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Rubis da morte

Rubis da morte

Todas as semanas, pelo menos três garimpeiros são mortos nas minas de Namanhumbir, distrito de Montepuez, em Cabo Delgado. Apesar disso, movidos pela ideia de uma vida faustosa, quase todos os dias, dezenas de indivíduos continuam a enfrentar a força de segurança privada da Montepuez Ruby Mining, empresa que explora rubis naquela região do país. Além de sobreviverem às balas e ao soterramento, os jovens que se dedicam ao garimpo ilegal têm de lidar com a extorsão protagonizada pela Polícia moçambicana naquela região. As pedras preciosas são vendidas a mil meticais o grama a cidadãos estrangeiros (e nacionais também) que rondam o local nas suas luxuosas viaturas, avaliadas em pouco mais de um milhão de meticais.

Na tarde do passado dia 12 de Março, Helena, de 21 anos de idade, era uma mulher inconsolável. As lágrimas que se precipitavam dos olhos demonstravam não só a sua dor diante da súbita morte do marido, mas também o vazio sobre o seu futuro e o dos seus dois filhos. A jovem não resistiu à notícia de que o homem com o qual se unira há sete anos havia perdido a vida à procura do sustento para a família. Desolada e olhando para o corpo envolto num pano branco, minutos antes do enterro, ela questionou: “O que será de mim e dos meus filhos?”

O marido de Helena era um jovem dos seus 25 anos de idade. De nome Abel Juma, ele e um grupo de quatro garimpeiros foram surpreendidos pelos fiscais da área concessionada à empresa Montepuez Ruby Mining, quando escavavam as minas de rubi no posto administrativo de Namanhumbir, a 30 quilómetros da cidade de Montepuez. Os seus amigos conseguiram escapar e Juma não teve a mesma sorte. Ele foi coberto por uma avalanche de areia no buraco onde se encontrava. Volvido algum tempo, quando os guardas abandonaram o espaço, aqueles indivíduos que se dedicam ao garimpo ilegal regressaram ao local para salvar o colega. Mas já era demasiado tarde. “Nós escondemo-nos no mato à espera que os ‘nacatanas’ fossem embora. Quando voltámos, ele já estava morto, foi praticamente enterrado vivo”, conta um garimpeiro que não quis ser identificado.

Juma dedicava-se àquela actividade há menos de três dias naqueles minas. Ele foi sepultado num cemitério improvisado pelos seus companheiros de batalha de caça ao rubi no meio da mata na aldeia de Nanhupo, a aproximadamente 10 quilómetros de Namanhumbir. Porém, a jovem viúva pode-se considerar, por assim dizer, uma mulher de sorte, porque, ao contrário de outras mulheres, ela, ao menos, pode dar ao seu esposo um enterro condigno.

O caso de Abel Juma não é isolado. Nos últimos dias, as minas de Namanhumbir transformaram-se num campo de morte. Quase todos os dias, além do desabamento de terras, há relatos de garimpeiros mortos pela força de segurança privada da empresa que explora rubis naquela região e por um contingente policial instalado pelas autoridades governamentais para proteger a área mineira concessionada àquela companhia. Na quarta-feira (12), por volta das 15h00, quando o grupo de garimpeiros regressava do funeral, recebeu a informação segundo a qual mais três colegas haviam sido baleados mortalmente.

Dois dias antes (a 10), houve o registo de duas mortes. Só na semana de 23 de Fevereiro a 02 de Março, pelo menos seis pessoas tinham sido mortas. No passado dia 07 de Março, dois jovens foram para as minas e nunca mais voltaram. Segundo o comerciante Essimela Juma, o número de vítimas tem vindo a aumentar a cada dia. “Muitos garimpeiros estão a desaparecer naquelas matas”, diz acrescentando: “Existem pelo menos quatro forças a protegerem as minas, mas os ‘nacatanas’ são os mais perigosos. Eles foram formados pelos brancos que estão a fazer a vedação do terreno e, quando eles encontram uma pessoa, partem os pés, os braços e depois matam”. “Nacatanas”, como é conhecida a segurança privada da empresa Montepuez Ruby Mining, Lda, significa literalmente “os homens de catana”. O grupo, considerado mortífero pelos garimpeiros, foi criado para impedir o garimpo ilegal na área concessionada àquela empresa.

A batalha de caça ao rubi

Convictos de que podem mudar de vida, dezenas de jovens arriscam as suas vidas nas minas de Namanhumbir. A região foi transformada num acampamento, onde pequenas cabanas improvisadas albergam os garimpeiros que, todos os dias, se dedicam àquela actividade de forma penosa. Os relatos da morte de colegas parece não amedrontá-los. Na verdade, aquele grupo de indivíduos persegue um sonho: o de adquirir um motociclo de marca Lifo (avaliada em 32 mil meticais) ou Sanlg (42 mil a 60 mil meticais).

