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Salvando o euro

Pouco mais de seis meses depois de se ter salvo a Grécia da bancarrota, começa já a emergir uma história familiar. Investidores nervosos com um pequeno país europeu com uma dívida em crescendo e perspetivas incertas começam a vender os seus títulos de dívida. Uma subida súbita nas receitas deste títulos contamina outros países que estejam numa situação semelhante (ainda que menos urgente). Uma eleição local que se aproxima – desta vez uma eleição intercalar em Donegal – vem alimentar ainda mais as dúvidas. Mensagens divergentes e a incompetência dos políticos alemães transformaram uma situação má numa ainda pior.

 

 

E emergem três perguntas horrivelmente familiares. Quem é o culpado de toda esta confusão? Como se sai dela? E, afinal, o que significa isto para o euro, a moeda comum no centro da maior região económica do mundo? Existem, pelo menos, limites ao paralelo com a Grécia; a Irlanda tem mais hipóteses de gerar crescimento que lhe permita um dia enfrentar a sua dívida.

Rum, solvência e o crash

Quanto à primeira pergunta, o pecado original fica na Irlanda. O tigre celta rugiu mas deu pouca atenção aos descuidos dos seus bancos e mercados de valores. Formou-se uma bolha no mercado imobiliário e a Irlanda tornou-se perigosamente dependente das receitas que daí provinham. Os reguladores financeiros irlandeses foram incompetentes, na melhor das hipóteses, ou, na pior, corruptos.

E ao primeiro sinal de problemas o Governo fez o disparate de emitir um cobertor de garantia para todas as dívidas dos seus bancos, o que agora significa que são os contribuintes que têm que suportar as perdas catastróficas das apostas nos valores imobiliários que o Anglo Irish Bank e outros fizeram, elevando o défice orçamental a 32% do PIB este ano.

Portanto, já há muito que a Irlanda tem andado a namorar com uma crise económica criada por si. Mas não tem sido ajudada pelos outros membros da zona euro. Para começar, o salvamento da Grécia fez uma asneira: encobriu a questão óbvia de que a Grécia nunca será verdadeiramente capaz de pagar a sua dívida a tempo.

E o esquema de apoio temporário amanhado pelo resto da zona euro tinha também uma falha: em particular, foi demasiado brando com os credores privados. Mas, embora tudo isto fosse preocupante, a tentativa de Angela Merkel para remediar a situação foi espetacularmente desajeitada.

Numa cimeira europeia em finais de outubro, a chanceler alemã conseguiu um acordo para que todos os esquemas de salvamento da zona euro, que viessem a verificar-se no futuro, incluíssem um mecanismo para falhas ordenadas no pagamento das dívidas soberanas. O princípio estava absolutamente correto: os investidores na dívida não têm razão para fazer distinção entre créditos bons e maus, a não ser que a falha no pagamento seja uma possibilidade.

Mas a ideia de fazer com que os detentores dos créditos percam dinheiro quando os créditos soberanos azedam, foi noticiada sem qualquer orientação sobre a forma como isto seria aplicado, nem em que circunstâncias se aplicaria. Surpreendentemente, os alemães não apresentaram nenhuma proposta detalhada na cimeira.

A altura em que isto aconteceu foi péssima, com a Irlanda, a Grécia e Portugal a tentarem fazer orçamentos austeros para 2011. Os investidores nos títulos da dívida foram incentivados a pensar o pior. Desde aí, os irlandeses andam em fuga e os gregos e outros caminham em bicos dos pés. Um problema que era irlandês rapidamente se transformou num problema da zona euro – e também uma dor de cabeça para os britânicos, dados os laços estreitos entre estes vizinhos.

A segunda questão – a solução – mostra como a Irlanda é realmente diferente da Grécia, que teve que pedir dinheiro a uma senhora Merkel relutante. Desta vez a discussão é entre os irlandeses, que insistem em não precisar de uma injeção de liquidez, e os países maiores da zona do euro, que insistem que a Irlanda tem que aceitar uma.

Ambas as partes estão a ser enganosas. Os irlandeses têm razão quando dizem ter dinheiro suficiente até meados do ano que vem (o tesouro tem cerca de €20 mil milhões em reservas). Mas podem vir a ter que enfrentar uma corrida aos bancos muito antes de meados de 2011.

Por outro lado, os irlandeses têm razão em desconfiar das intenções de Bruxelas e Berlim. Muita da motivação da União Europeia parece ser castigar a Irlanda pelos seus modos anglo-saxónicas – principalmente pela sua taxa altamente competitiva de 12,5% sobre os lucros empresariais, que ajuda a atrair empresas estrangeiras.

Aumentar esta taxa seria uma loucura. A Irlanda está a planear cortes orçamentais de 3,8% do PIB para o ano que vem; qualquer economia enfrentaria dificuldades com ventos tão adversos.

Mas as suas esperanças estão ancoradas na chegada de novos estrangeiros. O tipo de investimento estrangeiro direto (IED) sobre o qual se construiu a sua prosperidade na década de 1990 está novamente a inundar o país. A IDA Irlanda, a agência que aborda este tipo de investidores, diz que o IED em 2010 será o melhor em sete anos.

Uma nova geração de empresas, incluindo de jogos para computadores tais como a Activision Blizzard e Zynga, estão a juntar-se as já estabelecidas operações da Intel e do Google. A força de trabalho da Irlanda é jovem, tem capacidade e é adaptável. As rendas estão a descer mais depressa do que os ordenados.

Se ambas as partes cedessem nas suas posições, poderiam concordar em utilizar os fundos europeus de salvamento para estabilizar os bancos da Irlanda, insistindo somente em determinados alvos orçamentais como contrapartida.

Um acordo destes deveria satisfazer os parceiros da Irlanda na zona euro, que querem pôr fim à incerteza, bem como ao Banco Central Europeu (BCE), de cujos fundos dependem em demasia os bancos irlandeses. Seria também acertado oferecer um acordo semelhante a Portugal. Os seus bancos dependem do apoio do BCE e estão igualmente sob a mira dos mercados de títulos de dívida.

Sorrir e aguentar

Isto leva-nos à terceira questão: o euro. Apesar de toda a conversa sobre o fracasso do euro em sobreviver a esta crise de dívida soberana, o euro deve aguentar-se. Apesar dos problemas na sua periferia, a dívida pública da zona euro no seu total não é consideravelmente alta pelos padrões dos países ricos.

Os verdadeiros problemas são a falta de um plano credível para se lidar com os países errantes (tal como os alemães reconheceram), os desequilíbrios estruturais entre a Alemanha e os membros menos competitivos do Sul e, principalmente, as miseráveis perspetivas de crescimento nestes países do sul, mais pobres e mais fracos, agravadas por medidas fiscais deflacionárias.

Estando-lhes vedada a possibilidade de desvalorização da moeda, países de crescimento lento tais como Portugal, e agora também a Espanha, deveriam procurar reformas estruturais que lhes permitam reduzir os custos de mão de obra, melhorar as empresas, estimular a competição e readquirir competitividade.

Ironicamente a Irlanda parece ter mais possibilidades de conquistar este crescimento do que os países mediterrânicos. Nada disto pode ser desculpa para a confusão que o país criou no seu sistema bancário. Mas a verdadeira questão para a Europa é se quer uma lenta sucessão de Grécias e Irlandas – ou se está preparada para ultrapassar a fase dos salvamentos de governos e concentrar-se no crescimento.

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