Os nativos do bairro de Chiango, no Distrito Municipal KaMavota, e outros cidadãos que possuem extensos talhões naquela parcela da cidade de Maputo, são vítimas de apreensão dos seus materiais de construção pelos agentes da Polícia Municipal. Estes têm estado a impedir os donos dos terrenos em causa de construir muros para coibir o acesso às suas propriedades pelos técnicos da edilidade, que sem nenhuma consulta prévia decidiram fazer reparcelamentos para acomodar novas pessoas.
Neste momento vive-se um ambiente de cortar à faca devido ao desespero porque alguns indivíduos, para além de terem perdido materiais de construção, viram as suas terras serem reduzidas a pedaços.
Sem antes conversar com os visados, o município – numa situação de denuncia um pontapeio das normas, invadiu “territórios” alheios e fez demarcações para reassentar gente proveniente de diferentes bairros atravessados pela Estrada Circular de Maputo.
Enquanto isso, outro argumento avançado pela edilidade é o de que está em curso um plano de reordenamento daquele ponto. Contudo, acontece que, até este momento, no terreno não há nada feito que demonstre que se está a desenvolver algum trabalho nesse sentido. À semelhança do que acontece noutros casos de reassentamento, apesar de ser uma zona desprovida de vários serviços básicos, Chiango está a receber novos moradores sem antes terem sido criadas condições básicas para a sobrevivência humana, tais como infra-estruturas sociais.
O @Verdade esteve há dias no terreno e constatou que há gente reassentada em consequência da chuva que desalojou centenas de famílias no princípio deste ano – e que está a viver, diga-se, num estado de miséria total, pois nem sombra para se abrigar do calor intenso possui.
O que se pode ver em Chiango, também, é uma invasão e colocação de novos marcos em talhões alheios com o propósito de serem atribuídos a novos ocupantes. Conforme ilustram as fotografias que acompanham este texto, aqueles que ousam impedir essa acção encabeçada pela Direcção de Construção e Urbanização correm o risco de perder carrinhas de mão, pás, andaimes e outros materiais de construção. Há relatos de pessoas que perderam inclusive areia e pedra adquiridas para as obras. Certos pedreiros foram presos, levados de Chiango e abandonados em locais distantes sem quaisquer meios para retornarem aos lugares de partida.
A respeito disso, a directora do Centro Terra Viva (CTV), Alda Salomão, disse-nos que derrubar muros e apreender materiais de construção como se as pessoas tivessem cometido algum crime ou avisadas para se retirarem da zona e teimado em permanecer revela as dificuldades que o município tem em lidar com esse tipo de problemas.
Segundo a entrevistada, o que está acontecer no bairro de Chiango é exactamente a mesma coisa que ocorre um pouco por todo o país. Ela pergunta que procedimentos é que são seguidos pelas várias instituições do Estado, sejam elas autárquicas, provinciais, distritais, dentre outras, na atribuição e protecção dos direitos de ocupação e uso da terra pelos cidadãos.
Em Chiango, onde predominam talhões de grande dimensão e um grosso número de habitantes com hectares adquiridos há mais de trinta anos, não há necessariamente recusa em ceder os espaços para o Conselho Municipal da Cidade de Maputo levar avante o seu trabalho, mas sim, receio de os talhões parcelados serem ocupados por gente que não tem nada a ver com os reassentamentos. Isso deve-se, fundamentalmente, ao facto de, ao invés de apenas parcelar, a edilidade devia explicar com clareza o que pretende fazer na zona. É comum ver viaturas da Polícia Camarária a vigiarem o local que trabalhar…
Na área em alusão, acontece ainda que nenhum cidadão está a ser ressarcido pelo facto de o seu terreno, preservado ao longo do tempo com tanto sacrifício, estar a ser retalhado para acomodar novas pessoas, para além de que a edilidade alega que os ocupantes não têm o título do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT).
Apesar de reconhecerem que não têm o DUAT, os habitantes de Chiango consideram que isso não é motivo para a edilidade invadir espaços alheios e fazer parcelamentos sem antes dialogar com os proprietários, principalmente porque há expedientes remetidos ao município, há mais de dois anos e noutros casos há cincos anos, a pedir a formalização dos seus espaços e os remetentes foram informados de que aquele bairro não existia no cadastro municipal, pois era desconhecido.
“E como é que o Conselho Municipal da Cidade de Maputo aparece hoje a dizer que está a implementar um plano de reordenamento territorial e requalificação duma zona que era desconhecida sem sequer nos consultar?”
Sobre esse aspecto, Alda Salomão explicou-nos que para o Estado – no caso vertente representado pelo município – retirar a um cidadão o direito de usar a terra deve-se proceder a compensação com vista a prosseguir com o processo de expropriação. “E o procedimento mais básico é a informação e consulta. E nisso o Estado tem falhado. É preciso avaliar em que medida é que o Conselho Municipal está, em cada caso, a seguir os procedimentos estabelecidos na lei”.
“A consulta é de lei, não é um procedimento discricionário que o município realiza quando lhe apetece. Até mesmo para desenhar o plano de ocupação daquele espaço. Os parcelamentos que estão a ser feitos são sujeitos a uma consulta pública antes da sua aprovação”, esclareceu a directora do CTV, para quem a ausência de título do DUAT não é argumento para se retirar o direito a alguém, desde que seja uma ocupação confirmada sobretudo pelas pessoas que ai vivem.
“Nenhum município ou outra entidade pode retirar ou questionar a ninguém a legitimidade de um espaço por causa da ausência de um documento”. Para o caso de cidadãos que indicam que remeteram ao município documentos de pedido de formalização de ocupação das suas terras, Alda Salomão considera estranho que a edilidade leve tanto tempo para passar um testemunho a favor do requerente.
Em Chiango, o desespero é de tal sorte que os habitantes decidiram criar um grupo para dialogar com o Conselho Municipal de Maputo com vista a perceber o que se pretende naquela zona e por que motivos não foram informados nem consultados sobre o facto de que os seus terrenos seriam divididos em “pedaços” para albergar outras pessoas.
A avaliar pelos acontecimentos de outros pontos do país relacionados com conflitos de terra em que não raras vezes a população sai prejudicada, Alda Salomão aconselha os nativos de Chiango e outros moçambicanos a educarem-se e informarem-se cada vez mais para que tenham bases e argumentos válidos nas negociações com o município, principalmente porque o mesmo é parte das instituições do Estado que não usam as mesmas “regras de jogo” para dialogar com a população.
“As pessoas sabem que têm direitos e pelo menos preocupam-se em formalizá-los. Mas depois são confrontadas com instituições do Estado que já não respeitam as suas obrigações como entidades públicas e a obrigação que têm de responder às solicitações do público e de proteger os direitos dos cidadãos”.