Apesar do seu valor histórico, a Ilha de Moçambique é um dos municípios mais pobres do país. Por mês, em média, a edilidade colecta para os cofres municipais não mais do que 200 meticais. Porém, Alfredo Matata, presidente do Conselho Municipal daquela cidade insular, disse em entrevista ao @Verdade que a aposta no turismo pode ser a salvação da urbe. E, acrescenta, os primeiros passos já foram dados: a criação de um balcão de informação turística e a redução do fecalismo a céu aberto.
@Verdade (@V) – Qual é a avaliação que faz do seu mandato?
Alfredo Matata (AM) – Faço uma avaliação positiva. Estamos a terminar o mandato. O nosso compromisso eleitoral tinha três pilares. O primeiro trata de assunto de urbanização, obras públicas, construções, água e saneamento. Outro compromisso era relativo às actividades económicas como a pesca, o turismo, a extracção do sal, a agricultura e o comércio na parte continental. O terceiro pilar trata de assuntos sociais. É nesta base que o município trabalhou. Este ano vamos terminar todos os nossos compromissos.
@V – O que foi feito na área de urbanização e na componente de higiene da cidade?
AM – Nós procurámos manter a componente histórica da Ilha de Moçambique. Este município tem um peso enorme, daí a necessidade e a responsabilidade de manter esse laço histórico e este valor, que não é só nacional, é também internacional. Dentro dessa política de conservação, para nós a cidade deve estar limpa.
A higiene da urbe mudou muito, mas também mudou muito a mentalidade dos munícipes em termos de comparticipação na limpeza e no tratamento de lixo. Nos herdámos uma situação de montes de lixo nas ruas. Antigamente, nas principais artérias da Ilha era impossível transitar. Nós pensamos que tivemos sucesso nessa componente, pois recolhemos o lixo todos os dias, incluindo os fins-de-semana.
@V – A questão de fecalismo a céu aberto já está controlada?
AM – Havia bastante desrespeito nas praias da Ilha de Moçambique, porém, invertemos o cenário de modo que as praias se tornassem locais de lazer. Felizmente, hoje é possível fazer qualquer actividade de diversão e lazer. A situação de fecalismo a céu aberto não acabou, mas está sob controlo. Os munícipes já começam a entender o valor das praias e as razões de não usarem as mesmas como casas de banho.
Isso já é uma vitória muito grande, e nós sentimos que mais turistas, nacionais e internacionais, estão a vir para a Ilha de Moçambique e encontram um ambiente harmonioso, facto que não se verificava na gestão municipal anterior. Isso é um passo positivo. Estamos a falar de uma redução de cerca de 98 porcento.
@V – Qual foi papel do município na redução de fecalismo a céu aberto ao longo das praias?
AM – A edilidade construiu sanitários públicos comuns, com seis compartimentos. Um lado para os indivíduos de sexo masculino, e outro feminino. Nesses locais existem funcionários do Conselho Municipal que garantem a limpeza dos mesmos.
Estamos a utilizar a água do mar, porque se utilizássemos a do sistema o nosso projecto falharia. Penso que resultou, mas, acima de tudo, o trabalho dos líderes religiosos na consciencialização dos munícipes foi fundamental, uma vez que se trata de assuntos que eram tidos como problemas culturais intocáveis. Nós construímos três sanitários e reabilitámos seis.
Os mesmos são usados gratuitamente, uma vez que o nosso objectivo principal era reduzir o fecalismo na praia, além disso sabemos que a maioria da população é carenciada. Na verdade, a nossa preocupação é com a mudança de mentalidade das pessoas, e é isso que tem vindo a acontecer.
@V – O que é que o município está a fazer para estancar a erosão que tem vindo a corroer a cidade?
AM – A Ilha tem tido erosão de vária ordem, uma delas é a marinha, através das ondas gigantes que aparecem na época de mau tempo. A cada ano que passa a cidade vai ficando pequena. Porém, para estancar o problema nós fizemos a construção de muros na parte do bairro de São Francisco Xavier e também estamos a fazer a protecção na parte frontal da urbe a partir da Igreja Santo António até ao Hotel Omuhipiti.
@V – Apesar de se tratar de uma cidade muito pequena, o desenvolvimento da Ilha de Moçambique continua eternamente adiado. O que é que está a falhar?
AM – O importante é perceber que o desenvolvimento tem de ser feito por todos nós e uma das coisas boas é que, para haver desenvolvimento, tem de existir colaboração e participação dos munícipes. Por exemplo, as pessoas já começam a organizar sacos plásticos para guardar o lixo, isso é importante. Se não existir colaboração, não teremos desenvolvimento, porém, nota-se o esforço dos moradores para melhorar o aspecto da Ilha. No entanto, os munícipes devem ser informados sobre o que se passa na sua cidade, se há problemas deve haver uma comunicação.
