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Processo de revisão da Lei de Petróleo não é transparente

A Assembleia da República (AR), o maior órgão legislativo do país, irá debater na presente sessão ordinária as propostas de revisão das leis de Recursos Petrolíferos e Mineiros, submetidas pelo Governo depois de cerca de dois anos de preparação dessa matéria. Os instrumentos em causa já estão a ser apreciadas pelo Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente do Parlamento para posterior debate em Plenário. Porém, as organizações da sociedade civil reclamam do facto de não ter havido uma auscultação pública para que se procedesse à sua alteração.

O debate da revisão da Lei de Petróleo foi iniciado pelo Governo moçambicano há cerca de dois anos, tendo este, na altura, feito um convite através do site do Ministério dos Recursos Minerais (MIREM) para que os moçambicanos participassem no mesmo. Nesse período, porém, a proposta que estava disponível para a discussão, de Fevereiro de 2012, já se encontrava desactualizada, sendo que a versão recente podia ser encontrada no site do Instituto Nacional de Petróleo (INP), algo que não tinha sido comunicado aos interessados.

O Centro de Integridade Pública (CIP) considera que “em todo o processo da revisão da Lei do Petróleo não houve uma plataforma adequada de consulta pública. Isto era um indicador inequívoco de que o Governo não iria considerar as demandas da sociedade civil por uma maior transparência e boa governação no sector petrolífero no nosso país”.

Efectivamente, a Lei do Petróleo necessita de uma actualização. A versão actualmente em vigor foi elaborada em 2001, muito antes das descobertas de gás natural na Bacia do Rovuma e das perspectivas sobre a produção de Gás Natural Liquefeito (GNL). Tal facto cria uma situação de obrigatoriedade da revisão desta normas de modo a adequá-las à actual realidade.

Algumas alterações

O CIP aponta alguns aspectos que poderão ser alterados na próxima lei. Argumenta que a antiga Lei do Petróleo não faz referência ao Gás Natural Liquefeito (GNL) pois foi produzida na esperança de que seria descoberto petróleo no país. A lei agora incorpora o GNL e cria um novo “Contrato de Concessão e de Infra-estruturas” e, ainda, um “Plano de Desenvolvimento de Infra-estruturas” para cobrir a construção e operação das fábricas de liquefacção de gás. Por outro lado, prevê a “concorrência nas concessões”.

É que ao abrigo da Lei de 2001, há uma opção para conceder concessões com base em negociações directas com as empresas petrolíferas. De facto, esta garantia de um processo competitivo foi realçada como uma das melhorias significativas na futura Lei do Petróleo. Todavia, a versão final da lei, agora em sede de Parlamento, inclui novamente a opção de negociações “simultâneas ou directas”, nos termos do Artigo 5, o que constitui um retorno à Lei de 2001.

Isto implica, necessariamente que a perspectiva de alocar concessões através de processos não competitivos e os riscos a ela associados, de tratamento preferencial e práticas corruptas, podem prevalecer. Nos casos em que os concorrentes à obtenção de direitos de realização de operações petrolíferas forem corporações, a futura lei pretende impor dois novos requisitos.

Primeiro, requer que todas as empresas que partilham um contrato de concessão sejam registadas numa jurisdição em que o Governo possa, de forma independente, verificar a titularidade, a gestão, o controlo, bem como a situação fiscal. Segundo, requer a identificação dos titulares de participações e a respectiva proporção que cada um detém. Contudo, apesar da obrigatoriedade de se providenciar esta informação ao Governo, não há indicações de que a mesma será tornada pública. A versão final da proposta citada pelo CIP inclui uma nova secção relativa à “Aquisição de Bens e Serviços.”

Refere que as empresas petrolíferas devem dar preferência aos produtos e serviços locais, quando comparáveis em termos de qualidade e disponibilidade e quando o preço, incluindo impostos, não seja superior em mais de 10 porcento. A protecção do ambiental e os interesses das comunidades locais são também mencionados, mas principalmente em referência aos futuros regulamentos. Existe um compromisso de canalizar uma ‘percentagem’ das receitas do Governo, geradas pelas operações petrolíferas, para o desenvolvimento das comunidades nas áreas das operações petrolíferas, mas não se inclui uma taxa específica.

Exigências da sociedade civil

Pela importância estratégica da indústria extractiva para a o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, a sociedade civil defendeu sempre uma governação transparente, um debate público aberto, o pagamento justo pela venda dos recursos naturais do país e a protecção dos direitos dos cidadãos. No que respeita à transparência, a sociedade civil entende que a publicação das receitas provenientes da indústria extractiva prevista nas cláusulas da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE), da qual Moçambique faz parte, não substitui a obrigatoriedade de se divulgar quanto é que as empresas deviam pagar ao Governo.

