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Rua exige corte radical com o passado

Rua exige corte radical com o passado

Oito dias após a queda do ditador Ben Ali, a Tunísia ainda vive momentos muito agitados. Nas ruas o povo exige um corte radical e absoluto com o passado que passa inclusivamente pela ilegalização do todo-poderoso RDC, partido até agora no poder. Entretanto, o número de mortos nos confrontos que se iniciaram a 17 de Dezembro já ultrapassou a centena.

Após a pressão cada vez maior do movimento popular que se manifesta nas ruas das principais cidades da Tunísia nas últimas semanas exigindo o fim do partido único, o presidente interino, Fuad Mabaza, prometeu, esta quarta-feira, uma “ruptura total com o passado.”

Fuad Mabaza assegurou que irá levar a cabo “profundas reformas” e proferiu palavras de elogio à “nobre revolta popular” que apeou do ‘trono’ de Cartago o presidente Zin El Abidin Ben Ali e ao clã Trabelsi ao qual pertencia a sua esposa, uma família que confiscou todas as grandes empresas do país.

“ O Estado está convosco, estamos a proceder a profundas reformas e a vontade do povo está a ser respeitada”, assegurou Mabaza com o intuito de acalmar a população que receia que o Reagrupamento Constitucional Democrático (RCD) se perpetue no poder.

A revolução é dos jovens

Na manhã de quarta-feira e até ao final da tarde, o povo voltou a tomar as ruas das principais cidades exigindo uma absoluta mudança de regime. “Tunes deve possuir um líder jovem, como os Estados Unidos, cujo presidente é um jovem actualizado. Esta revolução foi feita pelos jovens e por isso, nós, os velhos, devemo-nos retirar”, declarava um homem de 60 anos que participava numa das muitas manifestações que tiveram lugar em Tunes.

“Não quero um país de ladrões. Vamos arrancar o regime pela raiz, que nada fique dos que detinham o poder”, acrescentou o homem ao jornal “El Mundo”.

Como nos dias anteriores, os manifestantes concentraram-se na avenida Habib Burguiba pedindo a eliminação total dos antigos símbolos do poder corrupto do presidente derrubado no sábado passado. Porém, pela primeira vez após a fuga de Ben Ali, as suas vozes não foram reprimidas.

“Esta é uma revolução dos cidadãos. Estamos todos no mesmo combate, estamos todos juntos”, afirmava Salah que se define como “um cidadão tunisino que optou pela liberdade”. E com ele, centenas de pessoas que ondulavam bandeiras tunisinas e cantavam o hino nacional.

Mohamed Buazizi herói nacional

Em Sidi Bouzi, o líder da oposição, Monsef Marzuki, visitou a tumba de Mohamed Buazizi, o jovem de 26 anos que a 17 de Dezembro do ano passado se imolou pelo fogo depois de ver a polícia retirar-lhe a banca onde vendia hortícolas. Marzuki foi vitoriado por uma multidão que lhe pedia a dissolução do partido de Ben Ali, o RDC.

Enquanto isso, a rua continua a pressionar o primeiro-ministro, Mohamed Ghanuchi para que faça uma remodelação no Governo, uma vez que figuras chave do regime de Ben Ali continuam no poder.

“Estas personalidades simbolizam todas as execrações do regime e não podemos deixar que sejam confiscadas as esperanças do povo”, referiu ao “Le Monde” Monyi Amami, membro de União Geral dos Trabalhadores Tunisinos (UGTT), o sindicato que ontem decidiu não reconhecer o Governo de unidade nacional nomeado por Ghanuchi e retirar os seus ministros. “Entenderam a mensagem”, afirmou Amami Ghanuchi que está a negociar com a UGTT para que esta reintegre o Executivo.

Enquanto, na tentativa de acalmar a ira da população, a Justiça de Tunes abriu uma investigação contra o deposto ‘raïs’ por “aquisição ilegal de bens” e por manter “depósitos ilícitos no estrangeiro”, na noite de quarta-feira a Reuters informou que 33 elementos da família de Ben Ali haviam sido detidos por suspeita de “crimes contra Tunes.”