O vaivém de garimpeiros ao longo da única estrada que leva à cidade de Montepuez, sobretudo no troço entre Namanhumbir e Nanhupo, carregando picaretas e sacos de ráfia, revela o recrudescimento de uma actividade que se tornou o principal meio de sobrevivência de centenas de pessoas. Com instrumentos de trabalho nas mãos e roupa encardida de areia vermelha, os jovens caminham apressadamente em sentidos opostos. Das vezes que uma viatura se aproxima, o grupo procura refúgio nas matas.

Zacarias Abudo, de 44 anos de idade, tem um currículo robusto no que diz respeito ao garimpo ilegal. O frenesi económico do posto administrativo de Namanhumbir fê-lo abandonar a sua terra natal, a cidade de Nampula, para fixar residência na localidade de Nanhupo, onde há 10 anos sobrevive através da extracção de rubi. Antigamente, de acordo com Abudo, a actividade era bastante rentável, tendo conseguido construir a sua própria casa com material convencional e sustentar oito filhos. Porém, nos últimos dias, os garimpeiros estão expostos a diversos riscos. Além do perigo de morrerem soterrados, até porque os mesmos não dispõem de meios à altura para a exploração mineira, estão a ser mortos a tiro. “Andam por aqui os homens da Força de Intervenção Rápida (FIR) e atiram contra os garimpeiros. Eles não têm piedade, ou damos dinheiro ou morremos”, diz.

Abudo conta que, normalmente, precisa de 2.500 meticais para subornar a Polícia moçambicana que vigia o local. No caminho que dá acesso à zona mineira foram montadas umas espécies de postos de cobrança. Não é possível escapar a essa acção. “Por cada saquinho de areia que consigo nas minas, sou obrigado a desembolsar 500 meticais, pois os polícias estão acampados em mais de três locais diferentes. Nem todas as viagens são rentáveis. Há pessoas que fazem mais de 20 voltas em vão”, acrescenta. Nos meados do mês passado, um garimpeiro foi agredido pela Polícia por se ter recusado a suborná-la. Nessa acção, foram-lhe arrancados cinco sacos, de 10 quilos cada, de areia que provavelmente continham pedras preciosas e 800 meticais. O operador de mototáxi que o acompanhava não ficou incólume, tendo perdido oito mil meticais, um telemóvel e o seu meio de transporte.

“Ir para a mina de Namanhumbir e regressar à casa com vida é uma questão de sorte”. Estas palavras são do garimpeiro Bento Ludes, de 20 anos de idade, que explicou que, para chegar até ao referido local, passa-se por várias dificuldades. “Vi os meus colegas serem enterrados vivos pelos ‘nacatanas’ e pela Polícia”, garante. Porém, todos os dias, Ludes sai de casa às 4h30 e regressa por volta das 15h00. Esta tem sido a rotina da maioria dos jovens daquele povoado. Os rendimentos dependem da sorte de cada pessoa. Graças a essa actividade, o jovem adquiriu uma motorizada avaliada em 60 mil meticais, além de ter construído a sua própria casa. “Sempre quis ter uma moto como os meus amigos”, diz, tendo sublinhando que nunca foi para as minas e voltado sem pedras preciosas.

Atraídos pela exploração mineira ilegal, todas as semanas chegam dezenas de jovens na região de Namanhumbir, na sua maioria oriundos da Tanzânia. Na verdade, os cidadãos de origem tanzaniana são uma espécie de dinastias especializadas no garimpo ilegal. A título de exemplo, na localidade de Nanhupo, @Verdade encontrou um grupo constituído por cinco indivíduos com idades compreendidas entre 16 e 23 anos, com os quais manteve dois dedos de conversa. Eles encontram-se há dois meses naquele povoado.

Os garimpeiros foram recrutados por um cidadão de nacionalidade senegalesa, e ganham dois mil meticais por cada vez que voltam das minas com, pelo menos, cinco saquinhos de areia. Nas minas de Namanhumbir, muitas vezes, debaixo de um sol escaldante, sem as mínimas condições de trabalho, os jovens travam uma batalha de caça ao rubi. Ignorando o iminente risco de desmoronamento de terras, além da Polícia e dos guardas preparados para atirar contra os garimpeiros, eles descem até grandes profundidades, submetendo-se ao exercício braçal e degradante em jornadas quase intermináveis.

