Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

“Queremos chegar a quatro milhões de moçambicanos”

“Queremos chegar a quatro milhões de moçambicanos”

Esta é das poucas entrevistas em que tratamos o nosso entrevistado por Tu. Na conversa o nosso director, Erik Charas, falanos do contexto em que surgiu @ VERDADE, da necessidade do compromisso com ela [a verdade] como base para o desenvolvimento do país, das difi culdades de fazer ver aos anunciantes a diferença entre 50 mil e 5 mil exemplares e do sonho de daqui por cinco anos ter quatro milhões de moçambicanos a ler o @ VERDADE.

Como é que surgiu o projecto @ VERDADE?

Erik Charas (EC) – A ideia surgiu da vontade que tínhamos de intervir no processo de desenvolvimento do país. Quando comecei a pensar que tipo de intervenção podia ser feita ligada ao processo do desenvolvimento social e com impacto económico surgiu a ideia de um jornal gratuito. Não é possível desenvolver programas de transformação social sem considerar o factor económico. No fundo, trata-se de arranjar forma de as pessoas terem dinheiro nas mãos para resolverem os problemas da sua limitação social. É isso que, por sua vez, gera uma transformação. A melhor forma de fazer isso é gerar empreendedores. Quando se começou a pensar nisso, como imbuir as pessoas dessa cultura, de modo que seja o cidadão a fazer e não esperar que o Estado faça, foi fácil chegar à conclusão de que não havia um meio que comunicasse com a maioria da população. No nosso país, a população não só está dispersa como não possui meios fi nanceiros. Verifi cámos que mais de 90% da população estava excluída da informação. Se se quiser promover empreendedores ou alguém que desenvolveu um produto novo não existe, neste país, como comunicar a descoberta. Foi a análise que eu fi z. Quando se olha para as estatísticas e se constata que só 10% da população tem acesso à energia, isso limita tudo o que utiliza energia. Talvez aja dois milhões com acesso à energia. Mas depois desses dois milhões quantas podem comprar um aparelho de TV? Não chegam a 20%! Em Moçambique a televisão não chega a um milhão de pessoas! A palavra impressa tem mais credibilidade. Por isso fomos para o jornal. Vou ser duro: neste país ninguém publica números ofi ciais de tiragens apesar de ser um dos requisitos que se exige no acto de registo de um jornal. Ninguém escreve os números da tiragem e ninguém verifi ca essas cópias. Mas foi fácil saber que o maior jornal de Moçambique imprimia dez mil cópias por cada edição e dessas dez mil, três mil são entregues nos ministérios, ao Estado. Quando saímos, os semanários imprimiam no máximo cinco mil e no mínimo mil. Estes números são irrisórios num país em que existem oito milhões de pessoas que sabem ler e escrever. Um cidadão que não está informado do que se passa no país dele e no mundo não é cidadão, é alguém que vagueia. Acorda todos os dias, tem a luta do transporte para ir ao emprego – aqueles que têm sorte de ter um emprego – a luta para arranjar comida, as contas para pagar, depois volta para casa e não tem nada para fazer. Muitos dos nossos compatriotas só quando saem à rua é que descobrem que o ministro foi demitido ou que têm um novo imposto a pagar. Sabe-se pela rua coisas que ele devia saber pelos órgãos de informação. Com todas estas carências foi fácil chegar à conclusão de que era necessário um órgão de informação para os excluídos. A escolha é entre um pão por dia ou um jornal por semana. É cruel quando um país pede a um cidadão para escolher se deve alimentar a barriga ou o espírito. Acabamos provavelmente com cidadãos vivos, de barriga cheia, mas ignorantes. O facto de o jornal ter um preço só serve para impedir o acesso de toda a população a ele. Porque em jornais que imprimem cinco mil cópias o preço de capa não é para pagar nada das despesas correntes do jornal. Todos os jornais neste país vivem de publicidade, o preço é um factor para impedir que o jornal acabe. Nós damos, só à porta da redacção, 2500 cópias numa manhã! Qualquer jornal em Moçambique sem preço de capa acabava em menos de uma hora. Não era visto, por isso não tinha valor publicitário. O preço é usado para impedir o acesso à informação. Isto quer dizer que temos a imprensa restrita a uma elite. Por isso @ VERDADE surgiu gratuita, numa lógica de “vamos retirar o preço para permitir o acesso”. E começámos com um mínimo de 50 mil.

 

Bebeste as referências dos gratuitos que já existiam lá fora?

(EC) – O conceito de jornal gratuito não é novo, existe no mundo inteiro. Todos os dias há gratuitos que nascem e morrem. Foram referências importantes países como Portugal, Espanha, os países nórdicos e os Estados Unidos. Nesses países, os jornais gratuitos são os de maior circulação e tiragem. Hoje lideram porque cada vez mais existe este conceito de que a informação deve ser de graça. Hoje a informação tem claramente dois caminhos: um deles é muito caro, a especializada, onde só ali se encontram determinados assuntos; e a outra é a gratuita em papel e na internet. O meio-termo não existe, ou melhor, só existe para impossibilitar o acesso. O preço de capa de um jornal que faz cinco mil cópias não é para pagar absolutamente nada.

