Ninguém como este grupo de jovens levou tão a sério o sonho de se tornar estrela de cinema. São 57 pessoas e não querem que lhes falem de limites, até porque, acreditam, “a esperança é a última a morrer”, mesmo sabendo que a indústria da sétima arte no país é uma miragem. Sonhar é fácil, mas, diga-se, difícil é transformar o sonho em realidade.
Todos os dias, ao meio da tarde, a Praça da Paz, no bairro da Malhangalene, não é a mesma, pois um grupo de pessoas sobressai aos olhos de quem por lá passa. Mas o que mais chama a atenção não é apenas um grupo reunido em bando, pelo contrário, são as conversas de jovens que se cumprimentam em grande animação, a simulação de briga e as vozes de pessoas agitadas.
À primeira vista, a impressão é a de que estamos diante de um agrupamento de jovens desocupados ou anormais, mas, quando nos despimos de preconceitos e nos aproximamos do conjunto, depressa, nos apercebemos de que se trata de actores amadores a ensaiar.
Eles pertencem a uma academia denominada “Mensageiros de Deus”. Mas não têm nada a ver com uma congregação religiosa, embora se oiçam orações no início de cada ensaio. Aliás, é apenas uma forma que os jovens encontraram para se ocuparem e afastarem-se dos vícios e outros males do mundo.
Ao todo são 57 indivíduos, de ambos os sexos – na sua maioria do sexo feminino – e das mais variadas idades. O mais novo do grupo tem 12 anos e o mais velho conta com 50. Porém, cada um persegue o mesmo objectivo: cumprir a paixão de infância, que é tornar-se numa estrela do mundo da sétima arte.
Desde pequenos que alimentam a vontade de serem actores. E é na Praça da Paz onde esse sonho se revigora à medida que o tempo vai passando. Ao relento, debaixo de um sol causticante e sob o olhar apreensivo de quem por lá circula, os jovens exercitam-se. Fazemno de forma descontraída e, mesmo assim, não deixam de apelar à curiosidade dos transeuntes.
Tem sido assim todos os dias, de segunda a domingo, entre as 15 e as 17h30. Nos fins-de-semana, os ensaios prolongamse até às 19 horas.
Não há guião. O que vale é a criatividade
Sexta-feira, 11 de Março. Ainda não são 15 horas e os actores vão chegando um por um para mais um dia de ensaio. Quinze minutos depois da hora 15, chega um pouco mais da metade dos jovens que compõe a Academia Mensageiros de Deus, desta vez para ensaiar as cenas de uma novela.
Começam com uma pequena oração. Depois dispersam-se: as raparigas de um lado, os rapazes de outro. De seguida, vão formando pequenos grupos mistos e agem como se estivessem a ser filmados. Aliás, tratase de uma simulação das cenas da novela denominada “A Morte dos Humanos” que será gravada amanhã (19 de Março) com recurso a meios próprios. Ou seja, alguns elementos do grupo ofereceram a sua casa para a filmagem de algumas cenas, além de pequenas doações feitas para o aluguer da câmara de fi lmar e aquisição das videocassetes.
Quem lidera esta turma é Yassin Valdemiro José, de 33 anos de idade, que também é o autor da história. A novela retratará a questão de prevenção de HIV/ SIDA, fi delidade e o amor entre os seres humanos. “A ideia é fazer uma novela tipicamente africana de modo que os moçambicanos se sintam identifi cados com a história. Além disso, pretendemos incentivar as pessoas a optarem sempre pelo caminho da honestidade e a ocuparem os seus lugares na sociedade”, comenta.
Diga-se, nesta narrativa desconstrõem- se os problemas que andam à volta da vida social, além da exploração dos constantes conflitos entre o Bem e o Mal e Sintonia e Caos numa sociedade onde os valores morais se vão deteriorando com o tempo. No centro do enredo estão duas jovens mulheres que são abandonadas pelos seus progenitores e recorrem à prostituição para sobreviverem. As jovens vivem entre a discriminação e a estigmatização, desafi ando tudo e todos – e até o bom senso.
Ao contrário do que acontece com outras produções, nesta novela não há guião ou roteiro para decorar. Aqui vale o improviso, ou seja, depois de distribuídos os papéis, os jovens têm de mostrar a sua capacidade criativa, desenvolvendo um diálogo dentro de balizas prédefi nidas Cumprir a paixão de infância
Os 57 jovens sentem que estão a poucos passos de realizarem o seu sonho, apesar de estarem cientes das dificuldades que há em ser actor em Moçambique. Não olham para os obstáculos que têm pela frente, até porque, acreditam, com os meios próprios aliados à força de vontade poderão cumprir a paixão de infância que já vem sendo adiada há vários anos.
Em “A Morte dos Humanos”, Isaías Orlando vive a personagem de miúdo larápio que se dedica ao roubo de forma descarada e é oposto a quaisquer valores sociais pré-estabelecidos. Mas, na vida real, Isaías tem 12 anos de idade, é estudante, e mora com os seus avôs. Desde aos 6 anos que alimenta o desejo de ser uma estrela de cinema, e, quando recebeu o convite para integrar a Academia Mensageiros de Deus, viu uma oportunidade de tornar realidade o seu sonho. “O meu sonho é ser uma estrela. Falei com os meus avôs quando me fi zeram o convite e eles permitiram-me vir ensaiar todos os dias”, diz o pequeno Isaías.
Aziza Ali é a mais velha do grupo. Ela tem 50 anos de idade, mas a data de nascimento que aparece no seu bilhete de identidade não é relevante, pois Aziza continua a sonhar: “quero ser uma estrela. É uma paixão que descobri de um dia para o outro”, conta.
Ela é funcionária pública – trabalha na Rádio Moçambique como recepcionista –, na novela a ser gravada faz o papel de um empresária que viveu muito tempo no estrangeiro e decidiu voltar a Moçambique para abrir uma academia de moda. “Estou feliz, pois está a ser uma boa experiência. No princípio, foi difícil integrar-me no grupo”, comenta Aziza antes de dizer que o convite “veio a calhar”.
Nelson Obediente, de 23 anos, trabalhador de sistema de manutenção, é outro jovem sonhador. “Sinto que estou próximo de realizar o meu sonho”, diz Nelson que, em “A Morte dos Humanos”, vive a vida de um rapaz sedutor e galanteador de mulheres mais velhas. “Aqui aprendi como ser um actor e sinto que já estou minimamente preparado para grandes desafi os”, afi rma.
Youra Eunice, de 18 anos de idade, estudante, tem a sguinta opinião: “Encontrei o caminho para ser uma actriz. Quando entrei nesta academia não tinha a certeza do que queria porque o meu sonho era ser bailarina. Mas hoje já sei o que quero e sinto que sou capaz”, comenta. Youra faz o papel de uma activista e modelo emergente.
Quando não está a ensaiar, Lino Simango, de 33 anos de idade, dedica-se à bijutaria e à música. Mas o seu sonho sempre foi fazer teatro ou cinema. “Hoje, sinto que estou a poucos passos para concretizar o meu sonho”, diz.
Na trama, o jovem vive o papel de um chefe de família generoso, casado, com uma mulher que dita as regras em casa. Maria Mondlane, Rute Milagre e Emilza Feliciano são também algumas jovens movidas pelo sonho de se tornarem estrelas.