Os compradores de rubi são maioritariamente cidadãos de origem estrangeira que, de hora em hora, circulam pelos povoados de Nanhupo e Namanhumbir, transportados em viaturas luxuosas. Diga-se, em abono da verdade, que, pelas artérias de Montepuez, transitam máquinas que só são vistas em grandes centros urbanos do país, tais como Range Rover, Ford Rager, Toyota Fortuner, Nissan Teana, BMW, entre outros veículos avaliados em mais de um milhão de meticais. Na sua maioria, os carros ostentam chapas de inscrição tanzaniana. Muitas vezes, sentados debaixo de uma mangueira ou estabelecimentos comerciais ao longo da estrada principal, em grupos de seis a oito indivíduos, os compradores aguardam a chegada dos garimpeiros. É em Nanhupo onde é feito o processo de lavagem de areia para se encontrar o rubi.

Os tailandeses são considerados os melhores clientes, pois chegam a pagar mais de 50 mil meticais por cada pedra. Geralmente, a “Lanchonete VS” e os pequenos restaurantes informais na cidade de Montepuez, sobretudo de proprietários provenientes dos Grandes Lagos, são os locais escolhidos para se fazer o negócio de rubis. Não obstante a grossa corrente de segurança policial, composta por agentes da Polícia de Trânsito, Polícia de Protecção e Guarda-Fronteira, instalada no troço entre Nanhupo e Namanhumbir, todos os dias passam por ali dezenas de gramas em direcção ao distrito de Mueda e à cidade de Pemba. As viaturas que circulam naquela rodoviária não escapam à vistoria.

Extorsão e agressões físicas protagonizadas pela Polícia

No dia 24 de Fevereiro último, os comerciantes da localidade de Nanhupo foram surpreendidos por forças policiais por volta das 15h00. A Polícia tinha ordens para impedir o desenvolvimento do comércio naquele povoado, onde grande parte dos garimpeiros procura refúgio. O mercado surgiu com a intensificação da exploração mineira naquela região. Para dispersar a população, a Polícia disparou gás lacrimogéneo e agrediu dezenas de vendedores. A acção, encabeçada pelos seguranças da Guarda-Fronteira que fazem o papel da força anti-motim naquela parcela do país, obrigou os comerciantes a encerrarem os seus estabelecimentos comerciais.

Volvida uma semana, retomou-se a actividade comercial, mas desta vez esta acontece de forma clandestina. As autoridades locais acreditam que o comércio ao longo da estrada que dá acesso à cidade de Montepuez está a fomentar o garimpo ilegal e o recrudescimento da criminalidade. Alguns dias antes da acção policial, o chefe da aldeia e a chefe do posto administrativo de Namanhumbir reuniram-se com os comerciantes, tendo informado que seriam transferidos para um outro local com melhores condições, tais como energia, água e um posto policial.

Porém, a história não convenceu os vendedores, uma vez que o espaço prometido se localiza no meio de uma mata. Mais tarde, um grupo de cinco comerciantes que não quis ser identificado por temerem represálias disse ao Jornal @Verdade que, estranhamente, eles receberam a visita inoportuna da Polícia. “Estamos a ser impedidos de trabalhar. Eles dizem que cada indivíduo tem de voltar para a sua terra de origem. Nós ficámos intrigados com esse comentário”, afirmam.

Nas últimas duas semanas, a região de Nanhupo transformou-se num palco de extorsão protagonizada pela Polícia moçambicana. Na tarde do dia 03 de Março, a vendedeira Madalena Cantifu, de 39 anos de idade, foi interpelada por dois agentes supostamente da Força de Intervenção Rápida (FIR), tendo sido obrigada a abandonar o mercado, onde desde 2011 se dedica à venda de comida. “Mas por ser o único meio de sobrevivência, continuei a trabalhar. No dia seguinte, eles voltaram a abordar-me e questionaram o porquê de não ter cumprido as suas ordens. Respondi que estava a cuidar de cinco crianças que são órfãs e aquela actividade era o único meio de sustento que tenho”, conta. Os homens exigiram 500 meticais, caso contrário iria sofrer agressões físicas. Madalena não resistiu às ameaças, tendo desembolsado o valor.

