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Plano quinquenal peca por não tratar dos assuntos do futuro olhando para onde nós estamos

Plano quinquenal peca por não tratar dos assuntos do futuro olhando para onde nós estamos

O plano quinquenal aprovado pelo Parlamento nesta terça-feira (14), pelo voto da bancada maioritária do partido Frelimo, contrariamente ao que apregoa o Primeiro-Ministro, não inova e traz pouca esperança de melhoria das condições de vida do povo moçambicano. É que Governo de Filipe Nyusi propõe-se continuar com o tipo de economia do seu antecessor, que cresce mas não reduz a pobreza dos moçambicanos e está focada em fortalecer as oligarquias financeiras nacionais, ligadas ao partido no poder.

“Decorrente das intervenções previstas no domínio macroeconómico, o Governo espera alcançar os seguintes resultados no final do quinquénio: a manutenção da taxa de crescimento económico entre 7 e 8% por ano, mantendo a nossa economia como uma das mais dinâmicas e robustas da região da África Subsahariana e do Mundo”. Esta promessa feita pelo Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, no Parlamento não inova em nada, mas antes mantém as apostas económicas do Governo anterior que se tem traduzido em poucas melhorias na vida da maioria dos moçambicanos.

Os poucos que têm lucrado, e muito, com este tipo de economia são as oligarquias financeiras nacionais, umbilicalmente ligadas ao partido Frelimo. “Na última década, o enfoque real da economia de Moçambique foi formar as oligarquias financeiras nacionais, mas fazê-lo num contexto em que era preciso capitalizar estas oligarquias”, afirma o professor Carlos Nuno Castel-Branco em entrevista concedida ao @Verdade.

“Como é que se capitaliza o capitalismo doméstico à grande velocidade, como nós estamos a tentar fazer em Moçambique? É através de fortes ligações ao capital internacional de grande escala mas num contexto de uma clara divisão de trabalho internacional de financeirização do capitalismo global e do tipo de economia que nós em Moçambique temos, herdada do colonialismo e não transformada significativamente ao longo das últimas quatro décadas. A maneira de ligar com o grande capital internacional é dar a este capital internacional acesso àquilo que para esse capital é estratégico, que nós temos (….) recursos naturais, sobretudo os energéticos, o carvão e a energia, e outros recursos minerais que são também preciosos sobretudo nas indústrias de alta tecnologia, e que são extraídos das areias pesadas.”

Castel-Branco, que é Coordenador do Grupo de Investigação de Economia e Desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), refere que num “plano quinquenal é muito possível prometer muitas coisas, mas como é que eu vou tratar destas questões?”.

De facto, muitas das intenções inscritas no plano quinquenal, que saem das promessas do manifesto eleitoral do partido Frelimo, não estão claramente e objectivamente explicadas como serão materializadas.

Por exemplo, como é que será feita a “contenção da inflação média anual ao nível de um dígito, garantindo assim a estabilidade da capacidade de compra e das condições de vida dos moçambicanos?”, combinando a intenção de “ manutenção do défice orçamental abaixo de 22% do Produto Interno Bruto, sem incluir donativos” e ao mesmo tempo promovendo a “industrialização orientada para a modernização da economia e para o aumento das exportações, através do estabelecimento e fortalecimento das micro, pequenas e médias empresas exportadoras”.

Uma das soluções avançadas pelo plano quinquenal é a promoção das “Parcerias Público-Privadas para a provisão de infra-estruturas e serviços públicos”. Para o professor Carlos Nuno Castel-Branco “as Parcerias Público-Privadas (PPP´s), pela sua natureza, são excludentes no sentido que uma vez que estas actividades têm de gerar lucro, porque senão o sector privado também não vai participar, ou se vai participar vai participar apenas em actividades marginais (PPP´s para embelezar uma parte da cidade)”; por isso, para um país como Moçambique o “saneamento, a educação, a saúde, o transporte, e outros têm que continuar a ser bens públicos para conseguirem ser parte vital da luta para as pessoas saírem da pobreza e melhorarem as suas condições de vida”, caso contrário “quem não tem os rendimentos necessários para ter acesso ao transporte, educação e saúde não vai ter esse acesso.”

Cahora Bassa + EMATUM + estádio do Zimpeto + ponte da Catembe = dívida pública externa

Sobre a intenção, inscrita no plano quinquenal do Governo de Nyusi, de aumentar as “receitas do Estado para 32.5% do Produto Interno Bruto, consolidando cada vez mais a capacidade do Estado de financiar a despesa pública com recursos internos”, Castel-Branco chama a atenção: “Não basta dizer que eu também vou fazer isso, porque o também significa que eu tenho recursos adicionais e se esses recursos adicionais estão em forma de dívida então vão agravar o problema.”

Sobre o stock da dívida pública externa, que ultrapassa os seis biliões de dólares, o professor recorda os maus investimentos feitos nos últimos dez anos, lembrando que “a aquisição das acções de Cahora Bassa são 950 milhões de euros em dívida externa, e qual foi a vantagem prática que tiramos disso, além do forte discurso sobre a auto-estima? Temos mais energia? Temos energia de melhor qualidade? Temos energia mais barata? Não.”

Castel-Branco adiciona “os 850 milhões de dólares da EMATUM, há alguém que é capaz, além deles, de explicar o que é que a EMATUM de facto é? Qual é o juro desse empréstimo ? que o Estado é avalista? É um dos juros mais altos disponíveis no mercado internacionais de capitais!”.

Soma também o estádio nacional do Zimpeto: “Quem não quer ter um estádio nacional de grande prestígio? Mas quando nós nem conseguimos ter desporto escolar desenvolvido numa base sistemática, não temos academias desportivas desenvolvidas numa base sistemática, nós não conseguimos formar as camadas jovens de atletas em todas as modalidades desportivas, temos uma enorme carência de formação de atletas de qualidade competitiva e uma enorme carência de acesso da população ao desporto recreativo, desporto educativo, ao desporto relacionado com a saúde será que a prioridade é gastar 50 ou 60 milhões de dólares a fazer um estádio nacional quando nós tínhamos uma estádio nacional que poderíamos reabilitar por um custo mais baixo e esperar alguns anos até a economia ter capacidade de gerar um estádio nacional que não seja dívida externa.”

E, Carlos Nuno Castel-Branco, acrescenta ainda que “a ponte da Catembe, no contexto em que as pessoas são transportadas em camiões como se fossem sacos, a prioridade é mesmo a ponte da Catembe? Foram mais 750 milhões de dólares.”

A esperança de pararmos de andar como sacos em my love, espremidos como sardinhas em “chapas”, ou em filas no tráfego urbano até 2019 é muito pequena pois, o plano quinquenal aprovado apenas propõe-se a “Reorganizar o Sistema de Transportes Públicos Urbanos”. Como, esperemos que eles saibam.

Entretanto as dúvidas, sobre as opções económicas do Governo não param por aqui. “Se não são em forma de dívida vêm de onde?” questiona Carlos Nuno Castel-Branco, porque o plano quinquenal não refere uma eventual renegociação dos contractos com os megaprojectos que já estão a gerar lucros. “Tem que se tornar explícito qual é a estratégia de mobilização de recursos adicionais ou qual é a estratégia de reorientação da estratégia de investimento público.” Para o professor, a questão vital em que o plano quinquenal do Governo falhou é a falta do reconhecimento do estado em que a economia moçambicana está, e “isto tem que ser reconhecido como um problema, e não me parece que o plano quinquenal faça uma discussão destas questões, reconheça e trate dos assuntos do futuro olhando para onde nós estamos.”

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