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Reunião e manifestação: conheça os seus direitos

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O discurso oficial desqualifica a mais pacífica manifestação de protesto, apresentando-a como um expediente que não resolve os problemas do país. O coro oficial assume, muitas vezes, formas de violência física quando em nome de uma pretensa reposição da ordem e tranquilidade públicas a FIR é mobilizada a descarregar balas de borracha – mais recentemente –, gás lacrimogéneo e jactos de água sobre cidadãos indefesos e desarmados que protestam contra as mais variadas injustiças. No fundo, a retórica securitária visa camuflar em delito colectivo um direito constitucional, cujo usufruto não carece da homologação política ou administrativa dos burocratas do regime. Um aviso a quem de direito e a necessária cautela para se evitar que os direitos de terceiros não sejam prejudicados são expedientes suficientes para uma manifestação de sucesso. As causas, essas, não parecem faltar num país onde a cada dia que passa vai nascendo mais um grupo de protestantes de direitos coarctados pelo Estado.

Os episódios de repressão protagonizados pela Força de Intervenção Rápida (FIR), sempre que cidadãos nacionais pretendem manifestar-se, sucedem-se. Os agentes da G4S sentiram, na pele, a brutalidade das acções da FIR quando questionavam a direcção da empresa por atropelos graves à lei laboral.

Recentemente, a FIR usou canhões de água para reprimir, no dia 12 de Março, mais uma manifestação pacífica, de cerca de uma centena de membros do Fórum dos Desmobilizados de Guerra de Moçambique, na baixa da capital de Moçambique. Quatro dos manifestantes foram detidos na ocasião.

Segundo o porta-voz do Fórum, Constantino William, falando ao @Verdade, os manifestantes tentaram reunir-se no recinto público do Circuito de Manutenção António Repinga onde pretendiam voltar a pressionar o Governo, que estaria reunido em mais uma sessão do Conselho de Ministros no Gabinete do Primeiro-Ministro, a satisfazer as suas exigências, que passam pela fixação de uma pensão mensal no valor de 20 mil meticais e pela revisão do Estatuto dos Combatentes, que segundo eles não é abrangente. Porém, foram confrontados com a forte presença de agentes da PRM e da FIR equipados com armas de guerra, bastões e carros anti-motim.

Perante a vontade dos Desmobilizados de entrarem no recinto, que é público, foram disparados jactos de água que dispersaram os manifestantes. Quatro membros do Fórum foram detidos pela polícia.

Aquela não foi a primeira vez que a FIR reprimiu uma manifestação pacífica dos Desmobilizados de Guerra e deteve os seus membros.

Um episódio mais recente ocorreu no Município de Dondo. Na semana passada, o presidente daquela urbe, na província de Sofala, suportado pelo partido Frelimo, Manuel Cambezo, impediu a realização de uma reunião do Movimento Democrático de Moçambique, MDM, naquela vila autárquica, com o seu presidente, Daviz Simango, com o intuito de preparar o partido para as eleições autárquicas marcadas para 20 de Novembro próximo. Cambezo justificou a sua atitude de recusa alegando que em nenhum bairro de Dondo existe uma delegação política do MDM.

Afinal o que diz a lei

A repressão à manifestação dos desmobilizados de guerra reacendeu o debate sobre o direito de manifestação e reunião em Moçambique. @Verdade ouviu advogados e consultou as leis no 9/91 de 18 de Julho e a 7/2001 de Julho. A primeira aborda os dois direitos. A segunda também, mas altera a redacção de alguns artigos da primeira.

Contudo, a legislação moçambicana aborda, de forma específica, o direito à manifestação e reunião. Ademais, as alterações ao corpo da lei limitam esse direito que a Constituição da República Moçambique (CRM) consagra expressamente.

Na verdade, a lei refere-se unicamente de forma clara ao Direito de reunião e de manifestação, afirmando, no número 1 do artigo 3, que “todo os cidadãos podem, de forma pacífica e livremente, exercer o seu direito de reunião e manifestação sem dependência de qualquer autorização nos termos da lei”.

As autoridades, por exemplo, “só podem interromper a realização de reunião ou manifestação realizada em lugares públicos ou abertos ao público, quando forem afastadas da sua finalidade ou objectivos e quando perturbem a ordem e tranquilidade públicas”. Refira-se ainda que as autoridades que detêm competência nesta matéria não podem praticar actos administrativos que limitem a protecção conferida pelo artigo 51 da CRM. Um advogado ouvido pelo @Verdade, que não quis ser identificado, afirmou que “mesmo as normas restritivas de direito, liberdades e garantias, para além de terem de se revestir das características já assinaladas não podem diminuir a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

De acordo com o artigo 51 da CRM, “todos cidadãos têm direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei”. Isso, diz o advogado, engloba, por um lado, uma referência individual, na medida em que são os homens individuais os sujeitos do mesmo direito, sendo certo que tal direito se pode, também, estender às pessoas colectivas. Por outro, “congrega uma referência universal, já que é privilégio de todos, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas”.

Ou seja, “a liberdade que a todos se reconhece, é porém, única e exclusivamente, a de se manifestarem ‘pacificamente sem armas’, pelo que cessará logo que ou o indivíduo ou a manifestação perca o seu carácter pacífico”.

