A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas declarou na sua 68º Sessão a data de 5 de Dezembro como Dia Mundial do Solo e 2015 como o Ano Internacional dos Solos na expectativa de mobilizar a sociedade civil e os políticos para a sua importância como parte fundamental do meio ambiente e os perigos que envolvem a degradação deles em todo o mundo. A degradação dos solos em Moçambique é um drama bem real causado fundamentalmente pela agricultura ou exploração florestal, e pela urbanização e industrialização. Mas o problema está também na pobreza que não pára de aumentar no nosso país, pois “enquanto houver pobreza os solos vão continuar a ser maltratados, a floresta vai continuar a ser maltratada”, enfatizou João Mosca que indicou como responsável as políticas públicas dos governos do partido Frelimo ao longo das últimas três décadas.
Um dos objectivos deste Ano Internacional dos Solos é apoiar políticas eficientes e acções com vista a garantir o uso sustentável e a protecção dos solos e dos recursos neles existentes, contudo, “(…)Toda a governação, nos últimos 30 anos pelo menos, foi completamente alheia aos fenómenos e aos problemas da agricultura e do meio rural. Nunca houve uma lei da agricultura mas em três – quatro anos tivemos uma lei de minas. Porquê? Negócio, comissão, promiscuidade, camponês não dá comissão, camponês não dá negócio, não dá sociedade. As políticas públicas em Moçambique aumentam a pobreza e aumentam as desigualdades sociais em Moçambique” afirmou o economista que é Director do Observatório do Meio Rural num seminário da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Mosca desmistificou a percentagem propalada pelo Governo, de que a pobreza em Moçambique está estabilizada nos 54 %, afirmando: “mas a pobreza não é percentagem é o número de pobres. Se nós introduzirmos a percentagem sobre o efeito demográfico vamos ver que temos mais um milhão e oitocentos mil pobres que em 1997. A pobreza está a aumentar em Moçambique porque as políticas públicas são favoráveis ao aumento da pobreza.”
Sobre a segurança da terra, aposta do Presidente Filipe Nyusi, João Mosca disse que “antes disso deveríamos falar na segurança do território. O camponês não vive do solo, da sua parcela, vive de uma forma integrada de todo o meio ambiente do território onde ele está integrado: da floresta, da água, da agricultura, da pastagem, da piscicultura, do conjunto que conflui para um determinado modo de vida, para determinados níveis de rendimento, e para determinadas formas de vivência dos cidadãos.”
Terra (in)Segura
Ademais “dentro desses sistemas de produção também tem a ver todos os aspectos sociológicos, antropológicos dos espíritos, dos cemitérios, das relações sociais de poder nos territórios, da história das culturas e identidades dos povos que habitam um certo território, portanto muito mais importante do que falar da terra, ou da parcela agrícola, é mais importante falarmos do território”, acrescentou o académico que destacou alguns riscos da iniciativa presidencial “Terra Segura”.
Ao contrário do que o Chefe de Estado afirma, que a terra não deve ser vendida, a meta de entregar cinco milhões de Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) a camponeses poderá estimular o negócio da terra, que por lei não pode ser vendida mas que todos os dias é transaccionada em Moçambique.
“Os cinco milhões de DUAT´s são uma coisa importante mas há riscos, uns dizem que o DUAT dá mais protecção e segurança da terra, é verdade. Mas o DUAT também permite a privatização ou a comercialização num mercado de terra que é ilegal mas que existe, e todos sabem que o mercado da terra existe em todo o lado, também permitem às pessoas com DUAT fazerem negócio”, chamou à atenção João Mosca que entende que o “Terra Segura” pode ser uma antecâmara de uma possível reforma da Lei de Terras e sugere que em vez da atribuição de parcelas a cada camponês a atribuição de DUAT´s às comunidades. “O DUAT da comunidade quer dizer que ela é dona, as parcelas podem estar dentro da comunidade e não se pode comercializar sem o consentimento da comunidade, e aí existe alguma defesa do território na integridade em termos de espaço, solo, de floresta, etc., num sistema integrado.”