Para se esquivar dessa lacuna, propõe-se a publicação automática de todos os contratos, garantindo condições de igualdade aos investidores, e reduzindo os riscos de corrupção. “A lista dos titulares das licenças para todas as concessões mineiras devia ser pública, incluindo a identificação de accionistas individuais. As empresas estatais devem publicar os seus relatórios anuais com os relatórios financeiros a serem submetidos à auditoria, documentando as receitas recebidas e como é que as mesmas foram aplicadas”. A sociedade civil pretende ainda que se evitem situações de conflitos de interesses.

É que o Estado representa nesse processo interesses antagónicos. Por um lado, é o órgão regulador do sector e, por outro, um parceiro comercial na produção do petróleo, funções que, no entender da sociedade civil, devem ser desempenhadas por diferentes braços do Governo. “O licenciamento, por exemplo, deve ser separado da monitoria e da execução. Os conflitos de interesse também devem ser abordados até ao nível pessoal: não se devia permitir que um indivíduo que faz parte do Governo e/ou da administração pública tenha interesse financeiro no sector.”

Prosseguindo, o CIP defende que para se cumprir as práticas internacionais, o sector do petróleo deve ser gerido com base em leis e regulamentos claros, publicamente acessíveis, pois isso cria condições de igualdade e reduz os riscos de tratamento preferencial a determinadas empresas. A futura Lei do Petróleo não deve conceder, tal como acontece com a actual, um amplo poder ao Conselho de Ministros para regular, aprovar e definir como o sector irá operar.

É que na proposta disponibilizada ao público, o leque de competências aumentou de cinco na lei de 2001 para catorze. O alargamento destes poderes sugere que a gestão do sector continuará baseada num processo decisório não transparente. Entende-se ainda que as actuais leis e regulamentos do Governo para proteger os direitos dos moçambicanos são inadequados.

Os regulamentos sobre assuntos importantes, desde questões relativas ao reassentamento involuntário aos padrões de saúde e segurança devem ser reforçados na nova lei. As sanções pelo não cumprimento dos regulamentos devem ser incrementadas para se garantir que elas criem um genuíno desincentivo, ao invés de ser um pequeno custo de fazer negócio. E a responsabilidade deve ser aplicada não só às subsidiárias locais das empresas multinacionais, mas também às empresas-mãe.

A sociedade civil termina denunciando que o sector do petróleo em Moçambique tem sido gerido através de leis públicas vagas e contratos detalhados e confidenciais. A criação do Contrato de Concessão e de Infra-estruturas para as fábricas de GNL alarga esta prática e coloca a informação importante ainda mais longe do domínio público. Assim, os termos financeiros que determinam a separação entre as receitas da empresa e do Governo devem ser incorporados na lei, incluindo não apenas os pagamentos de imposto sobre as receitas, mas também os termos mais significativos do acordo de partilha de produção.

Lei será uma mais-valia para a economia

Durante essa semana, a comissão especializada da Assembleia da República auscultou o presidente da Autoridade Tributária (AT) sobre a Proposta de Revisão das leis de Recursos Mineiros e Petrolíferos. Na ocasião, Rosário Fernandes reconheceu que os actuais acordos entre o Governo de Moçambique e as empresas mineiras são desvantajosos para o país.

“Estamos em desvantagem. O que posso dizer categoricamente é que estamos em nítida desvantagem na gestão desses acordos, o que significa que temos que dar mais valor aos nossos recursos que estão a ser negociados. E, neste momento, o que está em curso é isso mesmo”, referiu.

Segundo Rosário Fernandes, os primeiros ganhos provenientes dos recursos mineiras do país têm de ser usados com prudência, para permitir que os segundos sejam mais capitalizados. Diz ele que os primeiros ganhos são fracções pequenas para atrair investimentos e a médio e longo prazo o Governo poderá reverter para si os benefícios que agora não possui.

O presidente da AT explicou ainda que as actuais propostas, a serem aprovados, poderão impulsionar o crescimento da economia nacional, entre 2018 e 2025. “Essas propostas de lei poderão dar uma reviravolta à economia moçambicana até 2018 ou 25. Com estas propostas não vamos ter uma viragem elevada em termos de fiscalidade, mas vamos ter um acréscimo fiscal que pode rondar no global, em recursos mineiros e petrolíferos, em seis a sete mil milhões de meticais”.

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