@V – Quais são as actividades com grande peso nas receitas da Ilha?
AM – É a pesca, a produção de sal, a agricultura (na parte continental) e, nos últimos quatro anos, o turismo tem vindo a crescer de forma significativa. A Ilha de Moçambique era conhecida como uma zona de fome e em alguns casos encontravam-se famílias que tinha apenas uma refeição por dia, mas isso não se verifica com frequência. Reduziu muito a importação de produtos agrícolas de outros distritos porque já se produz mandioca, milho, amendoim, feijão e até já temos a criação de animais, como gado bovino.
Além disso, somos bons produtores de castanha de caju. Porém, pensamos que é preciso elevarmos o turismo. Se nós querermos eleger uma actividade que possa estar à frente, podemos escolher o turismo, porque vai fazer com que também a pesca cresça. E uma das coisas que fizemos foi construir um balcão de informação turística, que se encontra na fase da sua criação, praticamente já inauguramos no ano passado, estamos agora a arrumar a casa.
Enquanto isso ocorre, nós tivemos negociações com a Universidade Católica de Moçambique para instalar pelo menos uma faculdade de Hotelaria e Turismo, olhando para aquilo que é a actividade da Ilha de Moçambique, que seria útil para o enquadramento da juventude, sobretudo nas estâncias turísticas que vão aparecer no futuro.
@V – No que tange à arrecadação de impostos, o que se pode dizer sobre a Ilha de Moçambique?
AM – A arrecadação de impostos ainda é baixa, nós temos actividades locais nos mercados municipais e os nossos mercados são de pequenas dimensões. Temos actividades como comércio, refiro-me às barracas, é uma das nossas principais fontes. Também tempos o Imposto Pessoal Autárquico, Predial, taxa de veículos, transporte e a travessia da ponte.
Em média, por mês, essas taxas não ultrapassam os 200 mil meticais. Precisamos de nos reorganizar internamente para ver se conseguimos fazer uma colecta mais alargada e a nossa aposta vai ser no Imposto Predial Autárquico e estamos numa fase de organização do cadastro e o levantamento do que existe. Mas o mais importante nesta componente é a consciencialização dos munícipes. As pessoas devem saber que têm de cumprir as suas obrigações fiscais.
Com as receitas internas, embora poucas, estamos a construir duas salas de aulas neste momento, isso para demonstrar a importância de pagamento do imposto. Naturalmente, algumas pessoas devem ter passado muito tempo sem pagar impostos e é preciso consciencializá-las. Em suma, as nossas receitas são muito baixas, mas pensamos que estamos melhor. Nos anos anteriores estávamos com uma média de 50 mil meticais por mês.
@V – Em todas as ruas existem pequenos negócios informais feitos à porta de casa dos moradores, sobretudo a venda de produtos alimentares. O que o município tem a dizer em relação a esse cenário?
AM – Trata-se de um situação recente. Esse negócio acaba por ser prejudicial para o município, assim como para a saúde pública por causa da exposição dos alimentos à poeira e aos veículos na via pública. Nós fizemos a primeira reunião, criámos uma polícia municipal que faz o complemento das actividades administrativas do município, e discutimos a ideia de recolher os produtos das pessoas.
Eu particularmente não gosto da ideia porque aquela família a quem são retirados os seus bens é carenciada e aquilo é o garante do seu sustento, razão pela qual evitamos tomar essa acção de recolha. Prefiro gerir as coisas através do diálogo. Não se trata de um problema difícil, vamos resolver, até porque já resolvemos problemas mais difíceis do que esse.
@V – Os jovens queixam-se da falta de oportunidades de emprego na Ilha de Moçambique. Quais são as políticas do município relativamente à juventude?
AM – Oportunidades de emprego são daquelas coisas mais difíceis de gerir. Nós aqui no município neste mandato admitimos mais de 53 jovens, esse número é pequeno, refiro-me a nível do município. Por exemplo, a polícia que nós criámos é constituída por 25 jovens, 30 estão espalhados pelos serviços urbanos, escritórios, incluindo os motoristas. Neste momento que decorrem as obras de reabilitação de estradas e abastecimento de água, convidámos os jovens a integrarem as actividades.
Contamos pelo menos com mais de 50. Pensamos que estamos a resolver o problema. Mas também podemos encontrar jovens a trabalhar nas estâncias turísticas, sobretudo nos hotéis e casas de acomodação. Devo dizer que grande parte dos jovens é desempregada. Também trabalhamos com o Governo na questão dos “sete milhões”, enquanto não resolvemos a problemática de emprego via município.