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Prédio 333: a obra de Deus!

Prédio 333: a obra de Deus!

Não é particularmente um acto sagrado e/ou de coragem descortinar e, consequentemente, desaplaudir algum sentido ou préstimo numa sociedade “invertida”. Mas, tal como Deus disse no sétimo e no décimo mandamento, “não adulterarás e não cobiçarás a casa do teu próximo, a sua mulher, os seus servos, o seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”. O novo livro de novela de Helga Rita Custódio Languana, com o pseudónimo Clássica, molda todos os acontecimentos que geram debates em torno da homossexualidade, de relações extraconjugais, de afinidades amorosas por interesse, entre outros. A obra chama-se Prédio 333.

São histórias amargas – precocemente contestadas pela sociedade que preserva a fidelidade e o respeito – de pessoas que procuram a qualquer custo saborear a felicidade. As primeiras páginas são de molde a criar reflexões em torno da homossexualidade: Ávila abdica de se relacionar com mulheres alegando o facto de não existirem, ainda, garotas que lhe atraiam o suficiente até o ponto de ele se amarrar a uma. Entretanto, o retrato da revelação do drama e a inversão de preferências – de mulheres para homens – encontram-se nos textos subsequentes (1.2, páginas 14 e 15).

De forma mais radiante, Helga deixou, em sete admiráveis capítulos, um triste exemplo da condição humana de homens com atracção por pessoas do mesmo sexo e que, mesmo discriminados, julgam que todos devem ter os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira. Mas também, que o difícil é reconhecer e aceitar a condição destes seres torna-se visível no primeiro parágrafo da página 16 desta novela. Aliás, esta ideia é subjectivamente realçada com as seguintes citações: “As mulheres não me atraem o suficiente até o ponto de eu me amarrar a uma”, afirma Ávila.

Neste sentido, Negrão, seu amigo e por quem está perdidamente apaixonado, responde: “Estás a falar o quê? Existe coisa mais doce que mulher? Não pá! Mas confesso-te que também já pensei assim até que um dia cansei de cuidar da casa e do meu filho Guito sozinho. Há tantas mulheres loucas para fazerem isso por mim, outras estudaram, já trabalham, têm o seu próprio salário, o seu negócio, só tens que dar de comer, pagar o salão de cabeleireiro e combustível, de vez em quando, aturar os seus pais e, claro, cuidar delas todas as noites. E isso não é sacrifício algum”.

Por essa razão, até certo ponto, diríamos que os escritos de Helga representam a passividade social em relação a estes e vários assuntos pouco discutidos, a hipocrisia e o caos que se instalaram num Moçambique que se julga de todos. Mas o que há de interessante no Prédio 333? No segundo texto do capítulo 1.3 a discriminação volta a ganhar protagonismo por uma exclusão inesperada, o que explica a sensação de impotência, de luxúria e de prazer comprado que atravessa esta narrativa e que é igualmente visível em, quase, todas as abordagens.

Embora não se trate, evidentemente, de uma exclusão associada directamente à falta de amor, mas sim às ambições de namorar com homens ricos e, aparentemente, perfeitos, Lali – a personagem principal deste episódio ? sente que com a sua beleza pode mais. Portanto, um dos bons resultados alcançados por ela nesta busca pelos afortunados, ao contrário do que o seu irmão supunha – outro ambicioso – foi Patrício, o seu novo pretendente. O seu irmão Guito é o caso de um sonhador igual à mana, preso à sua condição utópica cuja serventia é arquitectar um futuro que nunca chega.

Porém, tratado como se fosse o único encalhado da casa ele explica-se: “(…) Namorada custa dinheiro e eu não tenho nem para mim. Agora, vou ter para dar à filha dos outros? Ainda estou a estudar, mas tu serás testemunha. Quando eu enriquecer nem encontrar-te-ás aqui, estarei a fazer estragos pela cidade com o meu calçado e roupa de marca. Vou enganar adolescentes, levá-las a sítios caros para se iludirem e pensarem que sou o príncipe encantado enquanto as quero por uma noite” No entanto, depois de longos anos de reflexão, o máximo que podia fazer enquanto pensava em separar-se de Elísio, o seu namorado, Lali liga:

– Alô Elísio, tudo bem?

– Oi amor, estou com saudades, fora isso tudo bem e tu?

– Está tudo bem querido.

– Não estás na faculdade?

– Não. Tinha apenas uma aula e o docente não veio, por isso resolvi voltar para casa e fazer um relatório, já que não tinha o Notebook na pasta. Quero falar contigo baby.

– Vem.

Após esta deliberação Lali sentiu-se mal, pois, a caminho da escola, Patrício interpelou-a e convidou-a a passarem umas horas juntos numa pastelaria caríssima perto da academia. A verdade é que não era seu hábito faltar à aula para o que quer que seja. Mas, desconfiou ainda que Elísio já havia notado a sua frieza. Por isso, em dois minutos entrou na casa dele que ficava a um quarteirão da sua.

Enquanto conversavam, sentada na cama, a mesma que outrora fora palco do seu amor, Lali pronuncia-se: já não queria namorar com Elísio. Neste momento o ambiente que percorre a narrativa é de sofrimento, mas percebe-se que se trata de um mundo que, com algumas alterações, conota-se à quotidianidade. Na verdade, Lali queria muito mais – dinheiro e, talvez, todo o universo.

E, neste mundo, é importante que os detentores do poder sejam, de todos os modos, respeitáveis e, consequentemente, os oprimidos sacrificados. Mas – é isso que queres? -, perguntou Elísio, com um tom de voz grave e duro. O seu olhar implorava perdão por qualquer coisa que terá feito, por não ser o que ela esperava, por não ter conseguido mudar a realidade, apesar de ser um grande sonhador.

– É o que quero sim, mas podíamos ser amigos?

De repente e rapidamente o seu olhar melancólico deu lugar a um sentimento de fúria. Não seria necessariamente ódio no seu verdadeiro sentido. Mas a condição colocada pela sua namorada de anos não lhe valia em nada. Por isso respondeu: Não, obrigado. Dispenso a tua amizade. Gosto de ti e não vou fingir que não te quero e brincar aos amiguinhos. Ouvir-te a contar como é bom esfregares-te com o teu novo namoradinho, que com certeza deve ter muito dinheiro e vai-te dar o namoro dos contos de fada como sempre sonhaste. Tudo isso pode fazer-me mal, sai da minha frente. (…) Deixa-me em paz sua… Lali saiu rapidamente sem olhar para trás.

De todas as formas, não queria ouvir o outro pedaço da frase, nem lhe dar a oportunidade de ele dizer algo que não podia remediar. Mesmo que intimamente revoltado, Elísio espreitou pela varanda, vendo-a partir para sempre. Não pôde evitar a dor instalada, mas travava as lágrimas ameaçadoras. Embora triste, no fundo sabia que um moço pobre como ele não conseguiria manter por muito tempo uma moça tão linda como Lali, mas por momentos pensou que ela podia ser completamente diferente. “Mas a quem o dinheiro não corrompe? Elísio lembrou-se do ditado preferido do seu falecido pai: mulher é mulher, só ao dinheiro é eternamente fiel”.

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