É sentimento comum na camada jovem ouvida pelo @Verdade que a actual Política da Juventude, aprovada semana passada, por consenso, pelo Parlamento moçambicano sob proposta do Conselho de Ministros, não reflecte de forma cabal os anseios desta camada social, situação que é causada, segundo justificou, principalmente pelo facto de o processo da sua produção não ter sido inclusivo.
O Governo de Moçambique, em 1996, reunido em Conselho de Ministro, aprovou a primeira Política da Juventude do país e definiu como objectivo principal “fazer da juventude a faixa mais participativa da sociedade no processo de construção da Nação Moçambicana”. Passados 17 anos, os resultados mostram-se bem distantes daquilo que se pretendia.
Os jovens ainda se sentem excluídos dos grandes debates no âmbito do processo de construção do país. Este ano, consciente do fracasso que foi a primeira política e pressionado por jovens com vista à sua actualização, o Governo propôs à Assembleia da República a revisão daquele instrumento.
Na “Casa Magna” a proposta do Executivo foi discutida e aprovada em consenso pelas três bancadas que constituem o Parlamento. Algo, diga-se, um tanto inédito numa Assembleia da República (AR) cujos constituintes parecem estar mais preocupados em resolver questões umbilicais e partidárias em detrimento das do povo.
É uma política tímida e simplista Relativamente ao teor do instrumento aprovado pela Assembleia da República, a ilação é a de que ele “não traz grandes novidades”, comparado com o que já existia.
O Parlamento Juvenil (PJ), por exemplo, um movimento social analítico e apartidário orientado para a advocacia em prol dos direitos da juventude, entende que apesar de ser louvável a aprovação dessa Política da Juventude, não se pode julgar que ela trará soluções para os problemas dos jovens moçambicanos, principalmente por ser “tímida e simplista.”
O líder deste movimento, Salomão Muchanga, disse ser importante não esquecer que “Moçambique é campeão” em boas políticas e leis, mas que continua a cometer o crasso erro de não implementar tais dispositivos.
Entretanto, essa, defende, é uma situação que apela a uma reacção por parte dos jovens no sentido de não cruzarem os braços, mas envidarem esforços com vista à monitoria da aplicação efectiva desta política, apesar das suas deficiências.
O argumento de Muchanga é o de que o documento em causa é apenas uma manobra ilusória de boa governação por parte de Executivo, daí que defende ser a altura de o Governo perceber que a aprovação de políticas nacionais não se deve reduzir a uma simples “demonstração de intenção governativa,” mas deve significar a concretização real dos objectivos de desenvolvimento inclusivo do país.
“Este instrumento deve estar acima de qualquer partido político”, fundamentou. “Devemos saudar a Assembleia da República (AR) pela aprovação, por consenso, deste dispositivo que deverá indicar os caminhos a serem trilhados para fazer frente aos desafios inerentes à Juventude. Mas cabe a nós jovens monitorar a sua implementação”, defendeu Muchanga em contacto com o @Verdade.
O facto de ser aprovado num momento conturbado da história do país, com as principais cidades do país, Maputo, Beira, a serem fustigadas por uma onda de raptos sem precedentes em conivência com alguns agentes da Polícia da República de Moçambique e também a crise político-militar, cujos efeitos se fazem sentir em grande medida no centro de Moçambique onde se vive um cenário de “quase guerra”, representa, no seu entender, um desafio para esta camada social no sentido de ser mais interventiva na pressão para a busca de soluções para estes problemas.
Muchanga é da opinião de que esta política não reflecte os anseios da juventude do país. E indica como uma das razões desse posicionamento o facto de o processo de produção deste instrumento não ter sido inclusivo, embora tenha havido encontros nacionais, que, entretanto, foram dominados pela presença massiva dos membros da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), braço juvenil da Frelimo, em detrimento de outras organizações.
“Nós participámos nas discussões, mas a política não reflecte o nosso posicionamento”, concluiu.
Pilares da política da juventude
A Política da Juventude ora aprovada pelo Parlamento moçambicano, semana passada, apresenta nove áreas eleitas como sendo os seus pilares. Uma delas é o “financiamento de actividades da juventude” através do qual se pretende alargar as bases de mobilização de recursos financeiros e respectiva afectação em programas e áreas definidas por essa política.
Sucede que o documento faz referência apenas ao Fundo de Apoio às Iniciativas Juvenis (FAIJ), que, no entanto, se tem mostrado um fracasso desde a sua criação. Para perceber isso, basta recordar as palavras do actual dirigente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Osvaldo Petersburgo, no ano passado (2012), quando se referia ao FAIJ.
Petersburgo disse na altura ser “mentira” o que o Governo andava a dizer acerca do sucesso deste Fundo, pois “se tal existe ainda nenhum jovem beneficiou do mesmo”. Na altura, ele denunciou que o critério da alocação desse dinheiro pelo Governo não era transparente, tal como não é a alocação de Fundo de Desenvolvimento Distrital, ou simplesmente “Sete Milhões.”
Todavia, como que a reconhecer esse fracasso, o Executivo, através da Política da Juventude, preconiza a descentralização do FAIJ e a sua consequente institucionalização, como forma de torná-lo mais efectivo.
