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Professores que inspiram e transpiram

Professores que inspiram e transpiram

A figura de homem ou mulher de bata branca, giz nas mãos e detentor de “todo” o conhecimento numa sala de aulas há muito que evaporou do imaginário das pessoas. Na hora de avaliar os professores, a nota é sempre negativa. Até porque a sociedade ignora as difi culdades por que esta classe passa para educar as crianças.

Quando olha para as crianças uniformizadas indo à escola que se situa a aproximadamente um quilómetro da sua casa, Maria Amélia Guimarães, de 72 anos de idade – dos quais 42 dedicados à arte de transmitir conhecimentos –, recorda os seus tempos de professora com muita nostalgia.

Assiste a esse vaivém todos os dias, de segunda a sexta-feira, a partir da varanda de casa. Lembra: “Estar numa sala de aulas a ensinar era sempre uma alegria. Com dedicação e carinho, conseguíamos prender a atenção de um bando de alunos durante pelo menos duas horas”.

Maria Amélia leccionou no tempo colonial e nas décadas de ´80 e ´90 (1ª a 5ª classe) na Escola Primária 25 de Junho, na cidade de Nampula.

Ela pertence à época em que os professores eram dedicados e capazes de transformar qualquer criança em aluno de sucesso. “Não ensinávamos apenas pela necessidade de ganhar o pão diário, pelo contrário, fazíamo-lo por prazer”, diz sem despregar os olhos das crianças com mochilas nas costas correndo apressadas para as aulas.

A consideração dos alunos e encarregados de educação e a progressão dos estudantes eram as maiores recompensas para estes profissionais de bata branca. “O salário não era dos melhores, mas isso pouco importava.

O que interessava era a estima e o respeito de que gozávamos”, afirma e acrescenta: “Todos os alunos, desde os que dispunham de alguma condição financeira até aos mais humildes, preocupavam-se em arranjar um presente para o professor. Ofereciam-no de coração aberto e sem esperar nada em troca. Isto é que nos enchia de entusiasmo para dar aulas”.

Porém, hoje as coisas mudaram, diga-se, uma mudança dolorosa para a classe destes profissionais. “O Governo forjou essa história de passagem automática e a educação deixou de ser a mesma. Já ninguém respeita a figura de professor. O ensino deteriorou-se e os alunos gabam-se da sua ignorância”, diz Maria Amélia, aposentada há anos.

Carlos Namuli, de 27 anos de idade, é professor primário. Abraçou a carreira porque foi a única coisa que apareceu quando procurava por um emprego há seis anos. Aquilo que começou por ser uma necessidade de sobrevivência, presentemente, tornou-se na sua maior paixão: “Gosto de trabalhar com as crianças, pois não só as ensino, como também aprendo”.

Todos os dias, Namuli tem de percorrer pouco mais de 30 quilómetros para leccionar uma turma de 5ª classe no distrito de Muecate, província de Nampula. As dificuldades são enormes. “Ser um professor é abdicar de uma vida condigna para viver uma cheia de privações”, afirma.

Os problemas são de diversa natureza: “Não temos direito a transporte e, muito menos, a habitação. Tem sido uma vida de sacrifício para podermos ensinar os futuros quadros deste país”. E não só. “Hoje em dia, o professor não é valorizado, apesar do seu papel indispensável. Ninguém olha para os nossos direitos, nem a ONP (Organização Nacional de Professores). Não se faz sentir a sua função”.

A dor de ensinar

Nunca foi fácil ensinar as crianças a ler e escrever, sobretudo num país como Moçambique onde as dificuldades são cada vez mais crescentes no sector da Educação. É necessário que se tenha muita atenção, dedicação, paciência e paixão – que o diga Sérgio Moiane, professor primário há 15 anos, que considera a profissão uma carreira de muita responsabilidade.

