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Porque a malária é tão negligenciada?

Porque a malária é tão negligenciada?

A doença que mais mata os moçambicanos é também a mais negligenciada pela população. Em todo o país, anualmente, são registados mais de dois milhões de casos de malária e, pelo menos, três mil pessoas morrem devido a essa enfermidade causada pela picada do mosquito Anopheles. Porém, apesar de ser a principal causa de problemas de saúde e mortalidade nas unidades sanitárias, os populares continuam a ignorar os métodos básicos de prevenção como, por exemplo, o uso da rede mosquiteira.

Jorge Rafael, de 28 anos de idade, não deu muita atenção à ligeira dor de cabeça que começou a incomodá-lo duas horas antes de deixar o seu posto de trabalho. O jovem presumiu que se tratasse de um mal-estar passageiro. “Há-de passar. Talvez eu esteja a trabalhar demais”, pensou. Mas estava enganado. No dia seguinte, o que parecia uma dor inofensiva transformou-se num problema maior.

Primeiro, começou a sentir-se completamente exausto e, depois, teve febre e ficou sem apetite. Mais tarde, ele deslocou-se até à unidade sanitária mais próxima da sua residência onde lhe foi diagnosticada a malária. Rafael reside em Muahala, um dos bairros da cidade de Nampula onde os habitantes estão expostos ao risco de contraírem a malária.

Muatala, Mutauanha, Carrupeia e Namicopo são algumas zonas residenciais extremamente propensas à doença, pois têm condições apropriadas para a reprodução de mosquitos Anopheles, portador do parasita causador da malária. Por exemplo, os espaços, sobretudo os não habitados, estão cobertos de capim e lixo e, durante o período chuvoso, são favoráveis à formação de charcos.

Não é somente a existência de focos de malária o principal problema, na verdade, os moradores ignoram deliberadamente os métodos básicos de prevenção dessa doença mortífera. Não obstante a distribuição das redes mosquiteiras a diversas comunidades, os populares destinam as mesmas a outros fins como, por exemplo, as actividades domésticas. As longas filas de pessoas que procuram cuidados médicos nas unidades sanitárias espalhadas pelo país são, por um lado, sintomáticas da negligência por parte da população e, por outro, o fracasso das inúmeras campanhas de sensibilização na prevenção da malária.

Com o seu filho de seis anos de idade a arder de febre, Helena Aiuba aguardava pelo atendimento na longa fila no Centro de Saúde 1º de Maio, em Nampula. Depois de ter esperado cerca de duas horas, o menor foi atendido e as análises feitas revelaram ter malária, a segunda vez neste ano. A mãe do rapaz afirmou que a doença tem sido frequente na sua família, apesar de possuir redes mosquiteiras penduradas nas paredes dos quartos.

“Muitas vezes, deixamos de as usar por causa do calor e, doutras, é mesmo por esquecimento”, disse. O caso de Helena Aiuba não é isolado. Todos os dias, milhares de pessoas ignoram a utilidade da rede mosquiteira. Refira-se que as condições climatéricas da região são propícias ao desenvolvimento do mosquito, razão pela qual as autoridades de saúde apelam à observância de medidas de prevenção. Por outro lado, a nível da província de Nampula regista-se a problemática do saneamento do meio, sobretudo a existência de charcos onde o mosquito se incuba.

“As redes mosquiteiras são caras”

Normalmente, as redes mosquiteiras são de distribuição gratuita. Eduardo Pedro, de 52 anos de idade, morador do bairro de Natikiri, afirmou que tem apenas uma que a sua esposa recebeu na consulta pré- -natal há seis meses. Ele possui um agregado familiar constituído por sete pessoas. O nosso entrevistado afirma que as redes em Nampula custam muito caro, variando entre 200 e 300 meticais.

O @Verdade fez uma ronda pela cidade e constatou que o preço de uma rede mosquiteira não ultrapassa, de facto, os 300 meticais, porém, as pessoas não as adquirem. Procurámos a ProServ, um estabelecimento que vende produtos para prevenção da malária, desde redes até insecticidas. Segundo o director daquela empresa, Nelson Nkini, os valores correspondem ao que foi citado nas linhas acima.

Segundo aquele responsável, os maiores clientes da Pro- Serv são as ONG’s e as empresas privadas. Nkini disse que, infelizmente, há muitas redes mosquiteiras que circulam na cidade de Nampula que não são apropriadas e não protegem as pessoas da picada do mosquito. Refira-se que as redes mosquiteiras distribuídas pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS) encontram-se a ser vendidas no mercado informal ao invés de estarem a ser oferecidas aos beneficiários, nomeadamente mulheres grávidas, crianças menores de cinco anos de idade e pessoas idosas.