O clã de Ben Ali e a família da esposa, os Trabelsi, beneficiaram da sua posição estabelecendo um sistema de corrupção que incluía a aquisição ilegal de bens imóveis, depósitos em paraísos fiscais e branqueamento de capitais. O nível de enriquecimento à custa do Estado foi tal que ninguém sabe muito bem calcular o dinheiro que foi apropriado.

Cronologia da Revolução de Jasmim

17 de Dezembro – Após lhe confiscaram a banca onde vendia vegetais, Mohamed Bouazizi, um licenciado desempregado de 26 anos, rega-se com gasolina e imola-se numa praça de Sidi Bouzid. Quinze dias depois morrerá no hospital vítima das queimaduras. Será a primeira vítima das manifestações, tornando-se o principal ícone da revolta.

24 de Dezembro – Confrontos entre a polícia e os manifestantes causa os primeiros mortos nos arredores de Sidi Bouzid.

28 de Dezembro – O presidente Ben Ali critica a politização dos protestos.

3 de Janeiro – Protestos violentos eclodem em Tala.

8-10 Janeiro – Quase toda a Tunísia está a ferro e fogo. Sucedem-se os confrontos entre a polícia e os manifestantes principalmente em Kasserine, Tala e Regub. As autoridades confirmam a morte de 21 pessoas, mas os sindicatos e outras organizações da sociedade civil falam em mais de uma centena.

10 de Janeiro – Ben Ali refere-se à contestação como um “acto terrorista” e anuncia a criação de 300 mil novos empregos para 2012.

11 Janeiro – Devido à gravidade dos protestos as escolas secundárias e as universidades são encerradas.

12 de Janeiro – Ben Ali demite o seu ministro do interior e promete formar uma comissão anti-corrupção. Nas ruas, são reportadas cada vez mais mortes.

13 Janeiro – Ben Ali vai falar à televisão pela terceira vez em menos de um mês e apela à polícia para que deixe de disparar sobre os manifestantes. Ali promete ainda não concorrer a um novo mandato nas presidenciais de 2014. São reportadas mais 13 mortes.

14 de Janeiro – Num comício muito concorrido que teve lugar em Tunes, apela-se à retirada de Ben Ali. O presidente dissolve o seu gabinete, anuncia eleições e declara o estado de emergência. Ao início da noite Ben Ali foge com a família para a Arábia Saudita.

Trabelsi: Família cleptómana

De acordo com a imprensa tunisina de segunda-feira, Leïla Trabelsi, a mulher do presidente tunisino deposto, terá, duas horas antes da fuga do casal, ido pessoalmente ao Banco da Tunísia onde levantou 1,5 tonelada de lingotes de ouro, o que corresponde a cerca de 45 milhões de euros. Perante uma primeira recusa do governador, Leïla telefonou ao seu marido que primeiro recusou mas depois acabou por ceder.

Segundo fontes diplomáticas francesas terá posteriormente embarcado num voo directo para o Dubai, nos Emiratos Árabes Unidos, seguindo depois para Jeddah, onde Ben Ali acabou por se refugiar. Sabe-se agora que o presidente tunisino não contava com uma queda tão rápida. Como prova disso, havia gravado uma nova alocução ao país para essa noite que acabou por já não ser difundida.

Bem Ali não terá deixado voluntariamente o país, tendo sido antes destituído. O Exército, e o Chefe-de-Estado-Maior que recusaram disparar sobre os manifestantes, jogaram um papel decisivo na queda de Ben Ali. Leila Ben Ali pertence à família Trabelsi, que tem fama de ser altamente corrupta e de estar implicada em vários casos criminais.

Quando o raïs tunisino caiu, na sexta-feira passada, grupos de tunisinos saquearam num momento de raiva várias mansões dos Trabelsi nos elegantes subúrbios de Tunes, a capital. Um sobrinho de Leïla, o homem de negócios Imed Trabelsi, considerado um dos símbolos da corrupção no país, morreu apunhalado por desconhecidos.

