energia positiva que nos fez outrora chorar e aplaudir.

Os seus “guarda-costas” fazem bem o papel de protecção ao chefe, num cenário que recorda, emociona e encanta. Sobretudo para quem teve o privilégio de assistir ou conviver com o perecido líder. Ao contrário de outros que pretende(ra)m imitar o líder, Ernesto tem uma parecença física natural. Altura, largura de ombros, cintura… só não tem a careca, mas isso é disfarçado pelo boné que o Marechal habitualmente usava.

Quando à barba, o nosso personagem diz que a apara de acordo com a figura que representa, mas que independentemente disso a usaria, uma vez que quando a corta, fica com a cara cheia de borbulhas. Estamos, portanto, em presença de um sósia que não precisa de se maquilhar. E que vai dizendo, em surdina, que em Mueda até lhe queriam fazer uma pequena separação dos dentes caninos da frente, de forma a ficarem como os do antigo Presidente. Recusou porque acha que devem prevalecer algumas diferenças, mesmo nas encenações.

Sonho que jamais realizará Actuar para o próprio Samora

Sentiu, como todos os moçambicanos, a morte de Samora Machel. A sua arte e a sua admiração foram crescendo com o passar do tempo. Por onde vai, sente o quão querido era o personagem que representa. Por isso se esmera, até porque… – Eu não estou a representar uma figura qualquer. Sinto que é uma grande responsabilidade. Se ele estivesse vivo… – Creio que realizaria um sonho agora impossível: o de fazer uma actuação forte, em que ele próprio se pudesse rever.

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