Mais de três milhões de casos de malária

No ano passado, em todo o país, registaram-se 3.924.832 casos de malária e 2941 óbitos. Estes números, que constituem uma grande preocupação, tendem a crescer, influenciando negativamente o desenvolvimento de Moçambique, devido ao absentismo escolar e laboral, bem como à perda de mão-de-obra. Durante os primeiros três meses do ano em curso, por exemplo, na província de Nampula, cerca de 200 pessoas, entre elas 127 crianças, morreram vítimas de malária.

Ainda no mesmo período, foram registados e diagnosticados 256.070 casos com 110 óbitos, contra 243.091 casos com 189 óbitos, em igual período do ano passado. Foram internados nas unidades sanitárias de Nampula, sobretudo no Hospital Central de Nampula (HCN), perto de quatro mil pessoas, sendo que deste número 2.911 foi encaminhados para a enfermaria de pediatria e os restantes 831 para a de medicina. Só no HCN, em média diária, são internadas cerca de 80 pessoas a padecerem de malária, na sua maioria crianças com idades abaixo dos cinco anos.

O número de unidades sanitárias é insuficiente e centenas de pessoas são obrigadas a percorrer mais de 20 quilómetros para poderem ser assistidas. Como forma de descongestionar o Hospital Central de Nampula, prevê-se a abertura de mais postos de saúde com capacidade de internamento, além da construção de um hospital de nível provincial. Presentemente, o HCN possui 500 camas e não cobre a demanda de internamentos por malária.

A nível da província, existem 214 unidades sanitárias, das quais 13 se encontram na cidade de Nampula. O posto de saúde de Namicopo abriu, recentemente, o serviço de urgência para atender casos de malária. De acordo com a médica-chefe provincial de Nampula, Joselina Calavete, a entrada tardia nas unidades sanitárias por parte dos pacientes contribuiu para o aumento de mortes, sobretudo de crianças.

Para mudar o cenário, Calavete avançou que o seu sector está a desencadear continuamente diversas campanhas, entre elas de distribuição de redes mosquiteiras para as mulheres grávidas nas consultas pré-natais, além da pulverização intradomiciliária a nível das comunidades. “Fez-se muita coisa com vista a reduzir o impacto da malária em Nampula, mas tristemente os casos notificados em quase todas as unidades sanitárias da província registam uma subida assustadora”, disse.

As autoridades sanitárias fizeram a distribuição de redes mosquiteiras em toda a província de Nampula, com excepção da capital em que será feita em Junho próximo. O processo também vai contemplar novamente os distritos de Angoche, Meconta, Ilha de Moçambique e Nacala-Porto por serem os que mais casos de malária registam nos últimos tempos. Apesar desse esforço, milhares de famílias recusam-se a dormir sob as redes mosquiteiras.

“Felizmente, este ano não tivemos casos de agressão devido à desinformação, mas ainda há famílias que se recusam a pulverizar as suas casas. Mas nota- se uma mudança de comportamento por parte da população”, afirmou a médica-chefe provincial. Importa referir que a pulverização custou aos cofres do Estado cerca de oito milhões de meticais, e foi realizada na cidade de Nampula e nos distritos da Ilha de Moçambique, Angoche e Nacala-Porto.

Ainda há medicamentos para tratar a malária

O Depósito Provincial de Medicamentos de Nampula possui fármacos para responder à demanda de doentes que padecem desta enfermidade, e estão disponíveis as três linhas de tratamento da malária, nomeadamente, Coartem, Artesanato e Quinina. Segundo a médica-chefe provincial, houve um falso alarme relacionado com a falta de medicamentos, mas o que tem acontecido é um problema de comunicação entre os gestores das farmácias e o Depósito Provincial.

“A distribuição de medicamentos é feita trimestralmente e em função do número de consultas feitas anteriormente, mas, quando falta um determinado fármaco, as unidades sanitárias têm instruções para informarem o depósito para o seu reabastecimento, mesmo que seja antes do término do período recomendado”, afirmou. A epidemia é responsável por 40 porcento de todas as consultas externas. Cerca de 60 porcento de doentes internados nas enfermarias de pediatria são admitidos como resultado de malária severa. Além de sobreviverem à doença, os pacientes também têm de lutar contra a falta de dinheiro para os medicamentos.

