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Autárquicas 2013: Ilha de Moçambique, onde a miséria impera

Elevada à categoria de Património Mundial da Humanidade em 1991, a primeira cidade moçambicana vive à sombra do passado colonial. O tempo passou, mas a Ilha de Moçambique perdeu-se na monotonia que se embrenha no seu quotidiano. Grande parte dos habitantes é carenciada e vive, precariamente, nas ruínas e casas de macuti de que é constituída a urbe, na incerteza do amanhã. Falta quase tudo: emprego, água e, principalmente, comida.

Na entrada da parte urbana, um pequeno jardim esmeradamente cuidado sobressai aos olhos, porém, o mesmo não esconde os diversos problemas que enfermam a Ilha de Moçambique. Quem visita a mais antiga cidade do país não fica indiferente relativamente à miséria que se cola à pele dos seus residentes. A pobreza extrema, espalhada por todos os cantos, causa agonia aos moradores, e não só. A autarquia, em termos arquitectónicos, é dividida em duas zonas, nomeadamente a “cidade de macuti” e a de “pedra e cal”.

Quase todos os edifícios possuem aspecto abandonado. Na verdade, a urbe é um amontoado de ruínas que formam uma paisagem áspera. O município, com uma população estimada em 52 mil pessoas, é um lugar onde as condições de vida definham a cada dia que passa.

Ainda não são 6h00 da manhã, Ussene Amade já se encontra de pé. Todos os dias, acorda muito cedo e põe-se a olhar para o mar, relembrando os seus tempos áureos de pescador, profissão que abraçou durante muitos anos. Presentemente, com 69 anos de idade, já não se pode dedicar à pesca, a única actividade que sabe fazer, e, consequentemente, a sua família passa por privações no que toca à alimentação. “Perdi o meu barco, o único meio que me permitia garantir o sustento da minha família. Além disso, a minha idade já é avançada e, mesmo que tivesse uma nova canoa, não conseguiria fazer-me ao mar”, desabafa.

O nosso interlocutor mora no interior da ilha há mais de 20 anos numa ruína que não é da sua pertença; antes vivia na parte continental do município. Semelhante a muitas habitações em redor, a sua moradia distingue-se pelas suas paredes que, a qualquer momento, podem ruir. Diga-se, em abono da verdade, a primeira impressão que se tem do espaço é de que se trata de um local abandonado. Ou seja, a residência não é um lugar onde se possa albergar uma família, mas é a casa na qual Amade e o seu agregado familiar repousam a aguardar o passar de tempo na expectativa de que o dia seguinte seja melhor do que o anterior.

Amade, a sua esposa, Amina Tanquali, que não se lembra a idade, uma filha e nove netos dividem apenas um cómodo de uma cabana construída no interior da ruína. No interior da casa, a precariedade das condições é lamentável. “Não fosse a minha filha, nós já teríamos morrido de fome. Ela sempre consegue alguma coisa através do negócio que faz para termos pelo menos uma refeição por dia”, diz.

Assim como Ussene Amade, muitas famílias vivem castigados pela fome no interior das ruínas, ocupadas por centenas de pessoas. Na ilha moram cerca de 14 mil habitantes, e o restante encontra-se na parte continental. A precariedade das condições em que estão mergulhados os moradores faz daquela cidade insular um dos mais pobres município de Moçambique. É, na verdade, um lugar interdito à prosperidade, pois falta quase tudo.

A dor de viver na ilha

A Ilha de Moçambique tem uma população estimada em 52 mil habitantes, distribuídos em 32 bairros, dos quais oito se encontram na “cidade de pedra e cal” (a maioria vive na parte continental), e possui um posto administrativo rural. Dispõe de uma fábrica de descasque de castanha de caju que emprega perto de 400 pessoas, além da actividade de extracção de sal na qual trabalham dezenas de indivíduos. Os produtos mais cultivados são, nomeadamente, mandioca, milho, amendoim, feijão e castanha de caju. Além disso, já se assiste à criação de animais, como, por exemplo, o gado bovino. Refira-se que a agricultura é praticada exclusivamente na parte continental.

Na “cidade de pedra e cal” os munícipes dedicam-se ao comércio informal, sobretudo à venda de peixe frito e mandioca, por sinal a principal dieta dos residentes daquela autarquia. Ao longo das artérias da urbe é possível ver tabuleiros de produtos alimentares à porta de casa expostos à poeira.

Agira Chande, de 38 anos de idade, ganha a vida na praia dos pescadores vendendo chá e bolinhos de sura todas as manhãs. Sentada rigidamente no chão, ela ajeita a lenha e as pedras que sustentam um enorme panela contendo água. Por dia, consegue amealhar 300 a 450 meticais, valor que garante o sustento do seu agregado familiar constituído por sete pessoas. “Os meus clientes são os pescadores e os que vêm comprar peixe”, afirma e acrescenta: “esta é uma forma que encontrei para ajudar o meu marido nas despesas de casa”.

Porém, os jovens são as principais vítimas da monotonia que se verifica no quotidiano da Ilha de Moçambique. Grande parte deles possui o mesmo perfil: tem baixo grau de escolaridade e partilha as ambições. De diferente apenas têm a idade. Paira um sentimento de abandono no seio da juventude, pois emprego não há, tanto no comércio do centro urbano e na parte continental como a nível do Conselho Municipal, que já emprega pouco mais de 50 pessoas, e no governo distrital. Sem opção, nem profissional nem de formação, pensam, invariavelmente, na pesca ou em rumar para a capital do norte, a cidade de Nampula.

