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Quando a razão da força se sobrepõe à força da razão

Quando a razão da força se sobrepõe à força da razão

Será que voltamos à guerra em Moçambique? O Presidente da República, Armando Guebuza, que continua na sua campanha eleitoral permanente (embora o povo não saiba para que cargo vai concorrer pois em 2014 termina o seu segundo e último mandato constitucionalmente permitido), tranquiliza-nos afirmando que a actual situação política vivida em Moçambique constitui um teste aos moçambicanos se realmente querem a paz.

Fiz essa pergunta a Pedro, um jovem residente da vila de Marínguè, obrigado a fugir da sua casa com a roupa do corpo na passada segunda-feira (28), quando as forças governamentais decidiram tomar a base da Renamo naquela região centro de Moçambique, ao que ele me respondeu, questionando: “Senhor jornalista, qual é a finalidade de todo este sofrimento?”

“Quando tentámos ir para casa esta manhã (terça-feira) buscar alguma comida e outras coisas, de repente os FADM dispararam para o ar e nós voltámos para o mato (…) estão a queimar casas da população, outros soldados estão dentro das nossas casas (…) nós aqui não temos como, nós a falar assim parece que é uma brincadeira mas já que ainda estamos vivos e estamos a respirar quem sabe é mesmo Deus.”

A versão oficial reza que as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (FADM) em cinco horas tomaram o controlo nesta terça-feira (29) do antigo quartel-general da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) sem derramamento de sangue. Contudo, várias fontes asseguram que quando as FADM chegaram naquele que era tido como o principal bastião das forças de Afonso Dhlakama, desde a guerra civil dos 16 anos, não encontraram, mais uma vez, ninguém!

Alguns residentes de Marínguè que se refugiaram na mata, desde que as tropas governamentais sitiaram a vila sede e arredores cerca das 13 horas de segunda-feira (28), relataram telefonicamente ter havido troca de tiros incluindo de armas pesadas durante a noite e na manhã de terça-feira (29), “só as FADM é que estão na vila sede de Marínguè (…) estão a disparar também armas pesadas, fazem muito ruído (…) agora mesmo, começou agora mesmo”.

Não há informação sobre mortos ou feridos, quer do Governo, quer da Renamo, mas os residentes confidenciaram-me que “o fumo e o cheiro que se sente nas matas faz-me pensar que estão a queimar carne, neste caso os mortos.”

Até ao fecho desta edição, milhares de residentes de Marínguè, entre eles idosos e crianças, continuavam nas matas escondidos à espera que a guerra que oficialmente não existe termine para regressarem às suas casas.

Estrada Nacional da Guerra

Passados 37 anos da independência, Moçambique continua a ser conectado entre o norte, centro e sul apenas por via terrestre, através da Estrada Nacional nº1 (EN1). A opção aérea é apenas permitida aos poucos moçambicanos que podem pagar por uma viagem norte-sul um preço similar ao de uma passagem para a Europa. Desde que a Renamo decidiu, a 19 de Junho, condicionar o trânsito rodoviário entre a região do rio Save até ao distrito de Muxúnguè só é seguro viajar do sul para o centro (ou vice-versa) com escolta militar.

Ou pelo menos é nisso que acreditam os milhares de moçambicanos que todos os dia ses fazem à EN1 pelas mais variadas razões, como a jovem Nucha que regressava de um passeio à cidade da Beira nesta terça-feira (29) quando o autocarro onde viajava, confortavelmente numa cama, foi atacado na região de Zove, posto administrativo de Muxúngue, distrito de Chibabava, província de Sofala.

“Eram 7 e pouco, só tínhamos uma viatura da escolta militar à nossa frente (carrinha 4×4 branca com uns oito militares nela) quando de repente começámos a escutar tiros, não sei quantos (…) os camiões que estavam à frente da coluna seguiram viagem mas o nosso autocarro, porque tinha sido atingido, foi mandado parar pelos militares, dentro do machimbombo também havia um militar, armado, e bem preparado sentou-se ao lado do motorista à frente (…) os militares deram instruções ao motorista para parar, apesar dos nossos gritos de pânico a implorar para o motorista seguir, mas não tinha como” contou-nos a jovem, já em segurança em Vilankulos.

“Depois de mais de cinco minutos de troca de tiros, os militares vieram levar os feridos, um china gordo e um moçambicano, e mandaram o motorista seguir viagem para o Save sozinhos. Deixámos os militares atrás a trocarem tiros e continuámos, com muito medo.”

Segundo Nucha, que afirma que no autocarro estavam várias crianças, os atacantes apareceram na mata à esquerda, para quem viaja no sentido centro-sul. Segundo esta jovem quando partiu da Beira estava um pouco receosa, tinha visto as notícias do ataque de sábado (26), quando um “mini-bus” de passageiros decidiu cruzar o troço sem escolta e foi atacado na mesma região. Manuel, um dos passageiros do Toyota Coaster que transportava um pouco mais de três dezenas de passageiros desde a Vila de Machanga para o distrito de Muxúnguè, o ataque aconteceu pouco depois de terem parado para dar boleia a um soldado das FADM estava próximo da ponte sobre o Rio Ripembe. A viagem continuou e alguns instantes depois começaram a ser atacados.

