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“Quem controla o cacau controla a política e a guerra”

Jean Arsène Yao, marfinense de 41 anos, é doutorado em História e professor da Universidade de Abidjan, a capital económica da Costa do Marfim. Presentemente vive em Madrid, Espanha, embora se desloque com frequência àquela cidade que está praticamente a cair nas mãos das forças de Alassane Ouattara, o presidente eleito.

Laurent Gbagbo tem negado abandonar o poder apesar de ter perdido as eleições de Novembro de 2010. Quando é que se pode situar a origem do presente conflito?

Jean Arsène Yao (JAY) – Tudo começou em 1993, com a morte do primeiro presidente do país, Félix Houphouët-Boigny. O seu primeiro- ministro, Alassane Ouattara, e o presidente do Parlamento, Henri Konan Bédié – o sucessor de acordo com a Constituição – disputaram a presidência.

Bédié ganhou e, um ano depois, inspirado por um grupo de intelectuais marfinenses, criou o conceito de ivoirité (marfinidade), que aos poucos se foi desvirtuando para se converter numa arma de arremesso contra uma parte da população, principalmente do norte (malinké e senufo), zona de origem de Ouattara. Nesta região Ouattara obteve entre 70% e 90% dos votos.

Ouattara foi impedido de se apresentar às eleições em duas ocasiões, devido ao facto de o seu pai ser proveniente do Burquina Faso. Há um fundo xenófobo nisto tudo?

(JAY) – No período anterior a 1960, quando a Costa do Marfim ainda era uma colónia, os franceses trouxeram muita mão-deobra exterior para as plantações de cacau, o que faz com que um terço da população seja estrangeira. Procedem do Níger, Mali, Senegal e Guiné-Conacri, e sobretudo do Burquina Faso.

Este imigrantes chegaram de países muito mais pobres e de maioria muçulmana, atraídos pelo ‘milagre marfinense’ dos anos ´70 e identificaram- se mais com os povos do norte. Ouattara, ao lutar pela presidência, converteu-se num símbolo para esta gente. O problema com Ouattara era a origem do seu pai, que, ainda que tivesse vivido muitos anos na Costa do Marfim, foi enterrado no Burquina Faso.

A Costa do Marfim é o principal produtor mundial de cacau. Como é que o conflito tem condicionado a produção?

(JAY) – O cacau representa 40% das receitas de exportação do país. Serviu para financiar grandes projectos mas também a guerra. Quem controla o cacau controla a guerra, a política, a economia, daí o interessa das forças de Ouattara em tomar o porto de São Pedro, desde onde se exporta o cacau.

O comércio e o transporte estão controlados pelos malinké, etnia de Ouattara. Economicamente fortes, só lhes faltava o poder político, e Ouattara encarnava esta hipótese. Aqui também há que contar com os interesses dos multinacionais.

A Costa do Marfim foi sempre um mercado importante e controlado pela França. Com a chegada de Gbagbo as coisas começaram a mudar. China, Rússia, África do Sul e Brasil ganharam uma importante parcela de mercado à França, que vê em Ouattara alguém que pode defender os seus interesses.

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