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EDITORIAL: Generalidades das revoluções e singularidades da revolução de jasmim

Confesso que, há uma semana, quando neste mesmo espaço escrevi sobre o que se estava a passar na Tunísia, nunca imaginei que o desfecho que se veio a verificar podia ser tão rápido. É, provavelmente, esta rapidez, esta imprevisibilidade de não se saber para que lado pende a balança, o grande fascínio das revoluções.

Num ápice, em meia dúzia de horas, muitas vezes em minutos, tudo se inverte, e um mundo que conhecemos tantos anos e que julgávamos quase imutável cai como um baralho de cartas e tudo parece de pernas para o ar, surpreendendo mesmo os próprios revolucionários. Confesso o meu particular fascínio por revoluções, mesmo aquelas que depois instauraram regimes bem piores do que os que derrubaram.

 

Gosto de todas as fases: do nascimento tímido, a fase que ninguém dá nada por ela; do seu crescimento, cada vez mais gente vai engrossando-a; dos confrontos na rua quando ainda não se sabe o que vai acontecer; das horas de incerteza; da confiança no triunfo; e por fim do próprio triunfo, primeiro com a confraternização entre as forças da ordem e o povo – até aí inimigos – e depois com a euforia generalizada materializada no derrube dos símbolos do regime moribundo e caduco. Gosto também de ver os vira-casacas e de como eles aparecem um pouco por todo o lado dando vivas.

E também de como os vencidos desaparecem num abrir e fechar de olhos com as estátuas que são derrubadas. Gosto também de ver aquela esperança ingénua e generalizada que daí para a frente tudo vai ser um paraíso, para o qual muito contribuem os discursos dos vencedores.

Tudo isto é, mais ou menos, comum a todas as revoluções. Mas o que fez da revolução tunisina da passada sexta-feira única foi o facto de, pela primeira vez num país árabe, o povo da rua conseguir derrubar um líder e um regime instalado havia 23 anos! De repente os tunisinos sentiram com os seus protestos que podiam ir mais além do que a simples substituição do um ministro ou da promessa irreal de 300 mil novos empregos ou da retirada de Ali em 2014.

Num gesto de atrevimento inédito, o povo tunisino marcou o seu basta de miséria, de desemprego, de falta de perspectivas de corrupção, de cleptomania da família Trabelsi, de despotismo, da falta de liberdades cívicas e de imprensa, etc.

Mas, para o florescimento e, sobretudo, para a manutenção destes regimes ditatoriais, despóticos e cerceadores das liberdades mais elementares, o Ocidente, com o pavor da ameaça do terrorismo, deu e dá um grande contributo, apoiando-os com armas, tácticas anti-terrorismo e até dinheiro, no caso dos países não produtores de petróleo.

Com isto parece que a democracia é incompatível com o combate ao terrorismo, como se o Egipto para combater a Irmandade Muçulmana tenha de ser governado por Mubarak e a Argélia para dar caça à FIS tenha de ter no poder gente como Bouteflika. Nada mais errado pensar-se assim e, enquanto assim se pensar, continuarão a florescer os ditadores.

Entretanto, quem não achou graça nenhuma à ‘revolução de jasmim’ – assim ficou conhecido o movimento tunisino – foram os vizinhos, os ex-aliados de Ben Ali, no Egipto, Líbia Argélia e Mauritânia. Esses vão-se mexendo na cadeira, incomodados, como se estivessem no cinema a ver o filme mais aborrecido da vida.

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