Os tiros vinham da mata e, após um pneu ter sido furado e o motorista atingido, a viatura imobilizou-se tendo ele, e outros passageiros, procurado sair até pelas janelas e fugido do local. Manuel relatou-nos que, uma vez fora da viatura, viu pelo menos 15 homens armados, trajando fardamento completamente verde-escuro, ajudarem os feridos que tinham ficado no “mini-bus” a saírem e depois incendiarem a viatura com rajadas de metralhadoras.

A Renamo em Maputo negou que os seus homens tenham sido os autores deste ataque, que fez um morto, deixou nove feridos e outros tantos passageiros sem os seus haveres.

A jovem Nucha, apesar de ter ficado bem impressionada com os militares bem constituídos que viu, descrevendo-os, assim: “são homens fortes, não são aqueles molezinhas, chamaram-me a atenção pois vi-os a prepararem trincheiras em Muxúnguè e parecem estar bem preparados e têm cara de poucos amigos”, não hesita em dizer que “eu não aconselho ninguém a viajar (…) está assustador, não está bom para mim, tiveram coragem de atacar um machimbombo grande com escolta militar.”

Há informações oficiosas da presença de militares do Zimbabwe, de Angola e até alguns cubanos, entre as forças governamentais que estão no teatro de operações.

Confrontos chegam ao norte

Na manhã de terça-feira (29) a guerra, que não existe, chegou ao norte de Moçambique. As Forças Armadas de Defesa de Moçambique afirmam ter desactivado e ocupado mais uma base da Renamo, desta vez na zona de Havevene, na localidade de Naphone, distrito de Rapale, província de Nampula, após uma troca de tiros com os homens armados da Renamo, não havendo vítimas humanas.

Segundo apurámos estes homens armados pertencem à guarda pessoal de Afonso Dhlakama e estavam afectos à sua residência na Rua das Flores, na cidade de Nampula. Após o ataque à base de Sathunjira estes indivíduos, cerca de uma centena, abandonaram a cidade “capital do norte” e refugiaram-se na região montanhosa do povoado de Naphome.

Segundo um residente do referido local, os homens da Renamo chegaram, apresentaram-se “avisaram a população local para que não se intimidasse com a presença deles e para que prosseguissem com as suas actividades” e escalaram a serra, sem causarem nenhum tipo de incidente contra a população local, porém “hoje fomos surpreendidos com disparos, numa perseguição levada a cabo pelas forças governamentais contra eles, mas estes não responderam, e acho que ainda se encontram naquelas montanhas.”

“Eles sempre falavam que estavam no local aguardando que a situação regressasse à normalidade, e nunca nos passou pela cabeça que se tratava dum eventual retorno à guerra”, disse a nossa fonte, que é um professor e residente neste povoado localizado a pouco mais de 30 quilómetros da cidade Nampula.

Contudo, o nosso interlocutor confirmou que este homens armados da Renamo “estão equipados com armas de fogo de diferentes calibre.” Refira-se que durante a guerra civil esta zona foi um dos bastiões da Renamo.

Mais tarde um camião que transportava 18 pessoas, do posto administrativo de Iapala, no distrito de Ribáuè, para a cidade de Nampula, foi atacado a cerca de 15 quilómetros do posto administrativo de Mutivaze, no distrito de Rapale. Segundo testemunhas, quatro homens armados com metralhadoras AK 47, supostamente da Renamo, dispararam sobre a viatura. Há registo de uma vítima mortal. Até a hora do fecho desta edição tinham sido localizados apenas sete ocupantes, sendo que os restantes estavam desaparecidos.

Já na manhã de quarta-feira, mais uma coluna de viaturas civis, protegida por escolta militar, voltou a ser atacada por homens armados. Até ao fecho desta edição só conseguimos apurar a existência de vários feridos e de uma viatura incendiada.

Na mesma altura registámos confrontos armados na região de Sathunjira. As poucas informações que conseguimos confirmar indicavam que os homens da Renamo estariam a tentar recuperar a sua base, onde residia Afonso Dhlakama, e que foi tomada de assalto pelas forças governamentais no passado dia 21 de Outubro.

E agora?

Tal como o primeiro tiro da Luta de Libertação Nacional, em 1964, não está claro quem disparou primeiro no dia 21 de Outubro de 2013, na região de Sathunjira. A verdade é que, apesar de não estarmos oficialmente em guerra, as armas continuam a disparar, cidadãos estão a morrer, outros a serem feridos e ainda outros a serem privados da sua liberdade.

O diálogo que se afigurava difícil antes, parece cada vez mais distante.”Custa imenso imaginar como se pode discutir a paz e estabilidade política do país com alguém que está a ser caçado, vivo ou morto, pelo exército governamental, o qual usa, para o efeito, o seu mais sofisticado equipamento bélico, como se estivesse em combate contra um exército estrangeiro” escreveu Salomão Moyana no Editorial do jornal Magazine Independente.

No auge da sua clarividência o Presidente Armando Guebuza e Comandante-em-Chefe das FADM considera que “a Renamo entrou em situação de inconstitucionalidade”, a partir do momento em que os ex-guerrilheiros daquele partido da oposição “deixaram de ser guardas do dirigente da Renamo e passaram a instrumento de chantagem contra o Estado, começaram a realizar ataques contra civis, contra unidades militares e policiais, a Renamo entrou em situação de inconstitucionalidade, pois, nos termos do artigo 77 da Constituição da República, é vedado aos partidos políticos preconizar ou recorrer à violência armada para alterar a ordem política e social do país”.

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