No sector da habitação, a proposta é “garantir a criação de condições de habitação própria para os jovens”. Nesse âmbito, sem entrar em detalhes, o Governo compromete-se a facilitar o acesso à terra, adoptar medidas que visem a redução dos custos de construção de habitação, estimular as instituições financeiras e as agências de crédito a oferecerem programas, produtos/serviços de concessão de crédito habitacional e, por fim, consolidar o papel do Fundo para o Fomento de Habitação (FFH), e outras entidades público-privadas na promoção de habitação para jovens.
Mas importa aqui referir que Moçambique é o país com o mais elevado custo de habitação ao nível da região Austral, como resultado da carência de materiais de construção que são, maioritariamente, importados.
Por outro lado, a solução apresentada pelo Executivo de estimular a redução das taxas de juro, tal como o Governo pretende fazer para que os jovens possam aceder ao crédito, não irá, por si, resolver o problema, propondo-se, por conseguinte, que o Executivo crie facilidades que tornem a habitação social um investimento atractivo e lucrativo para o sector privado.
Outro pilar diz respeito ao emprego, o auto-emprego e o empreendedorismo juvenil, cujo objectivo é incentivar a atracção de investimento e iniciativas que criem oportunidades de emprego e auto-emprego para jovens. Pretende ainda promover o acesso dos jovens aos programas de capacitação para o desenvolvimento de habilidades na área empresarial.
Ora, em Moçambique, os jovens, por constituírem a maioria da população, são também as principais vítimas de ocupação. Neste momento, estima-se que a taxa de desemprego esteja acima de 22 porcento só nas zonas urbanas; todavia, as rurais são as que albergam mais jovens no país. Entretanto, por causa destes elevado índice de desemprego, a solução para muitos tem sido o mercado informal. A situação é de tal maneira preocupante que até os jovens com formação técnico-profissional são engolidos pela onda.
Na verdade, actualmente, um em cada três jovens tem emprego formal no país. E num universo de mais de três milhões, menos de 10 mil têm acesso ao mercado laboral anualmente, segundo dados do Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFP), uma entidade ligada ao Ministério de Trabalho.
E, perante essa situação, o que os jovens exigem, neste momento, é que haja transparência nos processos de recrutamento. Deve haver transparência no acesso ao emprego Jovens que falaram ao @Verdade em reacção à aprovação da Política da Juventude mostraram-se cépticos quanto à possibilidade de este dispositivo alterar o actual cenário no que se refere ao desemprego.
Entendem eles que, sendo esse um problema que se arrasta há bastantes anos, pouco já se fez no sentido de se ultrapassar a questão. “Mais do que políticas, nós precisamos de acções”, disse Mário Manjane, tendo seguidamente levantado uma questão: “Nós sabemos que o Governo aprova todos os dias leis para reduzir a criminalidade, mas os crimes não diminuem. Por que motivo a aprovação de uma Política de Juventude iria diminuir o desemprego?”.
Para os jovens entrevistado pela nossa equipa de reportagem, um dos grandes constrangimentos para se ter acesso ao emprego em Moçambique é a falta de transparência no processo de ingresso. É que, segundo entendem, geralmente o anúncio de vagas nos jornais e outros meios, tanto para as empresas públicas assim como as privadas, é feito só para se cumprir uma formalidade, o que significa que os lugares já foram ocupados
. “Os concursos públicos são apenas para o inglês ver e legitimar a afectação de familiares e amigos”, disse José Samo.
Por seu turno, o jovem Gabriel Mathé defende que para a questão da habitação, ao invés de o Governo trazer a projectos de casas construídas, devia criar condições para facilitar o acesso a um pedaço de terra onde o próprio jovem possa construir a sua a habitação e, a par disso, criar mecanismos de redução dos preços do material de construção.
“Se se criasse um maior número de postos de emprego ou facilidades de acesso ao crédito para desenvolvermos negócios e nos dessem terra, não seria preciso construir casas para o jovem”, disse o nosso entrevistado, para quem “uma casa já construída não está para um jovem comum”.
CNJ satisfeito
O presidente da Comissão Nacional da Juventude, Osvaldo Petersburgo, entende que a aprovação deste dispositivo representa o alcance de uma grande etapa na caminhada rumo à superação dos desafios da juventude.
“Hoje estamos mais firmes e convictos de que o caminho a seguir é para a materialização do que está escrito, porque se isso não acontecer esta política será ‘letra-morta’ e não servirá para nada”. Neste espírito de raciocínio, Petersburgo compreende, primeiro, que o facto de este ter sido aprovado por consenso é um sinal representativo de que há um interesse em se ver implementado o que está preconizado no documento.
Em segundo lugar, “é o facto de a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade da AR ter incorporado um novo artigo que obriga o Governo anualmente a vir ao Parlamento apresentar resultados desta política”.
Ele considera ainda que as questões cruciais na vida do jovem, tais como o emprego e a habitação, estão devidamente acauteladas neste documento. “Na habitação temos os problemas relacionados com as taxas de juro que são muito elevadas e esta política traz uma indicação para se baixar as taxas de juro para que haja projectos sociais aos quais o jovem que aufere o salário mínimo na Função Pública se possa candidatar”, argumentou, e seguidamente refutou a ideia de que esta política não espelha os anseios de jovens pois “foi feita uma auscultação ao nível de todos os sectores e de todo o país.”
Outros pilares
Para além dos acima mencionados, a Política da Juventude tem como pilares a Organização, Planificação e Enquadramento Jurídico da Juventude; o Associativismo Juvenil; a Educação e Formação Profissional; a Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informação; o Desporto, a Cultura e o Turismo e a Cooperação e Solidariedade Juvenil.