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Recordar é Viver… Zaida Hlongo

Recordar é Viver… Zaida Hlongo

No dia 8 de Junho de 2004, a Cidade de Maputo parou e rendeu homenagem a Zaida Hlongo. Era o funeral de uma estrela popular. Os jornalistas tiveram a responsabilidade de reportar o acontecimento e o resto do país também parou. “É o funeral mais concorrido depois do do Presidente Samora Machel (1986)”, repetiam as pessoas.

Zaida foi também notícia na imprensa internacional. Um canal português de televisão colocou em rodapé que “morreu a Madonna moçambicana”. Apesar de certa dose de reserva quanto a essa comparação, tal serviu para reconhecer o impacto da obra de Zaida, cantora de sorriso ingénuo e contagiante. Zaida tinha o seu estilo próprio. Tinha a sua personalidade.

Abordava questões do quotidiano moçambicano na sua perspectiva. Queria ser uma Mulher livre de preconceitos – libertou-se de alguns e foi vítima de outros tantos. Não alimentava a carreira com escândalos, mas “escandalosa” era rotulada. O mais escandaloso é que a sua contribuição para a música e luta pela direitos da mulher foi, após a morte, reduzida, nalguns círculos da imprensa sensacionalista, a uma trivial pesquisa para se apurar se morreu ou não de SIDA, o que reforça o estigma sobre as vítimas da pandemia. Animador, apesar da tristeza, é o facto de, no momento de despedida, o povo ter celebrado a vida da sua estrela e indeferido a morte.

Zaida Jaime Mucavel nascida a 17 de Junho de 1970, em Mahubu, distrito de Boane, na província de Maputo. É a quinta dos seis filhos do casal Jaime Mucavel e Amélia Cossa. O seu pai, de acordo com o Carlos Hlongo, tocava Xizambi, um instrumento tradicional em forma de arco. Entre os seus irmãos, acrescenta Hlongo, “era a única que tinha interesse pelo canto e dança.”. Zaida entrou para o mundo da música de forma desinteressada. Assistia a espectáculos e no seu canto ensaiava passos de dança. Mereceu a atenção de Carlos Hlongo.

Nasceu a paixão pela música e entre os dois o amor não demorou a acontecer. Era o início, nesse 1983 de seca, fome e guerra, de uma interessante e inovadora forma de estar e fazer música. “Conheci a Zaida depois de um espectáculo na Matola e pouco tempo depois passou a fazer parte do grupo como dançarina”, recorda o guitarrista e cantor Carlos, pais dos dois filhos de Zaida. Tal como em todas as grandes uniões, Zaida e Carlos complementavam- se. No canto e na dança, o casal manifestava esse calor que animava multidões e dividia a opinião pública. É que Zaida libertava-se de todos os preconceitos e dançava pela igualdade. Para ela, a Mulher não devia mais ser submissa.

Entendia que a Mulher devia agir e não apenas discursar. Foi por essa via que, entre 1990 e 1991, decidiu experimentar o canto. Carlos diz que ela aprendia com muita facilidade, daí que não tenha sido complicada a sua inserção no novo mundo. Zaida foi muitas vezes criticada, alegadamente porque exagerava na dança. Ironicamente, todos os seus críticos não perdiam os seus espectáculos que, em regra, eram em lotação esgotada. São poucos os artistas que conquistam esse feito.

Mas, por estar consciente do que fazia, Zaida não desistiu. A sua missão era clara: Queria ajudar a sociedade a reflectir sobre a vida, deixando de lado as pequenas questões. Foi por isso que cantou Zabelani, Drenagem, Sibô, Alfândega ou Sifa si Dlhile. Em cada uma dessas canções há a denúncia dos casos que afectam a nossa sociedade, atingindo de forma particular a mulher. Diga-se que, nessa batalha, Zaida foi a portavoz de toda a Mulher humilhada. Essas canções foram tornadas populares pela rádio, em particular a RM, que foi, aliás, a casa onde ela, pela primeira vez, gravou, em 1993.

Foi através dessas ondas que Zaida atingiu os cantos mais recônditos deste Moçambique, o que ajudou a erguer essa imagem de Estrela do Povo. Até a sua morte a 4 de Junho de 2004, Zaida gravou com Carlos Hlongo oito álbuns (pelas editoras Rádio Moçambique, Orion e Vidisco), nomeadamente: Zabelane, N’dzuti, Sibô, Toma que te dou, Drenagem, Alfândega, Ma take away e Sifa Si Dhlile. Diga-se que com as suas mensagens de intervenção social e passos de dança adorados e contestados, Zaida quebrou mitos e Zaida Hlongo (17 de Junho de 1970 – 04 de Junho de 2004) tornou-se o mito da canção popular moçambicana. O estranho debate que decorreu sobre as causas da sua morte poderá ter sido provocado pela fama. Mas a associação que se faz ao SIDA representa outro cenário.

A tentativa de descobrir a doença que provocou a morte parece largamente motivada pelo estigma sobre as pessoas infectadas e afectadas pelo SIDA. Nessa óptica, procura-se dizer que a cantora não tinha boa conduta ou que teria sido melhor morrer de outra doença. É o tal problema de se pensar que apenas os outros é que podem morrer de SIDA. Essa construção é também a extensão da redução do seu talento a uma mera apresentação de uma dançarina que seduzia o público com gestos sexuais. É preciso compreender os artistas e não avançar emocionalmente com rótulos que marginalizam a sua imagem.

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