A camada juvenil leva uma vida recatada. Todos os dias, reúne-se ao longo da costa. É nesse local onde a maioria procura a oportunidade de sobrevivência. Uns dedicam-se à pesca, e outros compram pescado para revender. Muarabo, de 26 anos de idade, é um exemplo disso.

Insatisfeito com as condições que se vive na ilha, o jovem diz que tem dificuldades em habituar-se à realidade da sua terra natal, ponderando a hipótese de se mudar para a cidade de Nampula. “Não há nada para fazer aqui, pois tudo é parado”, desabafa. No entender popular, na Ilha de Moçambique a vida é monótona e o relógio parece não assinalar a passagem do tempo. Nos dias em que do mar não sai pescado, o que já era difícil, tende a piorar.

Estrada e urbanização

Os traços coloniais e da presença de árabes continuam patentes (e intactos) em cada uma das artérias da Ilha de Moçambique. Pouco ou quase nada foi feito no que respeita às infra-estruturas sociais e económicas de modo a galvanizar a vida naquele município.

Ao longo dos últimos anos, foram construídas apenas duas pontes em Chilapane e Chebezi que presentemente facilitam a circulação das pessoas, sobretudo crianças que usam a mesma para ir à escola. Antigamente, a travessia era feita de forma bastante precária e havia relatos de casos de afogamentos e conflitos homem-animal. Por semana, em média, duas situações de ataques de crocodilo eram reportadas.

Por outro lado, foi feita a reabilitação do cais, manutenção dos seis jardins, tendo sido instalado um sistema de regadio. Mas no tocante a vias de acesso ainda há muito por ser feito. A dimensão das estradas é de 14 quilómetros. Já há algum tempo, iniciou-se com a colocação de pavês que já vai atingiu níveis acima de 50 porcento. Nas três principais vias as obras já estão quase concluídas.

No que tange à urbanização, o ordenamento ainda é uma grande preocupação, pois ainda é preciso fazer a requalificação dos bairros. A cidade “de pedra e cal” mantém ainda a sua estrutura arquitectónica colonial e os edifícios continuam intactos na parte exterior, pois o município conta com uma política de conservação daquela urbe que é considerada Património Mundial da Humanidade.

No ano passado foram demarcados 600 talhões para resolver o problema de desordenamento territorial, que cresce a olhos vistos na Ilha de Moçambique. Nos bairros onde há construções desordenadas são frequentes acidentes, sobretudo incêndios. Com o apoio do Programa de Desenvolvimento Autárquico, presentemente o município conta com áreas delimitadas para as actividades sociais e económicas. Foram distribuídos 30 terrenos, principalmente para os jovens. E, neste momento, a edilidade prepara-se para atribuir mais espaços a pessoas interessadas.

Saúde

A autarquia conta com cinco unidades sanitárias. Devido às dimensões territoriais do próprio município, os moradores não percorrem mais de 10 quilómetros para ter acesso a cuidados médicos e medicamentosos. A principal preocupação dos munícipes tem a ver com o facto de não existir um bloco operatório para a realização de pequenas cirurgias. No entanto, assuntos dessa natureza são transferidos para a vila municipal de Monapo que dista pouco mais de 45 quilómetros. Porém, já existe uma luz verde para a construção de um hospital rural na parte continental.

O acesso à saúde ainda não é satisfatório. A principal unidade sanitária localiza-se na “cidade de pedra e cal” e funciona num edifício precário, onde os pacientes aguardam por atendimento médico a céu aberto. A cidade já dispõe de um médico a tempo inteiro, duas ambulâncias e um carro funerário.

Electricidade

O acesso à energia eléctrica ainda não é abrangente, sobretudo para os munícipes que vivem na parte continental. A cobertura não ultrapassa os 30 porcento da população. A iluminação pública continua fraca.

Água e saneamento

Já foram abertos 35 poços a nível dos bairros para o abastecimento de água, facto que levou a que a percentagem de cobertura subisse de 25 para 45 porcento. O sistema antigo que funciona desde 1960 já se apresentava incapaz de responder às necessidades dos utentes, uma vez que o número de habitantes quintuplicou; todavia, estão em curso obras de reabilitação do sistema de água que consistem na colocação de novos tubos e na construção de novos depósitos elevados no posto administrativo de Lumbo e na zona de Massicate. Nos próximos meses, a cobertura de água no município da Ilha de Moçambique será maior, esperando-se atingir 50 porcento da população.

Na parte continental, os moradores passam por situações difíceis por causa da falta de água. A maioria das comunidades não dispõe de poços artesianos e é obrigada a abrir poços. Por azar, devido a depósitos minerais, o lençol freático apresenta um elevado grau de salinidade, e o acesso à água potável nos bairros de Massicate, Tibane, Súrio, entre outros, ainda é uma dor de cabeça. Até há pouco tempo, essa água era utilizada para beber, lavar roupa e confeccionar comida. E problemas de saúde era o que não faltava, sobretudo entre as crianças. Porém, actualmente, é usada para a agricultura de subsistência.

Município da Ilha de Moçambique em números

População: 52 mil habitantes

Poços artesianos: 35

Cobertura de água: 45 porcento

Funcionários municipais: 53

Receitas municipais: 200 mil meticais por mês

Unidades sanitárias: 5

Bairros: 32

Terrenos parcelados: 600

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