 

Qual a razão do nome @ VERDADE?

(EC) – A verdade é que a verdade não tem preço (risos). Temos de entender que há um compromisso que as pessoas precisam de fazer no contexto do desenvolvimento de Moçambique, porque parece que neste país não sabemos bem qual é o compromisso. Andamos um pouco baralhados como nação. Não sabemos se o compromisso é erradicar a pobreza absoluta, se o compromisso é a democracia, ninguém parece saber. Um factor comum de que ninguém discorda é que o único compromisso neste momento que estamos dispostos a fazer cegamente é com a verdade. No processo de desenvolvimento deste país se há algo com que eu me possa comprometer é com a verdade, com a minha própria verdade. Se eu for verdadeiro comigo mesmo é possível construir tudo. Esta seria uma boa base para nós estarmos todos em cima dela. Construamos o nosso desenvolvimento sobre a plataforma da verdade, porque se não for sobre essa caimos todos. Temos de nos comprometer com algo fundamental que é a verdade. A aceitação do jornal tem um pouco a ver com isso.

 

O que é que sentiste quando o jornal saiu à rua pela primeira vez?

(EC) – Uma grande satisfação. Desde o primeiro dia que isto foi fundamentalmente um trabalho de equipa, a maior parte dela ainda cá está. Houve um momento de alguma frustração que não sabíamos se estávamos prontos para vir para a rua. A ansiedade transformouse em medo. Será que estamos a fazer isto bem? Porque estávamos a ser um pouco cobaias. Nunca ninguém tinha feito nada deste género antes neste país! O jornal não fez nenhuma festa de lançamento. Todos concordámos em que não podemos celebrar intenções como o país faz muito. Aqui, no nosso país, nunca celebramos achievements – realizações – como dizia um amigo meu americano.

 

Quais são as grandes dificuldades que o jornal enfrenta?

(EC) – A grande difi culdade é que o mercado ainda não entende alguns conceitos básicos. Ninguém audita, porque infelizmente neste país dá-se muito pouca relevância ao número, à contagem, à medição. Ninguém compara o facto de meio milhão de moçambicanos estar a ler o @VERDADE e menos de 40 mil estar a ler o jornal X. Em termos de anúncio e de contacto se tenho um produto, seja ele qual for, o custo para chegar a 40 mil pessoas comparado com o custo que temos para chegar a 500 mil nunca pode ser um custo bruto, tem de ser um custo a chegar a cada elemento. Ainda temos muita gente que não faz esses cálculos. Os decisores pensam: tenho este orçamento para gastar não importa como. As empresas neste país não são geridas por resultados, então ninguém liga nenhuma aos números. Não há uma meta de resultados a atingir. Este tem sido um grande cavalode- batalha. Mas, talvez, o nosso maior problema seja aqueles que não nos respeitam, que não pagam nos prazos estabelecidos, aqueles que fazem uso de nós para chegar ao povo e depois do anúncio publicado, inexplicavelmente, atrasam sobremaneira os pagamento dando cabo do todo o nosso “cash fl ow”. Por isso estamos sempre a refazer planos. O respeito entre o órgão que anuncia e o anunciante não é mútuo. Mas se todos voltarmos à base, isto é, ao compromisso com a verdade, é tudo mais fácil.

 

O que gostaste mais de ver no jornal?

(EC) – Gostei sobretudo de ver os leitores refl ectidos no jornal. Para mim isso foi fantástico! Os “feedback”, as histórias que foram, muitas delas, de certo modo infl uenciadas pelos leitores. A fi delização do leitor que encontrou ali muitas das suas referências. Gostei particularmente das histórias reais, de saber que na capital do país gastam-se milhões de dólares para fazer coisas às vezes pouco perceptíveis e há pessoas que vivem no lixo, na imundície, que morrem crianças em condições desumanas e ninguém sabe. Também adorei a reacção das pessoas com o nosso trabalho sobre Barack Obama.

 

E o que não gostaste de ver no jornal?

(EC) – Acho que não houve nada de que não tivesse gostado. Acho que toda a gente aqui bebeu a essência do projecto.

 

Quais são os próximos passos?

(EC) – O nosso plano de negócio está desenhado para se concretizar totalmente entre três a cinco anos. Há que ganhar sustentabilidade fi nanceira, tem que se intervir noutros contextos, tem que estabilizar primeiro. A grande interrogação é como é que podemos aumentar a tiragem para 100 mil e ao mesmo tempo ter sustentabilidade fi nanceira. Sem isso é difícil aumentar a tiragem. Estamos à procura de formas de como fazer este aumento de forma sustentável para que possamos atingir mais moçambicanos. O objectivo ideal seria daqui a cinco anos estarmos a fazer 300 mil cópias e, quem sabe, mais de uma vez por semana. Aí, sim, estamos a chegar a quatro milhões de moçambicanos dos oito milhões que sabem ler.

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