Prevenção

A prevenção consiste em evitar-se picadas do mosquito, recorrendo-se ao uso de rede mosquiteira, repelentes, calças e camisas de manga comprida, principalmente no período do fim da tarde e início da noite, além de se evitar a acumulação de águas paradas a fim de se impedir a oviposição e o nascimento de novos mosquitos.

VOX POPULI

“Apesar de utilizar a rede mosquiteira, continuamos a contrair a malária”

Mário Joaquim, de 56 anos de idade, reside no povoado de Nathere, zona de Namigonha, arredores de Nampula. O seu agregado familiar é composto por três pessoas. Ele disse ao @Verdade que dispõe de apenas uma rede mosquiteira, a qual está a ser utilizada por si e a companheira, sendo que o neto dorme desprotegido da picada do mosquito. Segundo Joaquim, a sua renda não é suficiente para comprar uma rede mosquiteira, pois a prioridade é atender às necessidades pontuais, nomeadamente garantir a alimentação, os estudos, o vestuário, entre outras despesas. Deste modo, depende apenas das campanhas de distribuição gratuita promovidas pelas entidades do Governo e pelos seus parceiros e organizações não-governamentais, acções que nem sempre são abrangentes.

Cassimo Joaquim, de 41 anos de idade, vive no bairro de Murrapaniua, concretamente na zona da Faina. O seu agregado familiar é composto por oito pessoas e dispõe de redes mosquiteiras tratadas, porém, nem sempre são utilizadas.

Joel Daskuei, de nacionalidade tanzaniana, residente no bairro de Muhala-Belenenses, cidade de Nampula, afirma que, das quatro pessoas que constituem a sua família, apenas duas é que utilizam a rede mosquiteira. A actividade de comercialização de peixe seco que desenvolve no mercado Belenenses não garante um rendimento suficiente para suprir todas as despesas.

Laura Agostinho, de 23 anos de idade, reside no bairro de Mutauanha com o seu esposo e o único filho que têm. Todos eles protegem-se da picada do mosquito, usando a rede mosquiteira.

Laura Selemane, cuja idade desconhece, vive na Rua dos Sem Medo, no bairro de Muatala. O seu agregado é composto por cinco pessoas. Só ela e o esposo é que utilizam a rede mosquiteira, sendo que os três filhos do casal dormem desprotegidos das picadas do mosquito. A desculpa para esta situação é a mesma: não há dinheiro para comprar uma rede mosquiteira.

António Paulo, de 26 anos de idade, morador do bairro de Napipine, trabalha como segurança e considera a malária uma doença difícil de se evitar. “A malária é uma doença que para mim, dificilmente, se pode evitar. Na minha casa, usamos constantemente a rede mosquiteira e insecticidas. Essa acção serve apenas para livrar a minha família do mosquito causador da referida doença. Porém, no meu caso, devido à natureza do meu trabalho, passo as noites ao relento e sem nenhuma protecção contra os mosquitos.

João António, de 50 anos de idade, é desempregado e mora do bairro de Natikiri. “Na zona onde eu vivo não há um saneamento adequado do meio. A maioria das famílias não usa redes mosquiteiras, inclusive a minha. Por várias vezes contraí a malária mas, para mim, o único método para combate-la é ir ao hospital, em caso de detectar algum sintoma da doença”.

Macedo Domingos, de 52 anos de idade, morador do bairro de Mutauanha e afirma que “no bairro onde vivo, há sempre relatos de casos de malária. Mas acredito que seja por falta de uso das redes mosquiteiras. Apesar da recolha dos resíduos sólidos ser feita constantemente, o que me preocupa é o facto de, mesmo protegida com as redes mosquiteiras, a família continua a ser vítima da doença, razão pela qual me pergunto se é que estamos a usar mal ou se esse método de prevenção já não se mostra seguro”.

Herminio Etílio, de 37 anos de idade, morador do bairro de Namutequeliua, afirma que “os casos de malária são frequentes na minha zona. Se calhar, se deve aos meios que usamos para combater a doença. A minha família, por exemplo, utiliza redes mosquiteiras e insecticidas, mas não conseguimos prevenir-nos dessa doença. Há algum tempo a situação estava normalizada, sobretudo depois da campanha de pulverização. Porém, semanas depois, voltámos a registar os mesmos problemas”.

Cláudia António, de 30 anos de idade, morador do bairro de Namicopo, disse que “a malária está a tornar-se motivo de preocupação para a minha família, uma vez que quase todas as vezes que uma pessoa contrai a doença, vai passando de pessoa para pessoa e, consequentemente, todos ficamos doentes. É difícil entender o que se está a passar, visto que usamos redes mosquiteiras na hora de dormir”.

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