“Não é nada fácil lidar com crianças. Ainda persistem muitas dificuldades na área do ensino- aprendigem, como o número elevado de alunos numa sala de aulas, degradação das escolas e insuficiência de salas de aulas”, diz Moiane. Os problemas não terminam por aí.

Nos últimos tempos, o professor, afirma Moiane que se “perdeu alguma consideração por parte da sociedade, o que não acontecia antigamente por volta dos anos ‘70 e ’80, época em que era uma figura indispensável na educação do aluno e garante do futuro deste”.

Chefe de família, Sérgio Moiane, de 44 anos de idade, com o salário que aufere, tem de fazer “malabarismos” para garantir a assistência ao seu pequeno agregado, até porque “o que recebo não chega a ser quase nada diante das necessidades que tenho”.

A alimentação e a educação dos filhos, além de renda de casa e a conta de água e luz, são as áreas para as quais é destinado o ordenado. Ensinar uma criança é sempre uma dor de cabeça. A responsabilidade é maior quando se está perante alunos da 1ª e 2ª classes. Mas paciência e dedicação são, segundo Teresa Zandamela, professora há 13 anos, as virtudes indispensáveis numa profissional desta área.

“As crianças das 1ª e 2ª classes ainda não têm o hábito de estar na escola. Daí, algumas acabam por fugir, o que nos obriga, de certa forma,a estarmos sempre ao lado delas”, diz.

Professora na Escola Primária Completa 3 de Fevereiro, na cidade de Maputo, Teresa é da opinião de que o pedagogo deve incutir no aluno a vontade de estudar, pois é nesta fase que, se o aluno descurar os estudos, poderá ter muitas dificuldades nos níveis subsequentes.

Já Cristiano Lourenço Ndzucule, de 27 anos de idade, três dos quais como professor, afirma que a sua missão é garantir a educação e a formação da criança. “Nós temos que pôr a criança a florir cada vez mais. O meu quotidiano não é mais do que assegurar o desenvolvimento da criança”, diz.

Ndzucule lecciona o 3º ciclo primário, ou seja, 6ª e 7ªclasses, na Escola Primária Completa de Changalane, distrito de Namaacha, a 70 quilómetros da cidade de Maputo.

As dificuldades que mais tiram o sono ao professor são, designadamente, a fraca assimilação da matéria por parte dos alunos, o deficiente domínio da escrita e da leitura, a falta de carteiras e a degradação de algumas escolas, o que contribui directa ou indirectamente para o mau aproveitamento pedagógico dos alunos.

“Uma criança que estuda debaixo de uma árvore está exposta a uma série de intempéries, e, por via disso, não estará à altura de assimilar a matéria perfeitamente”, afirma e acrescenta: “Estes são pequenos detalhes que se não forem acautelados podem comprometer o aproveitamento escolar dos alunos”.

Dos três ciclos do ensino primário, o que se afigura difícil de leccionar é, segundo os professores, o 1º ciclo que corresponde às 1ª e 2ªclasses, uma vez que se trata de uma fase em que as crianças têm o primeiro contacto com a escola. Os dois primeiros ciclos, isto é, da 1ª à 5ª classe, constituem a base de formação, o que significa que se o aluno transitar estes dois ciclos sem que saiba ler nem escrever, pode-se esperar o pior nas classes subsequentes.

Há anos inalando pó de giz

Sem as mínimas de condições de trabalho, a classe dos professores luta com dificuldades sem fim para que a qualidade de ensino seja melhor. No seu dia-a-dia, tem de sobreviver a tudo. Os problemas são crónicos, desde as condições precárias de algumas escolas, falta de higiene e segurança no local de trabalho, superlotação e insuficiência de salas de aulas, além do mísero salário.

Porém, o outro problema que apoquenta os pedagogos no país, além da inexistência de instrumentos de trabalho, é a falta de leite. Diariamente, são obrigados a inalar o pó de giz. Sem nenhuma assistência, os professores são movidos pela paixão pela profissão.

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