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Polícia deve acompanhar a evolução da consciência de cidadania

A Polícia da República de Moçambique deve acompanhar a evolução da consciência de cidadania e da reivindicação do exercício dos direitos fundamentais. Quem assim o diz é a presidente da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique, Alice Mabota, que falava no acto de abertura da 1ª Conferência Nacional sobre o Papel da Polícia num Estado Democrático e de Direito em Moçambique, que decorreu na semana passada em Maputo.

Segundo Alice Mabota, em Moçambique, à semelhança do que acontece noutros países do mundo, a Polícia é o órgão que menos dialoga e ao qual tem sido atribuída grande responsabilidade na problemática da violação dos direitos humanos.

“A Polícia, na sua missão de garantir a ordem e tranquilidade públicas deve estar atenta a esta evolução de modo a não permitir que seja usada para compensar a fraqueza da implementação das nossas políticas públicas no âmbito dos inúmeros desafios sociais, económicos e políticos que o país enfrenta de modo que da sua actuação não resultem limitações ilegais aos direitos fundamentais”, recomenda.

Entretanto, para que este cenário mude, Mabota diz que “há uma necessidade de mudar a forma de actuação da nossa Polícia e as percepções que a sociedade tem sobre ela”, e acrescenta que “a Polícia em Moçambique enfrenta uma realidade em que a sua imagem se encontra profundamente desgastada por diversos motivos. Muitas vezes ela é associada a graves violações dos direitos humanos. Vários relatórios nacionais e internacionais já colocaram a nossa Polícia como uma das que mais violam os direitos humanos”.

Na opinião da presidente da Liga dos Direitos Humanos, esta situação deve-se à falta de incentivos aos agentes, daí que sugere a melhoria das condições de trabalho, para além do estabelecimento de um salário justo e compatível com a sua função. “As condições da Polícia são miseráveis. Os agentes são tratados como se de seres humanos não se tratasse. Recebem mal e não têm condições de trabalho”.

A FIR e a PIC são os principais violadores Porém, Alice Mabota diz que a questão da violação dos direitos não pode ser imputada a todas as especialidades da Polícia, e justifica: “Quando falamos da má actuação da Polícia, não nos referimos à de Protecção, apesar de esta também não actuar como deve ser. Os principais violadores dos direitos dos cidadãos são a Força de Intervenção Rápida e a Polícia de Investigação Criminal. Esta última, quando quer obter uma confissão durante as investigações, tortura ou extorque os indivíduos. Em relação à FIR, é o que vemos no nosso dia-a-dia. A actuação destas especialidades é péssima”, acusa.

“Corrupção é uma questão de personalidade e não consequência de baixos salários”, Eduardo Mussanhane

Por seu turno, contrariamente a Alice Mabota, que afirma que a corrupção no seio da Polícia se deve aos baixos salários que a mesma aufere, o Comissário da Polícia, Eduardo Mussanhane, que falava em representação do Ministério do Interior, considera que não se pode invocar este dado para justificar o comportamento de alguns agentes. Para si, “a corrupção é uma questão de personalidade e atitude, e não tem nada a ver com o baixo salário”.

Porém, Mussanhane reconhece que o salário da Polícia deve ser revisto e que esta é uma questão que já vem sendo discutida, mas cuja solução não depende só do Ministério do Interior. “Já colocámos esta questão e a resposta foi que se aumentarmos o salário da Polícia os enfermeiros e outras classes profissionais também vão reclamar”.

Ainda na conferência, foi duramente criticado o uso de armas tidas como de guerra por parte dos agentes da polícia, que diariamente circulam por todo o lado durante as acções de patrulha. De acordo com Graça Samo, directora executiva do Fórum Mulher, “esta situação provoca uma sensação de medo e dá-nos a ideia de estarmos em guerra. É constrangedor cruzar-se com um agente portando uma arma daquelas nas costas”.

Em resposta, o representante do Ministério do Interior reconheceu o problema e disse estar em curso um processo com vista a mudar este cenário. “Os instrumentos de trabalho da Polícia são inadequados. As armas que os agentes portam são de uso colectivo e não individual”.

Urge definir a missão da PRM

Durante a sua intervenção, subordinada ao tema “Desafios da Polícia na Promoção do Estado Democrático e de Direito”, Mussanhane apontou como principal desafio da Polícia da República de Moçambique a prossecução das reformas legais iniciadas visando superar o paradigma de uma Polícia criada num sistema de partido único.

Para tal, urge definir a missão da PRM, definir com clareza e objectividade o conteúdo de trabalho concreto das várias classes e categorias profissionais e os mecanismos de responsabilização individual dos agentes pelos actos que praticam durante o trabalho. Não menos importante, a PRM deve ter um efectivo suficiente para “garantir a visibilidade social, sem sobrecarga de trabalho para os agentes actualmente em serviço, cujas escalas são sub-humanas, nomeadamente de 24 horas de serviço”.

Também é necessário desenvolver critérios transparentes de ingresso nos quadros da Polícia que tenham em vista a promoção de atitudes dignas de um Estado Democrático e de Direito, pois, na sua opinião, o actual modelo de selecção de candidatos a membros da PRM está a falhar.

“Reconheço que a PRM, tal como outras instituições do Estado, é uma fonte de emprego. Mas este emprego é especial! Talvez devíamos pensar em mecanismos em que o período probatório não fosse depois da formação, mas sim antes desta. Ou seja, há uma selecção feita, onde os novos agentes colaboram com as autoridades, enquanto são monitorados os seus comportamentos e atitudes, e daí chegar-se-á à conclusão de que vão ou não para a formação”, sugere.

Erros dos tribunais resultam de falhas da Polícia

Não raras vezes, os tribunais têm absolvido e restituído à liberdade indivíduos indiciados da prática de crimes alegadamente devido à insuficiência de provas ou de má instrução dos processos. Esta situação, segundo Afonso António Antunes, resulta das falhas do aparelho policial de investigação pois o mesmo é constituído por agentes desmotivados e insuficientemente preparados, para além de não dispor de instrumentos adequados, trabalhar com métodos ultrapassados, e, sobretudo, por não ter independência para o desempenho das suas actividades de investigação, tal como acontece com a Polícia de Investigação Criminal (PIC), que se debate com uma “falta de viaturas e equipamento laboratorial”.

“Cada vez mais casos dos chamados erros judiciários surgem. Inocentes são detidos por crimes que não cometeram, ou em situações em que o facto nem mesmo crime é. Mais delinquentes são colocados em liberdade, quando mereciam ser detidos e condenados. As prisões estão cheias de pequenos delinquentes, jovens carenciados, enquanto criminosos habituais não são detidos, andam à solta, beneficiando de uma legislação inadequada, e do poder económico e social”, diz.

Este problema, para o orador, não é actual, e para a sua solução urge tomar medidas políticas, e não administrativas ou técnicas, como se pode pensar.

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