É preciso, contudo, esclarecer o que o legislador pretende dizer com “carácter pacífico”. A interpretação dos advogados ouvidos pelo @Verdade refere que se trata de um conceito indeterminado. No entanto, dizem, “podemos apelidar de pacífica aquela manifestação que congrega um conjunto de pessoas visando exprimir uma opinião, sentimento ou protesto sentidos em uníssono, através da presença e/ou palavra”. Nesse sentido, “manifestação pressupõe a observância da lei e da moral, o respeito pelos direitos das pessoas singulares ou colectivas e a não perturbação da ordem e tranquilidades públicas”.

Carácter violento

“Se a manifestação assumir um carácter violento ou tumultuoso não será considerada como pacífica”. Isto é, perderá, desse modo, a protecção constitucional. Salienta-se, porém, que tal violência deverá brotar da maioria ou globalidade dos respectivos participantes, pelo que a sua constitucionalidade será aferida pelo carácter não excepcional dos actos lesivos.

Quanto à proibição de armas, abrange os participantes e os promotores da manifestação. Os indivíduos armados não poderão beneficiar do exercício desse direito, “já que o porte de arma é interdito e objecto de sanção penal. Deve, portanto, entender-se por arma “todo o objecto susceptível de ser utilizado como meio de agressão física de pessoas ou bens, destituído de qualquer aptidão para servir de veículo de expressão ‘espiritual’ das ideias dos manifestantes”.

Importa salientar que a CRM não impõe qualquer limite substancial ao exercício da liberdade de manifestação, pelo que, por exemplo, não se poderá submeter a prévia ou posterior censura o teor da manifestação. É claro que como qualquer outro direito constitucionalmente protegido, a liberdade de manifestação encontra o seu limite naquela norma que garanta e discipline outro direito ou interesse com ele colida, tal como o direito de propriedade, a liberdade de circulação, o direito à integridade pessoal, o respeito pelos bons costumes e pela lei penal. Ou seja, “não existe qualquer privilégio ou imunidade de manifestações, pelo que as infracções ocorridas durante ou no decurso (número 2 do artigo 16) fica sujeito à competente responsabilidade. O que não podem é, só por si, determinar a dispersão da manifestação pela força.

O direito à manifestação comporta, diga-se, três componentes: a liberdade de manifestação, ou seja, o direito de se manifestar sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia; direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito à protecção do Estado contra ataques ou ofensas de terceiros e, por último, o direito de utilização de locais e vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que com ela colidam.

Autorização?

O exercício de manifestação ou reunião, em locais privados, não carece de informação e nem de autorização. Quanto o mesmo acto é exercido em lugares públicos ou abertos ao público as pessoas ou entidades que a pretendam realizar deverão avisar por escrito, do seu propósito e com antecedência mínima de quatro dias úteis as autoridades civis e policiais da área. O aviso deve ser assinado por dez dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de pessoas colectivas, pelos respectivos órgãos de direcção.

Do aviso deverá constar a indicação da hora, local e objecto da reunião e se se tratar de cortejos, desfile e outras formas de manifestação a indicação do trajecto a seguir. A entidade que receber o aviso tem a obrigação de emitir o comprovativo da recepção.

As únicas restrições impostas ao exercício do direito estão relacionadas com a ofensa à CRM, às leis e à ocupação abusiva de espaços públicos. Também pode não ser permitida por razões de segurança a realização de manifestações a menos de 100 metros de órgãos de soberania e das instalações militares e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes das representações diplomáticas e consulares e ainda das sedes de partidos políticos.

Manual para uma manifestação de sucesso

1. Identificar a causa.

2. Definir a rota ou local público onde ela decorrerá

3. Garantir a assinatura de dez promotores

4. Informar das causas da manifestação

5. Avisar ou informar as autoridades civis e policiais da área

6. Entregar o aviso com quatro dias de antecedência

7. Exigir o documento comprovativo da entrega do aviso

8. Solicitar protecção do Estado contra eventuais sabotadores

9. Garantir que nenhum manifestante tenha armas ou objectos susceptíveis de ferir terceiros

10. Se houver necessidade de se aproximar de um espaço de soberania garantir que esteja, no máximo, a 110 metros de distância

11. Não colocar em causa a integridade de terceiros ou a propriedade privada

12. Informar os órgãos de informação social sobre o objectivo e espírito da manifestação

O delírio de Cambezo

Depois do espectáculo protagonizado pelo edil de Dondo, Manuel Cambezo, @Verdade ouviu, para além de procurar o enquadramento legal da decisão, dois juristas e constatou que o acto representa um atropelo grave à Lei no 12/92 que visava tornar executório o Acordo Geral de Paz. “A desculpa de Cambezo, para legitimar o acto, é ridícula”. Ou seja, a CRM consagra o direito de liberdade de associação, expressão e propaganda política”.

Nenhum edil e até o Presidente da República, defendem, pode impedir o gozo de tal exercício em toda a extensão do território nacional, salvo quando esses interesses coliderem com outros.

O Protocolo III, na sua alínea A é claro quando refere que “todos os cidadãos têm direito à liberdade de expressão, associação, reunião, manifestação e propaganda política. Regulamentos administrativos e fiscais não serão, em nenhum caso, aplicados de maneira a discriminar ou impedir o exercício destes direitos por razões de ordem política (…) “.

Ainda, contudo, que seja necessário enviar um pedido às autoridades da área, Cambezo não tem poder para impedir uma reunião que não fere nenhum preceito constitucional. “A questão relativa à sede é uma espécie de bóia de salvação para promover um delírio”.

Clique aqui para ter acesso ao Acordo Geral de Paz.

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