“O camponês é o sacrificado da guerra”
A exploração florestal é outra das causas da degradação dos solos. O Director do Observatório do Meio Rural entende que o camponês só agride as florestas por necessidade da sua própria sobrevivência.
“O corte da floresta como forma de sobrevivência, de obtenção de rendimento, considerando a ruptura provocada no sistema tradicional de produção, baseado na agricultura, na pecuária e numa harmonização nacional da floresta, as populações são forçadas a migrar e contam com outras formas de sobreviver que incluem o corte das árvores para madeira, carvão, estacas, isto acrescido da crescente demanda de factores demográficos e sobretudo factores de urbanização levam a que o camponês, educado secularmente a relacionar-se de uma forma pacífica com a floresta, ele começa a ser o agressor da floresta. Não só como uma estratégia de sobrevivência mas também porque deixou de ter em relação à floresta a sua relação antropológica, a sua relação dos ritos, dos espíritos, dos cemitérios. Quando isso acontece, essa deslocação antropológica e sociológica, a relação entre o homem e a natureza entra em ruptura e vai agredindo a floresta porque já não é sua, a sua floresta ficou lá atrás.”
Para João Mosca “o camponês é o sacrificado da guerra, por causa da guerra ele emigra e é forçado a ser agressor da natureza”.
O economista apontou o tipo de investimento que se faz em Moçambique como outra das causas, pois ele é intensivo e gera poucos empregos; por outro lado, as políticas públicas, apesar do discurso sobre o empreendedorismo, não têm incentivos e apoiam pouco os pequenos produtores e outras pequenas iniciativas de geração de rendimentos.
“Existe um sistema equilibrado homem/natureza secular, ou milenar, sobre ele incidem instabilidades de natureza especial, política, militar, existe instabilidade e rupturas provocadas pela acumulação de capital e isso naturalmente incide sobre a pobreza pré-existente e acaba por aumentar a pobreza.”
Quase um terço do regadio do Chókwè está salinizado
Sobre o que deve ser feito para a conservação dos solos, Alfredo Nhantumbo, da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane, sugeriu que quem faz as políticas públicas deve começar por aproveitar os estudos e conhecimentos que existem e alertou para a necessidade de interligá-los.
“Há muitos estudos que estão a ser feitos sobre solo mas são estudos muito especializados, muito específicos, temos estudos mais virados para a agricultura, ou para a conservação da biodiversidade ou então para a mitigação dos desastres. Há necessidade de combinar a conservação do solo como um aspecto transversal e abordá-la de forma institucionalmente integrada”.
Alfredo Nhantumbo afirmou que a agricultura que se pratica em Moçambique não está “a produzir para um bom caminho” e deu alguns exemplos de como a produção agrária está a contribuir para a salinização dos solos na açucareira de Xinavane. “Se nós temos um sistema de rega e não há como drenar essa água nós vamos ter sérios problemas, pode ser provocado por intrusão salina e também podemos ter algumas situações em que a salinização é inactiva, tem a ver com aspectos genéticos do próprio solo”.
“No Chókwè a situação é ainda pior (…) quase um terço do regadio está salinizado”, revelou o académico da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane que abordou ainda o impacto do Aquecimento Global.
“Se nós já temos um país que é semi-árido há um risco de eventualmente de a região semi-árida aumentar, posso não estar certo mas o risco está lá”, afirmou Nhantumbo acrescentando que “as populações vão-se movimentar do interior para a costa (devido à seca) e isso a acontecer vai fazer muita pressão às terras da costa, que já estão pressionadas (pelo turismo) e aí vai-se piorar a situação”.
Segundo o académico, os riscos que Moçambique tem também de enfrentar passa pela probabilidade do aumento de cheias, nas bacias do Limpopo e do Zambeze, o que poderá agravar a salinização dos solos nessas regiões. “Há maior probabilidade de ocorrência de ciclones na zona costeira, para lá onde eventualmente as pessoas vão tentar assentar-se, se nós tivermos problemas sérios de seca no interior”, concluiu o investigador moçambicano.