Intervenção líbia

O modo como o presidente tunisino Ben Ali abandonou o país ainda não está claro. Como modo de evitar um fim violento, diversas chancelarias europeias estimam que os serviços de segurança líbios desempenharam um papel decisivo na fuga de Ben Ali da Tunísia. As palavras de Muammar Kadhafi – que disse lamentar o desfecho da crise tunisina – proferidas no último domingo reforçam esta possibilidade.

O modo como Ben Ali partiu leva a uma série de incertezas. O avião que o transportou foi visto no espaço aéreo de Malta, sem plano de voo determinado, o que prova que quando abandonou precipitadamente a Tunísia não tinha um destino preciso. Uma fonte italiana indicou que o avião não teve autorização para aterrar na ilha de Malta. Outra hipótese levantada refere que o presidente deposto saiu da Tunísia de helicóptero para Malta, onde o seu avião estaria à sua espera.

De qualquer das maneiras sabe-se que o governo francês impediu que Ben Ali viajasse para França. De acordo com uma fonte ministerial francesa, a Direcção geral de aviação civil identificou um aparelho que pretendia voar de Tunes para Paris. As autoridades francesas teriam então exigido que este avião aterrasse na ilha italiana da Sardenha. Feita a verificação, constatou-se que a aeronave não trazia passageiros. Algum tempo depois, o avião que transportava Ben Ali aterrou em Jedha na Arábia Saudita.

Os elementos da família do presidente tunisino que entretanto haviam chegado a França partiram sábado à noite de Paris em direcção a Doha, no Qatar.

Opinião de Marwane Ben Yahmed / Editor “Jeune Afrique”: A lição de Tunes

A revolução levada a cabo pelos tunisinos contra um poder reputado até então como infalível, omnipotente e imutável, deve constituir um motivo de reflexão para os dirigentes do mundo árabe e de África, para as suas famílias e, sobretudo, para os seus concidadãos. Os tunisinos descobriram e demonstraram que poderiam forçar o regime a mudanças e mesmo à sua queda. Em suma, foram donos do seu destino. Os tunisinos abriram também uma brecha onde não faltarão outros líderes para serem tragados…

Nas nossas regiões, as verdadeiras democracias, onde o Estado de direito e as liberdades públicas estão garantidas, não existem, ou se existem são muito poucas, o que nesta segunda década do século XXI constitui um anacronismo cada vez mais insuportável. Isto tem de mudar e, mais tarde ou mais cedo, vai mudar. Os nossos líderes, na sua maioria envelhecidos, já não podem permanecer surdos às aspirações legítimas e razoáveis das suas populações e da sua juventude, cansadas de esperar que as miragens se transformem em milagres. É da sua responsabilidade, doravante, preencher este fosso…promovendo verdadeiras e profundas reformas. Os governantes não podem continuar a ganhar tempo reinando pelo terror e pela intimidação, acordando de tempos a tempos para, com extrema parcimónia, dar umas migalhas de liberdade ou adoptar medidas de cosmética destinadas a socorrer as carteiras que não cessam de se esvaziar.

Salvo as devidas proporções, toda a gente se lembra, nomeadamente no continente, como alguns regimes, como o de Mobutu, foram abalados pelo impacto das imagens da queda trágica do Conducactor romeno, Nicolae Ceausescu, em Dezembro de 1989. O impensável tornava-se, enfim, possível. Naquela época, somente os jornais, as rádios e as televisões difundiam a informação. Doravante, a Internet, as redes sociais e os telemóveis veiculam em tempo real e para todo o mundo a cólera e as reivindicações dos povos que aspiram mais do que nunca à mudança.

Hoje, os árabes e os africanos sabem tudo sobre os seus dirigentes, as torpezas, as violações da lei e a corrupção que grassa à sua volta. As revelações do WikiLeaks, último avatar desta democratização da informação, contribuíram em parte para esta viragem que ainda mal começou. Sobretudo, doravante, serão cada vez mais os que decidirão sobre o momento de dizer: “basta!” Por tudo isto, os nossos líderes deveriam meditar na lição de Tunes.

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