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Portugal é nosso

Pois é, a História tem destas ironias: 33 anos depois da independência, o colonizado virou colonizador e o colonizador passou a colonizado. Falo de Angola e de Portugal. Em 1961, quando rebentou a guerra pela independência de Angola, o slogan salazarista dizia: Angola é nossa! Hoje os angolanos vingaram-se e clamam: Portugal é nosso! Esta colonização, de sinal e sentido contrários – faz-se, inusitamente e creio que pela primeira vez na História, no sentido sul/norte – é bem diferente, nos processos e nos métodos utilizados, da outra iniciada há 500 anos e concluída de forma apressada em 1975.

Vem isto a propósito da recente visita do Presidente José Eduardo dos Santos a Lisboa – a primeira com a categoria de oficial – onde ficou bem patente o estádio da colonização. Após “privatizar” dois pisos do Hotel Ritz – o melhor da capital – e de tornar a vida dos automobilistas lisboetas um inferno durante aqueles dias com o corte ao trânsito de várias artérias da cidade, José Eduardo dos Santos ainda fez as delícias da imprensa quando chegou 12 minutos atrasado à audiência com o Presidente Cavaco Silva e 20 minutos depois da hora marcada ao encontro com o primeiro-ministro José Sócrates. Apesar de todos estes contratempos, à sua espera, de mão estendida, teve os dois governantes que o aguardavam – como se de alunos irrequietos à espera do professor se tratasse – com um sorriso de orelha a orelha.

Depois seguiram-se discursos e mais discursos, elogios e mais elogios, louvores e mais louvores, loas e mais loas. A tudo isto, José Eduardo dos Santos respondeu com um sorriso amarelo, característico dos cínicos. No Parlamento, à excepção do Bloco de Esquerda, todo o espectro partidário, da Esquerda comunista à Direita mais conservadora, alinhou pelo diapasão de Cavaco e Sócrates. Nem uma palavra sobre as constantes violações de direitos humanos, nem uma palavra sobre a perseguição à imprensa livre, nem uma palavra sobre o que se passa em Cabinda, nem uma palavra sobre o enriquecimento ilícito, nem uma palavra sobre as ignominiosas desigualdades socioeconómicas – 95% da riqueza do país está nas mãos da elite no poder – nem uma palavra sobre os angolanos que morrem à fome e de raiva, literal e psicológica, quando a vacina para esta doença já existe há mais de 120 anos! Realpolitk oblige. Negociata oblige. Crise oblige.

Dizem os responsáveis políticos portugueses que as relações entre Portugal e Angola são excelentes. Portugal, quando negoceia com Angola, não negoceia com empresários angolanos nem com empresas idóneas, mas sim com uma família, a Dos Santos, por sinal bem mafiosa, e os seus comparsas. Portugal, na vertigem do negócio e do enriquecimento fácil, esquece tudo. Esquece de perguntar a origem dos mais de 164 milhões de euros com que a filha de Eduardo dos Santos comprou 10% do BPI; dos 45% que detém na Amorim Energia; da enorme percentagem detida no jornal ‘Sol’, já para não falar empresas de menor dimensão, das casas e das propriedades. Isto tudo num país onde a maior empresa, a Sonangol – que controla o petróleo angolano – nunca apresentou até hoje qualquer relatório de contas!

Numa recente entrevista a um jornal económico português, um ministro angolano legitimava a corrupção dizendo que a burguesia europeia tinha feito a sua acumulação de capital com a pilhagem colonial e com a pirataria, e que agora a burguesia angolana também tinha que fazer pela vida. Palavras para quê? Decididamente, ética e negociatas, não dançam a mesma música.

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