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Salário mínimo – Impossível Sobreviver

Gwaza Muthini: um mito corrompido

Fomos ao encontro de três famílias moçambicanas que auferem o salário mínimo com o intuito de averiguar como sobrevivem com esse vencimento. Chegámos à conclusão de que ninguém vive exclusivamente dos 1.925,500 Meticais que a lei determina. Com mais ou menos esforço, há sempre alguma coisa extra que entra nas contas mensais. Contudo, ninguém chega descansado ao fim do mês.

 

No Quarteirão 4, no Bairro Luis Cabral, são quatro horas quando João Ernesto, 45 anos, chefe de um agregado familiar de sete pessoas, sai de casa andrajosamente vestido. Àquela hora o bairro é apenas seu, não há lugar para vergonhas. Vai ao cemitério. Às seis, regressa. É o seu biscate diário, a “safa” que lhe engorda o rendimento mensal inferior a dois mil Meticais.

João Ernesto é rebento de uma época em que a cabeça dos jovens era inundada pelo sonho de rumar às minas da África do Sul, todavia, a aventura da emigração nunca lhe rimou nos ouvidos. Lá para longe, só partiu duas vezes. Foi até Nelspruit, com uma muda de roupa, para trabalhar nas “farms: “Com essas economias criei sete fi lhos. Dois Deus já mos levou.”

João é funcionário de um estabelecimento comercial na baixa da cidade. As madrugadas são passadas, porque o salário não “dá para nada”, a consertar os estragos que o tempo faz nas campas do cemitério do Lhanguene. O zelo de seis campas permite-lhe arrecadar 1200 Meticais, o sufi ciente para comprar mensalmente um saco de arroz de 25 quilos, sobrando-lhe 700 para o transporte. Na família Ernesto, de membro em membro, o relato repetese. Esta é uma família paupérrima, que vive, basicamente, do “amanhã Deus dará”. Mais do que a especulação de preços nos retalhistas, é aos deputados que a família Ernesto imputa a culpa pelas compras de miséria feitas no Fajardo, um produto por dia para aproveitar os descontos. A carne fi ca reservada dos dias de festa.

“No tempo de Samora a vida era melhor”, confessa o ancião.

 

Travessia no deserto

Eram 7h quando partiu para o seu emprego formal, não sem antes deixar os seus instrumentos de trabalho nas mãos da mulher. “E os terrenos?! Já viu como ´tá´isso?”, alerta Ernesto. “Eu não me queixo, que moro aqui há 37 anos e a casa era do meu pai, mas os jovens…” Hermínio Carlos, 30 anos, e Luísa Gumende, 28, sabem bem do que fala o ancião. Há seis anos, Luísa engravidou e o pai expulsou-a de casa. Tinha acabado o nível médio, o noivo estava quase a terminar os estudos. Com a chegada antecipada de Felizardo, o fi lho, contraíram um empréstimo num banco de microcrédito, amortizando-o em prestações progressivas, confi antes de que a vida melhoraria. Debalde. A barraca que alugaram para comercializar bebibas alcoólicas só chegava para pagar a mensalidade do banco.

Começaram por pagar 1500 Meticais. Hoje pagam três mil. Hermínio acumula dois empregos: um de ordenado fi xo, que lhe dá segurança, e a serralharia mecânica que dá lucro sem data marcada. “Tínhamos aquela ideia mítica da poupança… Poupamos mas é para chegar para tudo”, atesta Luísa. É ela que põe rédea curta na casa, ao ponto de se sentir culpada quando compra roupa nova. Televisão nem vê-la. Os passeios do tempo de namoro já lá vão. A machamba da mãe de Hermínio em Marracuene é um supermercado “bestial”.

A culpa do custo de vida para este jovem casal é imputada aos 16 anos de guerra civil: “Se não fosse a guerra, haveria mais terra fértil e as pessoas não teriam saído do campo”, refere Luísa secundada por Hermínio: “Pois é, a culpa é dos bandidos armados.”

 

Tudo na mesma

Noutro bairro do Grande Maputo, encontra-se Maria Joana. De rosto enrugado, carrega nos braços o seu “bocado”: Quatro tomates, duas batatas e pó de caril para “escapar à miséria”. Perdeu o marido no tempo em que se enganava a fome com talos de repolho. Hoje, para Maria, mãe de seis fi lhos, cair na esteira sem a barriga numa moinha é fortuna de dia de festa. Depois de entregar os artigos de cozinha à fi lha mais velha, parte para o bairro da Sommerschield onde trabalha como doméstica. Aufere dois mil Meticais/mês. Guardar dinheiro “nunca mais”.

Não sobra nada. A gestão mensal fá-la na ponta da capulana, não chega ao banco. “E vai-se tão depressa! Quando chega já tem destino. O que nos pagam é uma desgraça. Agora só queria amealhar para o meu funeral, para não dar essa despesa aos meus fi lhos.”

Para sobreviver, Maria aproveita o que considera serem desperdícios em casa dos seus patrões: “Não fossem os bocados que sobram das refeições dos senhores, não sei o que seria dos meus fi lhos”, queixa-se da vida. Contudo, no imaginário da anciã, a culpa é deste sistema que “marginaliza o povo”. “Quando o tempo era outro e as coisas estavam organizadas, pelo menos, tínhamos um quilo de arroz para todos. Agora, alguns têm tudo e nós nada´”, refere.

Quando perdeu o marido, tinha 36 anos e seis fi lhos, dois dos quais à entrada da adolescência. Sentiu-se perdida, mas foramlhe exigidas forças para cuidar dos fi lhos. Nos anos ‘80 começou a trabalhar na Texlom, uma indústria téxtil na Matola, mas na década de ´90 a empresa fechou e, à semelhança de muitos moçambicanos, engrossou a fi la dos desempregados no país. Sem nenhuma formação académica para disputar um emprego formal, Maria começou a trabalhar como doméstica.

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