O vendedor Ramito Fahaina, de 25 anos de idade, também passou pela mesma situação. Ele conta, na primeira pessoa, o drama por que passou no dia 07 de Março: “Eu estava a sair da minha barraca para casa. Quando cheguei à estrada, encontrei dois agentes da FIR que me pediram Bilhete de Identidade. Quando tiro o BI da mochila, eles espreitaram e viram que eu trazia algum dinheiro. E disseram ‘dá lá a nossa parte’. Eu respondi que o dinheiro não era meu, porque a barraca não me pertence. Depois ofereci 200 meticais e eles recusaram. Arrancaram-me 700 meticais”. Há quatro meses em Nanhupo, Rabson Silvestre, de 26 anos de idade, não escapou à acção da Polícia. Ele conta que os agentes da FIR ordenaram que fechasse a sua barbearia. Além disso, ameaçaram o jovem com arma de fogo e pediram dois mil meticais. “Respondi que não tinha. Eles disseram para lhe dar o que tinha; tirei do bolso 200 meticais e entreguei”, afirma.

Mototáxi: um negócio “milionário”

O garimpo ilegal abriu perspectivas económicas a dezenas de jovens em Nanhupo e Namanhumbir. Diariamente, os mototaxistas transportam garimpeiros de um ponto para outro e chegam a ganhar, em média, perto de oito mil meticais. O preço mínimo por uma viagem, de Nanhupo até às minas de Namanhumbir, é 50 meticais por pessoa, num percurso de aproximadamente 20 quilómetros. As motorizadas, além do condutor, transportam geralmente dois passageiros. Quando os garimpeiros regressam daquele local, os mototaxistas também cobram por cada saco de areia.

No dia 13 de Março, a equipa de reportagem d’@Verdade decidiu, a bordo de uma mototáxi, fazer o trajecto percorrido todos os dias pelos “caçadores” de rubi. O mototaxista, conhecido simplesmente por Anacleto, é um dos mais antigos no negócio. Ele afirmou que a hora (por volta das 9h30) não era apropriada para fazermos a viagem, pois havia polícias a rondar a zona. Por conhecer vias alternativas que dão acesso às minas, o jovem de 34 anos de idade é o mais solicitado pelos garimpeiros.

Porém, apesar do receio, Anacleto ofereceu-se a levar- -nos até à entrada da mina, a troco de 600 meticais. Ao longo do percurso, ele disse que, desde o aparecimento de um contingente policial para impedir a exploração de recursos minerais, a área ficou mais perigosa e, consequentemente, ele tem vindo a somar prejuízos. Presentemente, para chegar até ao local, o mototaxista passa por inúmeros obstáculos, sobretudo ameaças de morte.

Mas é obrigado a enfrentar tais situações para garantir o sustento dos seus nove filhos e a sua esposa. Após percorrermos aproximadamente quatro quilómetros em direcção ao acampamento da Montepuez Ruby Mining, fomos impedidos de dar continuidade à viagem por três indivíduos, que ostentavam o uniforme de Guarda-Fronteira, por alegadamente se tratar de uma zona restrita. “Eles não nos extorquiram porque se aperceberam que os senhores não são garimpeiros”, comentou Anacleto, tendo afirmado que muitos mototaxistas perderam as suas motas naquele percurso.

Para evitar tal situação, é preciso subornar os polícias. “Hoje, não temos caminhos alternativos, porque todas as vias de acesso estão a ser controladas”, precisou referindo que os rendimentos da sua actividade reduziram de forma significativa. Antigamente, o mototaxista amealhava por dia, em média, oito mil meticais. Há três semanas que as suas receitas caíram para três a quatro mil meticais diários. A proliferação de motociclos já começa a preocupar as autoridades policiais. Na manhã do dia 13 de Março, por volta das 5h00, quando dezenas de mototaxistas se preparavam para transportar os garimpeiros, a Polícia recolheu as motorizadas.

Montepuez Ruby Mining

A empresa Montepuez Ruby Mining, Limitada foi criada em Setembro de 2011 para explorar uma das maiores reservas de rubis do mundo em Namanhumbir, Montepuez, na província de Cabo Delgado. A empresa resulta da fusão entre a MWIRIT, Lda e a GEMFIELDS, respectivamente empresas mineiras moçambicana e britânica.

Os cargos de administração do empreendimento que já está a operar há três anos são ocupados pelos filhos de antigos combatentes e figuras sonantes na arena política nacional. Trata-se de Samora Machel Júnior, presidente do Conselho de Administração, filho do primeiro Presidente de Moçambique, e o gestor de Assuntos Corporativos é Raime Pachinuapa, filho do antigo combatente Raimundo Pachinuapa.

Numa apresentação pública realizada na capital do país, cidade de Maputo, a Montepuez Ruby Mining anunciou o leilão de rubis nacionais entre os dias 12 e 17 de Junho de 2014. Na ocasião, o presidente da Comissão Executiva da Gemfields, Ian Harbottle, explicou que o leilão seria em Singapura como forma de permitir transparência e que sejam praticados preços justos.

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