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“O Sul pode viver sem o Norte”

Roland Marchal, pesquisador sénior do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRC, sigla em francês), baseado em Paris, perspectiva nesta entrevista o futuro do Estado independente que poderá sair do referendo que amanhã termina no Sudão. Aqui ficam os seus principais pontos de vista.

Desde a assinatura do acordo de paz em 2005, pensa que o Norte já se consciencializou que provavelmente vai perder o Sul?

Roland Marchal (RM) – A morte de John Garang (dirigente do Movimento Popular de Libertação do Sudão, SPLM e Vice-Presidente do Sul-Sudão), em Julho de 2005, alterou as coisas no Norte-Sudão. Garang era talvez mais polular no Norte do que no Sul. Com o Vice-Presidente Ali Osman Mohammed Taha, ele formava um duo político em que se acreditava, em Cartum, que poderia ser o artesão de uma verdadeira transformação do regime.

Podia-se esperar das eleições, a partida do Presidente El-Bashir e um Sudão unido fazendo dando um lugar de destaque aos sudaneses do sul. Esta esperança morreu com o desaparecimento de John Garang. Depois de Julho de 2005, a nova direcção do SPLM já não beneficiou da mesma aura na opinião pública, pelo que esse sentimento retrospectivo, no Norte, que se verificava em 2005 pode já não se verificar.

Acha que Cartum vai aceitar a independência se o SIM vencer?

(RM) – A comunidade internacional deveria ser um pouco mais prudente sobre este ponto. É muito importante que a opinião pública norte-sudanesa tenha a certeza que a independência, seja o resultado de expressão da vontade dos sul-sudaneses. Ora em Cartum, tanto a classe política como a população, sentem-se já vítimas de um vasto complô.

Este sentimento de solução imposta pelo exterior de um modo quase neo-colonial, numa espécie de repetição da conferência de Berlim, é partilhado pela opinião pública árabe da sub-região. Desde os acordos de paz de 2005, o Norte te portanto tempo para interiorizar a secessão do Sul…

Não há uma liderança claramente estável no seio do SPLM?

(RM) – A nova direcção soube dar um primeiro passo na direcção da reconciliação entre os sul-sudaneses. Mas geriu mal as suas relações com Cartum e reforçou os estereótipos das gentes do Norte, incluindo o monopólio dos recursos petrolíferos.

Em que aspecto é que a guerra no Darfur contribuiu para uma certa radicalização da opinião sobre a questão do Sul-Sudão?

(RM) – A comunidade internacional esqueceu-se rapidamente de que o Darfur e o Sul-Sudão se encontram no mesmo país. Quando rotulamos um governo de genocida é difícil falar-lhe de referendo.

Há o risco de uma declaração unilateral de independência e de guerra?

(RM) – Se o referendo se desenrolar em condições normais, os ocidentais serão, sem dúvida, os primeiros a reconhecer a independência do Sul-Sudão. Dificilmente, Cartum poderá encarar uma guerra convencional contra o Sul. A China não irá desencadear uma crise diplomática para apoiar Cartum. Aliás, este país asiático conta hoje mais com Angola para o seu abastecimento petrolífero do que com o Sudão.

A maior parte dos campos petrolíferos situam-se no Sul ou nas regiões fronteiriças. Como é que os dois países (Sudão do Norte e do Sul) vão partilhar esta riqueza?

(RM) – Por enquanto, isso é muito difícil de definir. É um dos pontos-chave, conjuntamente com a partilha da dívida e a circulação de pessoas. Há uma comissão a trabalhar sobre isso, mas ainda não há conclusões. Mas uma coisa é certa: mais de 80% das reservas petrolíferas situam-se no Sul-Sudão e a perda para Cartum será enorme.

O petróleo situa-se no Sul mas o principal terminal de exportação dos hidrocarbonetos situa-se no Norte, em Port-Sudão…

(RM) – Desde 2005 que os sulistas têm reflectido sobre isso em busca de soluções alternativas. Há um grande projecto para o porto de Lamu, no Quénia, perto da fronteira com a Somália.

O Sul é economicamente viável?

(RM) – Sim, sem dúvida. O território possui recursos suficientes para contrair empréstimos nos mercados internacionais. O mais difícil será, provavelmente, construir um Estado num país que não possui qualquer tradição administrativa, onde o poder estará nas mãos de um antigo movimento armado cujos dirigentes frequentaram mais o mato do que as universidades. Estes consideram que a vitória lhes pertence e irão tirar partido disso.

Qual vai ser o futuro dos dois milhões de sudaneses do Sul que actualmente vivem no Norte?

(RM) – Há sempre o risco de um deslocamento forçado de populações, mas os sul-sudaneses estão geralmente bem integrados e desempenham um papel importante na economia do Norte. A sua partida apressada teria consequências desastrosas. Isso não impede que eles tenham sido – e ainda hoje sucede – vítimas de humilhações e de arbitrariedade, sobretudo da polícia.

Que papel têm desempenhado os Estados Unidos no caminho para a independência?

(RM) – Todo o processo fez-se sob a liderança das administrações Bush e Obama. Mas, contrariamente ao que se poderia pensar, não é o petróleo que motiva Washington: a produção sudanesa representa cerca de 500 mil barris por dia. Os EUA estão bem mais interessados no petróleo da Guiné Equatorial. Todavia há, como vingança, um interesse mediático pelo Sul-Sudão, mantida pela comunidade negra e pelas Igrejas Pentecostes.

Vista dos EUA, a questão sul-sudanesa resume-se, muitas vezes, aos perversos árabes muçulmanos que atacam os bondosos cristãos africanos. Este interesse é também mantido por Israel, que ficaria muito satisfeito com o enfraquecimento de um Estado islâmico com laços fraternos com o movimento palestiniano Hamas.

É uma questão que se coloca menos: o Norte pode sobreviver à independência do Sul?

(RM) – Há o perigo de turbulência forte no caso de divisão e esse é um risco que está a ser subalternizado pela comunidade internacional. É certo que, por agora, há uma certa coesão em torno do NCP e do governo. Mas, caso se verifique a independência do Sul, essa unidade será quebrada. Depois virá a hora de pedir contas, identificando os responsáveis. Não é certo que este governo e este regime sobrevivam à divisão do Sudão.

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